Desde os escândalos envolvendo a Cambridge Analytica que vieram a público em 2018, a discussão acerca da necessidade de regulação das redes sociais – e como as mesmas podem ser nocivas à sociedade como um todo – foi ampliada. Segundo o documentário Nada é Privado, o problema possui tal profundidade, que interfere sistematicamente não apenas nas escolhas individuais que tomamos, mas igualmente nos processos democráticos de países.

Quando se fala em invasão de privacidade por meio de algoritmos, é comum imaginar algo como um software malicioso se infiltrando em computadores ou dispositivos com IoT, por exemplo. Fosse este o caso, seria muito mais fácil do que realmente é enquadrar criminalmente empresas que exercem comportamentos abusivos. Porém, o problema é muito mais abrangente que isso.

Primeiro, porque tecnicamente as pessoas concordam com prospecções de suas vidas a partir do momento em que precisam concordar com os termos de uso de softwares, redes sociais, plataformas de trabalho, cadastros de e-mail, entre outras necessidades do mundo contemporâneo; e tais termos de uso frequentemente vêm com brechas que teoricamente deixam as pessoas cientes de que seus dados serão utilizados para aprimoramentos (em geral, sob algum bode expiatório) dos desenvolvedores. Exemplo disso são os termos de uso do Facebook, o mais famoso envolvido nesse tipo de escândalo.

A segunda grande dificuldade se encontra na metodologia utilizada por essas empresas. Uma vez que elas coletam dados com base nas suas atividades cotidianas, estas vinculadas à sua identidade pessoal, essas empresas não precisam invadir a sua privacidade na acepção comum que “invasão” possui. Essa permissão foi dada por você, usuário dos serviços, e seus dados foram coletados a partir do que você lá forneceu.

Pode parecer estranho à primeira vista que uma invasão possa acontecer sem que haja efetivamente acesso a dados pessoais, mas cabe reforçar que os detentores dos algoritmos nem precisam. Segundo estudo realizado em 2014 e publicado em 2015, ainda naquela época, quando as ferramentas de análise ainda estavam em desenvolvimento, um grupo decidiu analisar o quão bem os algoritmos conseguiam conhecer pessoas que utilizavam o Facebook. Por meio de voluntários à pesquisa, passou-se a saber que, com base em apenas 300 curtidas no Facebook, os programas de perfilhamento já conseguiam obter mais informações sobre seus usuários do que os próprios cônjuges das pessoas utilizadas nos testes jamais conseguiriam algum dia.

Isso significa que o programa de uma rede social coleta mais dados sobre quem somos, incluindo em aspectos que ninguém além de nós mesmos conheceria, do que se imagina. Para se ter dimensão disso, pense em há quanto tempo e com que frequência você faz uso de redes sociais. Portanto, o que estas plataformas podem saber de você mediante todo o seu histórico de interações? Esse é um simples lampejo do que tais ferramentas podem fazer.

E, conhecendo tão bem cada indivíduo, despersonalizado por meio de uma metodologia de automação nas análises, pessoas se tornam números e são agrupadas em grupos específicos. Tais grupos compreendem os interesses em comum que pessoas têm entre si, sejam eles políticos, religiosos, hobbies, itinerários, entre uma infinidade de outras nuances que compreendem quem você é.

Pode parecer horrível – algo saído de uma história ruim de Ficção Científica –, mas existem razões bem concretas por trás disso, e elas são tão banais quanto diversas outras particularidades da vida cotidiana. Pode-se resumir em uma razão principal: lucro.

Qualquer campanha de marketing, seja ele de cunho empresarial, político ou artístico, começa com uma mesma etapa conhecida por Prospecção de Persona. Compreende ao momento no qual o enunciador de um discurso ou oferta determina o seu público-alvo com base em que pessoas seriam atendidas pelo que é ofertado.

Uma das técnicas mais comuns na prospecção de persona, durante décadas, foi especular hábitos do consumidor com base na criação de consumidores fictícios. Dessa forma, podia-se trabalhar quais tipos de pessoas teriam interesse em adquirir um produto, uma obra de arte ou mesmo apoiar uma causa. Porém, agora, uma vez que os algoritmos já segmentaram os grupos, essa delicada etapa não carece mais de grande desenvolvimento. A empresa ou alguém que paga por impulsionamento em redes sociais, ou seja, que aplica uma quantia em dinheiro para atingir os nichos potencialmente interessados no produto ou serviço ofertado, acabará tendo seu trabalho facilitado. Assim, o trabalho de publicitários/agências de marketing se tornou principalmente a identificação de tais grupos e a semântica e semiótica corretas para acertar o alvo.

Em parte, essa é a razão pela qual, cada vez mais, campanhas publicitárias têm se valido de linguagens informais e identidades visuais apelativas ao público jovem, pois ele é o principal movimentador do tráfego de conteúdo online. Porém, obviamente, nem todas as campanhas publicitárias seguem esse padrão de abordagem, uma vez que diferentes nichos receberão diferentes discursos, que podem ou não ser conflitantes entre si. E quando tais contradições ocorrem, isso é sintomático da chamada Era da Pós-Verdade, conceito criado por Steve Tesich em 1992 ao observar que, a partir de certo momento, pessoas preferem dar credibilidade a notícias que validem suas noções de mundo mesmo quando outras apresentam de forma muito mais robusta fatos que negam tais crenças.

Este é, obviamente, um aspecto terrível do que se pode entender como Singularidade Informacional. E é o motivo pelo qual você certamente já pensou ou vocalizou a vontade de comprar algo e tal objeto foi anunciado para você num período entre segundos, minutos ou dias depois.

Da mesma forma, as contradições tendem a gerar narrativas diferentes para diferentes pessoas, sustentando suas crenças em fake news não por meio de fatos concretos, mas de necessidade de validação. Pense, por exemplo, no seu candidato preferido para as próximas eleições e naquele que você mais repudia, não importando quem eles sejam. As pessoas que discordam das suas opiniões não lhe parecem, frequentemente, descoladas da realidade que você vivencia? Tenha a certeza de que não só a oposição aos seus ideais pensa o mesmo do grupo que concorda com você, mas outros grupos discordam dos dois e entre si. Todos vivenciam a mesma sensação de desorientação perante opiniões aparentemente bem fundamentadas. E o problema se torna ainda mais grave quando essa necessidade de validação não é um processo consciente, mas construído a partir das nossas individualidades. Esse é o verdadeiro poder dos algoritmos hoje.

Mas podemos usar tal tecnologia a nosso favor?

Sim, é possível.

Em primeiro lugar, otimize seu tempo de uso da internet. Isso não significa que você não deva buscar abstrações, como assistir a filmes na sua plataforma preferida de streaming, rir com memes despretensiosos ou mesmo discutir amenidades. Significa que a internet, sendo o maior repositório de informações (das mais diversas), é uma poderosa ferramenta de estudo sobre qualquer área que se possa conceber. Portanto, use-a a seu favor, exercite sua capacidade de assimilar informações que enriqueçam seu repertório mas que também sejam alheias à sua área de capacitação ou atuação profissional.

Em segundo, busque sempre se informar tanto por seus veículos midiáticos de confiança quanto naqueles que seguem correntes de interpretação da realidade discordantes das suas. Todo jornal é parcial porque a parcialidade é inerente ao ser humano, especialmente quando objetivos financeiros estão envolvidos. Somente por meio do pensamento crítico, praticado mediante síntese de diferentes informações, é possível nos mantermos atualizados sobre o que verdadeiramente ocorre. Com isso, você receberá um leque mais diversificado de notícias, permitindo sair da bolha em que quase inevitavelmente cada pessoa é mergulhada online, refletindo-se nos comportamentos cotidianos.

Em terceiro, atenção aos desejos consumistas. Isso não quer dizer que você não possa comprar coisas de que necessita ou que realmente deseja caso possa e a aquisição te faça bem em algum nível. Mas a compulsão atrairá um bombardeamento publicitário.

E em quarto, ao dialogar com pessoas na internet, evite utilizar bordões e frases prontas, sobretudo em discussões. Ao mesmo tempo em que se evita a saturação semântica, criando um vazio de significado no discurso, evita-se um marcador de identificação de radicalismo.

Com essas dicas, você perceberá uma gradual mudança no comportamento dos algoritmos. Pois uma vez que são automatizados, eles compreenderão que algum fator externo (no caso, talvez a leitura deste texto como motivador de uma experiência pessoal perante as redes) levou você a se deslocar da bolha compreendida pelo grupo no qual estava inserido. Portanto, passará a direcionar informações que compreenderão aos seus novos interesses, talvez tentando adequar você a uma nova linha narrativa.

Dessa forma, evitando-se o que antes era lugar-comum, todo um horizonte de possibilidades de aprendizagem e consumo de conteúdos se abrirá. Afinal, as narrativas são criadas a partir das visões de mundo que nós já previamente possuímos. E se ampliamos nossa visão de mundo, ampliamos o escopo do que nos é apresentado. Ampliando o escopo, criamos novos saberes e, por consequência, possibilidades de vida inteiramente novas.

Se os algoritmos mostram conteúdos com base no que você consome, passe a procurar por novas informações, alimente seu desejo de acumular saberes, e deixe a tecnologia trabalhar a seu favor.

Ilustração da capa: Raúl Soria

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Jean Gabriel Alamo

Jean Gabriel Álamo cursou Letras pela UFJF, é editor-chefe da Revista Literatura Fantástica e autor de um universo literário com 18 obras já publicadas de Fantasia, Ficção Científica e Terror que se encontra em constante expansão, tendo como maiores sucessos a série fix-up "Feiticeiro de Aluguel" (2019 - atualmente), "Admirável Roça Nova: Um Conto de Cybercoronelismo" (2020) e "Poder Absoluto" (2017).

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