Geração Perdida” é um termo atribuído à escritora Gertrude Stein, tendo sido popularizado pelo escritor Ernest Hemingway, que o utilizou na epígrafe de seu romance O Sol Também se Levanta.

A expressão era utilizada para designar a geração nascida entre 1883 e 1900, a qual teve sua adolescência e/ou vida adulta permeada pelo contexto da Primeira Guerra Mundial e, sequencialmente, os “loucos anos 20” e a Grande Depressão.

Ao contrário do que se possa pensar, “geração perdida” não se refere a vidas desperdiçadas (embora abarque isso também), mas a pessoas buscando alguma direção que as leve a encontrar seu lugar no mundo.

Tal sentimento foi perfeitamente captado por outros escritores da época. Entre eles, figuras como Ezra Pound, F. Scott Fitzgerald, James Joyce e o próprio Ernest Hemingway, por exemplo. Tais autores destrinchavam o espírito da época, fosse apresentando visões cínicas ou mesmo niilistas como ponte para uma busca existencialista (o que ecoava a filosofia de Nietzsche, a propósito); fosse por meio de textos expressando insatisfações e anseios com os quais o público se identificava. Essa característica, diz-se, advinha do fato que muitos destes autores, na época, retratavam textos autobiográficos por meio de alter egos. Prática que seria repetida (não com tanta frequência) pelos beatniks, a exemplo de Charles Bukowski e seu personagem Henry Chinaski (ou somente “Hank”, para os íntimos).

Esse contexto de efervescência cultural refletia desilusões sociais permeadas por empregos precários, incertezas políticas, falta de perspectivas de futuro, mudanças tecnológicas e políticas alterando para sempre paradigmas sociais, ascensão conservadora em meio a grupos que buscavam voz junto ao povo, crescentes desilusões políticas, medos coletivos, fome e tantos outros fatores.

E se o cenário da época produziu anseios que se parecem com aqueles que possuímos hoje, talvez olhar para o passado ajude a compreender o nosso presente. Chuck Palahniuk já apontava em seu livro Clube da Luta, por meio do personagem Tyler Durden, um sentimento coletivo que perdura nas gerações mais jovens desde os anos 90, refletida na frase mais famosa de sua obra: “Não tivemos uma guerra mundial, não temos uma grande depressão. Nossa guerra é espiritual, nossa depressão são nossas vidas”.

Com tecnologias avançando cada vez mais rápido em meio a grandes crises econômicas e políticas cada vez mais frequentes, talvez esse sentimento de desorientação tenha vindo para ficar ou façamos parte de uma época na qual diferentes gerações precisam encarar uma questão vital:

Não sabemos o que fazer.

Não é pela crise econômica, não é pela democracia em risco ao redor do mundo, não é temor pelo meio ambiente em colapso, tampouco pelo desemprego ou crises institucionais, menos ainda pela crise da bolha na internet, nem por receio quanto aos avanços tecnológicos. Todos estes fatores são importantes; mas existe algo mais, algo que escapa à atribuição racional que possamos dar.

Pode ser que estejamos diante da primeira crise social metafísica. E não, isso não quer dizer que estejamos diante de uma ameaça sobrenatural; apenas de ordem subjetiva. Algo esperável de uma sociedade complexa que se encontre o tempo todo bombardeada por todos os tipos de informações.

Tal bombardeamento, constante, cria em nós um cansaço emocional persistente. Afinal, estamos sempre assimilando informações, sejam elas complexas ou simples, importantes ou triviais. A partir do momento em que nos conectamos, seja a trabalho ou num momento de lazer, nosso cérebro não distingue graus de importância. Tudo é assimilado.

Obviamente, corporações e blocos políticos radicais tiram proveito de tal tráfego de dados, seja direcionando conteúdos a partir de nossos comportamentos ou explorando nossos anseios e receios. Com a virtualização, faz parte da cibercultura (termo cunhado pelo filósofo Pierre Lévy) do século XXI (diferente daquela presente no século XX tardio), e isso é algo que provavelmente veio para ficar.

Os transtornos psíquicos associados ao capitalismo tardio na era da virtualização são, portanto, não apenas uma consequência; mas um modelo de negócios. Uma falha sistêmica, assim como é passível ocorrer em qualquer outro modelo. A História da Humanidade é como uma grande parábola a esse respeito. Não importa o quão bom um modelo possa ser, ele é passível de falha ou corrupção, pois depende de humanos. No caso do capitalismo, tal falha consiste numa pirâmide de exploração, como é apontado desde Karl Marx em sua Magnum OpusO Capital”, que, ao contrário do senso comum, trata de uma análise acurada sobre dinâmicas socioeconômicas (não sendo, surpreendentemente, um texto político na acepção comum que “textos políticos” possuem).

Exatamente para se evitar explorações, o Estado, em seu contrato social, assume dois papéis a partir dos quais todas as suas atribuições emanam: papel propositivo e papel regulador. No primeiro papel, espera-se que o Estado reprima o abuso do poder econômico. No campo propositivo, deve estabelecer soluções.

Essa sensação de precarização, em grande parte pela própria vida sendo jogada a um limbo de niilismo (que, neste caso, não é ponte para qualquer existencialismo), infelizmente possui uma tendência de piora. Segundo Yuval Harari, professor na Universidade Hebraica de Jerusalém e autor do livro Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, o prognóstico é aterrador. Devido à crescente substituição do ser humano pela automação tecnológica, nas próximas décadas, veremos um crescente número de pessoas sem lugar no mundo. Ainda segundo o autor: “São pessoas que não serão apenas desempregadas, mas que não serão empregáveis”. E, talvez por isso, esse pode ser o momento ideal para que a população pressione por regulações.

Por outro lado, pode ser um bom momento para que empresas mirem em tendências, antecipando-se, até mesmo em décadas, em suas estratégias. Talvez possa ser um momento oportuno para experimentar as visões de diferentes analistas de conjuntura, gerentes de risco, superprevisores, até mesmo com o auxílio das máquinas.

Por outro lado, na esfera individual, pode ser um bom momento para pensar em carreiras que tenham baixas chances de automação. Existem ferramentas que calculam essas probabilidades, como o site Will Robots Take My Job? (“Os robôs vão tomar meu trabalho?”, em tradução livre).

Porém, pode ser o momento de se começar a pensar em pressões populares a fim de se pensar em medidas que contornem questões fundamentais sem que necessariamente precisemos interromper o progresso tecnológico. Por exemplo, pensando em programas de governo com incentivo fiscal para trabalhadores humanos ou mesmo “postos de trabalho criativos” dentro das áreas de cada trabalhador. No primeiro caso, uma medida semelhante às cotas, um cenário hipotético que apresentei em meu primeiro livro publicado, a ficção científica Poder Absoluto, que, entre outras coisas, previu o Metaverso (inclusive no nome que a empresa Meta adotou para sua plataforma, Horizon).

O futuro pode parecer desorientador, frequentemente fazendo com que nos sintamos uma geração perdida. Mas é possível nos encontrarmos.

Ilustração da capa: Adrian Tomine

Jean Gabriel Alamo

Jean Gabriel Álamo cursou Letras pela UFJF, é editor-chefe da Revista Literatura Fantástica e autor de um universo literário com 18 obras já publicadas de Fantasia, Ficção Científica e Terror que se encontra em constante expansão, tendo como maiores sucessos a série fix-up "Feiticeiro de Aluguel" (2019 - atualmente), "Admirável Roça Nova: Um Conto de Cybercoronelismo" (2020) e "Poder Absoluto" (2017).

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