Em The Intelligence Trap (sem tradução para o Brasil, mas que significaria “A Armadilha da Inteligência” numa tradução livre) do pesquisador David Robson, existe um trecho inteiro dedicado a pessoas que, desde a década passada, vêm sendo chamadas de “superprevisores”. A despeito da alcunha de interpretação possivelmente sensacionalista, não se trata de um conceito metafísico ou presente (exclusivamente) em histórias de super-heróis.

Segundo Daniel Kahneman, autor de Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar, a mente humana funciona a todo tempo com duas linhas de trabalho:

A primeira, rápida, dá conta dos pensamentos cotidianos, geralmente manifestados de forma verbal, quase narrativa. Tal forma dá conta de qual será, por exemplo, a lista de compras do supermercado, linhas de raciocínio para a solução de problemas complexos ou assimilação de novidades, entre outras questões pertinentes ao raciocínio analítico — este tradicionalmente supervalorizado pelo pensamento ocidental.

A segunda, devagar, trata dos pensamentos inconscientes a nível geralmente subjetivo. Geralmente partindo dos pensamentos na categoria rápida; os pensamentos a nível devagar não são racionalmente percebidos, mas responsáveis pela construção de nossa identidade.

Porém, esta é uma descrição superficial dos processos cognitivos, uma vez que, ocasionalmente, os mesmos trocam de lugar em situações específicas, ao menos em termos funcionais. É a partir desta dinâmica, por exemplo, que processos como intuição se dão, segundo a Ciência.

A título ilustrativo, uma pessoa que seja boa em prever pênaltis pode ter inconscientemente assimilado pré-condições para o chute ao gol e os movimentos do goleiro para acertar o resultado antes de a bola determinar o resultado na rede. Outro exemplo seria o de um motorista distraído numa estrada escura que desvia de um buraco antes mesmo de vê-lo. Enquanto o primeiro caso seria fruto da alta capacidade de observação e experiência, o segundo se basearia num movimento irracional de desvio com base em cálculo inconsciente probabilístico.

Existem, porém, pessoas capazes de realizar essa interação entre consciente e inconsciente de forma mais ampla, e não apenas isso, sendo capazes de assimilar grandes quantidades de informações, de forma consciente ou não, e expressá-las. Tais acertos intuitivos, para tais pessoas, não costumam se limitar às áreas de formação a que pertencem. “São capazes de prever, por exemplo, se uma guerra civil irá estourar em uma região conturbada ou quem será o vencedor (de uma modalidade) das Olimpíadas”, segundo Robson.

Ainda conforme atestou uma meta-análise feita sobre participantes do Good Judgement Project (“Projeto da Boa Avaliação”, em tradução livre), competição cuja abordagem é buscar novas abordagens em previsões de natureza política, os superprevisores têm alguns traços de personalidade em comum, entre eles: “…embora a maioria das pessoas pense em suas crenças como algo muito precioso que as define, algo sagrado mesmo, os superprevisores tendem a ver suas crenças como hipóteses a serem testadas, que devem ser revisadas de acordo com as evidências (…). Isso significa que eles tendem a ser melhores em fazer estimativas iniciais assim que você lhes faz uma pergunta, mas eles são ainda melhores em atualizar o que pensam à medida que obtêm mais informações, para que possam recalibrar se a probabilidade é maior ou mais baixa”, como explicou o cientista político Philip Tetlock em entrevista à BBC em 2015. Outra característica que funcionaria como identificador comum de superprevisores seria a curiosidade inata, esta aliada essencial à fluidez do raciocínio com total liberdade em quebras de paradigmas de crenças, uma vez que são encaradas como meras hipóteses.

De acordo com o Good Judgement Project, apenas 2% da população em geral apresenta características inatas aos superprevisores, ao menos com base no que diz Michael Storey, vencedor do concurso e atualmente um dos diretores da empresa Good Judgement Inc., que hoje presta serviços a empresas com gerenciamento de risco e a campanhas políticas.

Em tempos de conturbação econômica, quando mesmo os mais renomados economistas, financistas ou futuristas não conseguem prever o cenário econômico seguinte, contar com superprevisores capazes de meta-análise da realidade com base no cenário observacional e alheios a paradigmas pode ser uma solução que determinará o sucesso ou a derrocada de uma empresa. Ao menos, segundo garante Storey.

Apesar de somente agora estar virando tendência, a atuação de superprevisores não é exatamente uma novidade no mercado financeiro. Na década de 80, foi exatamente o que fez a Medallion Fund — empresa de hedge mais bem cotada do mercado em sua área. A empresa, quando iniciou, prometia retornos elevados (muito acima de qualquer faixa) do mercado de ações. Em seu corpo empresarial, nenhum economista ou financista; mas astrofísicos, engenheiros, matemáticos e até mesmo filósofos e sociólogos. Apesar da inicial descrença quanto à metodologia, é hoje a empresa mais bem avaliada no ramo e com uma cartela de clientes bastante exclusiva (propositalmente).

A chave para o sucesso da empresa pode ter se dado justamente pela ausência de profissionais, que inevitavelmente se veriam presos a paradigmas de dinâmicas do mercado e incapazes de se desfazer de suas crenças, buscando se balizar em autovalidações. Ao invés disso, contando com profissionais superprevisores vindos de áreas capazes de executar cálculos complexos e pensar em correntes de pensamento e movimentos sociais vigentes, tornou-se ímpar em sua atuação.

No Brasil, com a supervalorização do pensamento analítico e um academicismo engessado ao ponto de beirar o anticientificismo em múltiplas áreas, ao menos segundo Richard Phillips Feynman em “Surely You’re Joking, Mr. Feynman!: Adventures of a Curious Character” acerca de sua passagem pelo Brasil; com um mercado de ações enraizado em crenças liberais já reformuladas ao redor do mundo quase às raias da fé e um aceno político que valida todas essas questões já ultrapassadas; a ideia de superprevisores é ainda um tanto quanto alienígena à maior parte da população, o que inclui (pasme) até mesmo profissionais na área de gerenciamento de risco.

Fosse diferente disso na política, talvez tivéssemos maior segurança econômica, não só por termos decisões mais acertadas nas diferentes esferas de poder, mas por sermos conscientes das quedas nos indicadores de crescimento, seja no PIB, IDH ou mesmo da inflação.

Fosse diferente disso no setor privado, talvez tivéssemos um melhor fluxo da moeda corrente pelo país, atingindo com publicidade variadas faixas de público, inclusive as que não se interessariam por determinados produtos e/ou serviços, bem como usufruiríamos de melhores custos-benefícios dentro de um cenário com maior circulação interna da moeda corrente.

E quanto a você, contrataria um superprevisor?

Jean Gabriel Alamo

Jean Gabriel Álamo cursou Letras pela UFJF, é editor-chefe da Revista Literatura Fantástica e autor de um universo literário com 18 obras já publicadas de Fantasia, Ficção Científica e Terror que se encontra em constante expansão, tendo como maiores sucessos a série fix-up "Feiticeiro de Aluguel" (2019 - atualmente), "Admirável Roça Nova: Um Conto de Cybercoronelismo" (2020) e "Poder Absoluto" (2017).

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