O massacre contra a vida humana nunca foi tão documentado e exposto, seja a guerra criminosa protagonizada pela Rússia contra os ucranianos (com participação na guerra na Síria) gerando uma crise humanitária e colocando em risco a segurança alimentar mundial, como alerta a ONU, seja a nova ofensiva para a mineração industrial em terras indígenas, ameaçando a saúde e a disponibilidade de alimentos para os seus povos, impactando cadeias produtivas e podendo causar perdas bilionárias.

Em 2020, Lidia Zuin chamou a atenção em sua coluna aqui, que o exército francês estava contratando ficcionistas para imaginar as guerras do futuro e que isso poderia ser preocupante. Enquanto na época, alguns não compactuavam com uma possível guerra física, mas sim informacional (ou de desinformação), o fato é que estamos vendo as duas guerras acontecerem hoje.

Enquanto o autocrata russo avança na matança, a China que gosta de se apresentar ao mundo como defensora da paz, se mantém numa posição pseudoneutra pró-Rússia, “por ter boas razões para desejar um resultado que satisfaça Putin” como explica a matéria na The Economist: “Não importa como a guerra se desenrole, a China cuidará do seu relacionamento com o Kremlin como forma de aumentar o seu próprio poder, não o da Rússia”.

E sobre pseudoneutralidade, não estamos aqui falando dos movimentos que defendem supostas neutralidades para escamotear discursos ultraconservadores no campo da política e dos valores sociais. Esse assunto merece outro texto.

Colonizadores contam a velha história de que não tem para todos. Não acreditam em um futuro de abundância e compartilhamento. A colonialidade deixou como legado a dominação, a morte e a gana expansionista – reativada por Putin.

“Inverter a lógica da dominação se alinha a reintegração de posse, daquilo que nunca foi propriedade de ninguém, mas poderia ser utilizado por todos, se divido: terra e sonhos”, provoca Roberta Eugênio. “A contra narrativa arguta, que apresenta técnicas de divisão, de cuidado coletivo, por sua vez, é nossa, é daqueles que estão sendo massacrados por séculos”, complementa fazendo alusão ao afrofuturismo. 

Precisamos também decolonizar o capitalismo bio-ignorante, que acredita que o “going green” e o “New Deal Verde” são ideais utópicos. A contabilidade das empresas precisa urgentemente ser ecologizada e bio-atualizada. Como empresas podem continuar fazendo negócios e não serem responsabilizadas pelas mudanças climáticas? Por tragédias humanas e ecológicas em larga escala? E por que o impacto sobre os bens comuns naturais é deixado de fora da equação contábil?

Empresas capitalistas não devem gerar e distribuir seus lucros à custa de passivos ambientais; não podem continuar recebendo incentivos fiscais, subsídios governamentais e auxílios sem reconhecer sua contribuição ou cumplicidade para os desastres atuais.

“As operações extrativistas da Chevron, com seus derramamentos de petróleo na Amazônia intocada, teriam sido lucrativas se tivessem originalmente contabilizado os custos futuros de remediação e reparo? A contabilidade das emissões auditadas do ciclo de vida deve fazer parte da divulgação das grandes empresas e, posteriormente, estar sujeita às regulamentações de emergência climática”, defendem Renata Ávila e Andrés Arauz. “Indústrias extrativistas operam em detrimento da vida humana (para não mencionar os direitos humanos) e ignoram completamente a vida de outras espécies”, argumentam.

Diariamente os noticiários mostram os avanços tecnológicos e descobertas científicas nunca antes imaginadas com benefícios para a humanidade. Ao mesmo tempo, noticiam os danos irreversíveis ao ecossistema e às populações indígenas, escancaram na nossa frente os milhões de refugiados fugindo de guerras, conflitos e das mudanças climáticas, com os pés mergulhados em lama e sangue, produzidos pelo capitalismo predatório e pela escalada da ambição desmedida.  

Precisamos alcançar um New Deal Verde internacional que decolonize o nosso futuro. Precisamos confrontar colonizadores que conspiram contra a humanidade. Precisamos construir uma visão compartilhada de um futuro mais justo e equitativo. E isso não acontecerá sem quebrarmos as estruturas coloniais do nosso presente.

Ilustração da capa: Cristiana Couceiro

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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