Quando eu era criança, sempre assistia ao desenho do Pica Pau. Um dos episódios que mais me marcou foi um que se passava no Cabo Canaveral e que se focava na decolagem de um foguete. Lembro que ali mostravam como a comida dos astronautas, na verdade, vinham em tubos como pasta de dente, só que, quando servida, se transformava, por exemplo, em um frango assado.

Essa referência tem a ver com o fato de que, nos anos 1960, tanto os astronautas russos quanto os americanos consumiam alimentos empacotados dessa maneira. É dito que, em abril de 1961, quando o cosmonauta Yuri Gagarin se tornava o primeiro humano a ir para o espaço, seus alimentos se basearam em pasta de carne e cobertura de chocolate entubados e guardados dentro de sua cápsula Vostok.

De forma semelhante, nos Estados Unidos, John Glenn foi o primeiro astronauta da NASA a alcançar a órbita da Terra e, para se alimentar, lhe deram purê de carne e vegetais embalado em um tubo de alumínio durante a missão Mercury em fevereiro de 1962.

Esse tipo de embalagem e processamento, no entanto, logo foi substituído por pacotes de plástico e alumínio no caso das missões da NASA, enquanto que os voos russos passaram a usar comida enlatada e em saquinhos, apesar de ainda levar sopa (como a borscht) e bebida dentro dos tubos. 

Hoje em dia, não apenas os astronautas têm levado comida desidratada ou mesmo fresca  para suas missões espaciais como também já se pensa no cultivo de vegetais em hortas hidropônicas inseridas nas naves. No filme High Life, por exemplo, vemos como uma estufa não apenas gera alimentos à tripulação, mas também recicla o ar e outros detritos. 

Em outras palavras, apesar de já estarmos imprimindo pizza e produzindo carne em laboratório, também há um maior movimento a favor da comida in natura – isto é, o menos processada possível. Entendeu-se ao longo dos últimos anos que alimentos ultraprocessados poderiam ser mais cômodos ou até mesmo baratos, porém não fazem bem à saúde humana. 

Substâncias industrializadas e aditivos cosméticos modificam ou potencializam as características sensoriais dos alimentos ultraprocessados, tornando-os extremamente palatáveis. A maioria está pronta para comer ou para beber. (Ilustração: Julia Rothman)

No clássico filme de ficção científica Soylent Green, no entanto, vemos um futuro no qual as pessoas mais pobres se alimentam de rações ultraprocessadas – quer dizer, tão processada que nem se sabia que um tipo delas era feito de seres humanos! Curiosamente, hoje também contamos com uma marca de bebidas capazes de substituir uma refeição chamada Soylent. 

A marca nasceu de um financiamento coletivo em 2014 e foi, de fato, nomeada a partir de uma história de ficção científica, porém não Soylent Green e sim o romance Make Room! Make Room! (1966) de Harry Harrison, onde o termo “soylent”, na realidade, significa a junção de soy (soja) e lent (lentilha). No entanto, Rob Rhinehart, que é o criador da bebida, não descarta a referência ao filme Soylent Green e que, na verdade, essa conexão um tanto mórbida poderia, na verdade, funcionar como uma forma de tornar os consumidores curiosos e assim garantir o sucesso do produto.

Mas bebidas que substituem refeições não são necessariamente algo inovador quando pensamos nos shakes emagrecedores ou até mesmo no caso do whey protein. Acontece que tanto os Millennials quanto a Geração Z estão, na verdade, priorizando um “retorno às raízes” ao consumir produtos orgânicos e minimamente processados como um ato até mesmo político: contra grandes indústrias, a favor do pequeno produtor e também em busca de uma vida mais saudável.

Como muitas outras coisas, essa busca por uma alimentação mais natural também acabou se enveredando em extremos problemáticos como a ideia de que só porque é “natural”, quer dizer que é bom, bem como novos modismos alimentares em que substâncias como glúten, açúcar ou lactose se tornaram inimigos mesmo daqueles que não possuem intolerância. 

Bebidas não alcoólicas e sem glúten? Sim, o glúten tornou-se inimigo até das pessoas que não têm intolerância. (Ilustração: Julia Rothman)

Por um lado, esse comportamento de consumo favoreceu a agricultura familiar e a busca pela redução de substâncias químicas como agrotóxicos e fertilizantes – uma decisão que não é positiva apenas para quem se alimenta dessas plantas como também para a terra e os animais que fazem parte desse ecossistema.

No que diz respeito ao uso de suplementos vitamínicos, cada vez mais o Brasil tem abraçado essa tendência internacional, por exemplo, oferecendo serviços de customização de suplementos de acordo com suas metas e características. Também há outros tipos de produtos solúveis que oferecem uma melhoria no trânsito intestinal ao fornecer fibras e assim complementar a alimentação dos consumidores. 

O que me chama a atenção, no entanto, é como muitos discursos em torno desses produtos giram em volta de uma suposta conquista tecnológica e disto pulo novamente para uma memória nostálgica de quando canais e propagandas de marcas como Polishop ofereciam produtos milagrosos e tecnicamente embasados pela ciência. É com esse mesmo discurso que influenciadores e marcas têm vendido cápsulas milagrosas capazes de fazer o cabelo crescer mais rápido, retardar o envelhecimento ou potencializar o processo de detox do organismo.

Com a internet, porém, não só mais pessoas tiveram acesso a esses produtos como também foi possível desbancá-los e provar que o melhor suco verde não é o solúvel, mas sim uma alimentação balanceada que conta com folhas verdes também. Disso, poderíamos retornar a um outro texto meu no qual comento sobre como o biohacking foi apropriado de uma contracultura para se tornar uma busca por uma performance capitalista e a manutenção de um padrão estético. 

Em 2025, estima-se que o mercado de bebidas não alcoólicas valerá 1,6 trilhões de dólares. (Ilustração: Julia Rothman)

De acordo com uma pesquisa feita em 2018, os principais motivos pelos quais os brasileiros consomem suplementos vitamínicos são pela complementação alimentar (75%), seguido de busca por mais energia e desenvolvimento muscular (57%), melhoria na saúde (58%), prevenção de doenças (29%) e tratamento de alguma doença (13%). 

Contudo, já se sabe hoje que o excesso de consumo desses suplementos pode acabar, no entanto, fazendo mal. É o caso das vitaminas hidrossolúveis (C e complexo B) que são eliminadas pela urina, mas que, ainda assim, podem causar algum tipo de intoxicação e problemas renais por conta da sobrecarga dos rins na hora de filtrar essa maior quantidade de substâncias. No caso das vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K), que permanecem no organismo, elas podem repercutir em ainda mais outros distúrbios. Em outros estudos, mostra-se até que eles sequer têm alguma funcionalidade e que não substituem uma verdadeira refeição.

Nesse sentido, me parece que cada vez mais estamos nos aproximando de uma tentativa de usar tecnologia e ciência não para produzir cada vez mais alimentos e bebidas ultraprocessados, porque já sabemos que eles podem não ser efetivos ou ainda causar problemas de saúde. Parece que essas inovações e pesquisas podem, na verdade, ser usadas para a potencialização de processos de cultivo alimentar mais sustentáveis e ausentes de produtos químicos contaminantes do solo e do organismo humano. 

Assim, acredito e desejo muito que o futuro das bebidas e dos alimentos seja muito mais fresco e orgânico, ainda que mediado por máquinas (impressoras 3D ou robôs cozinheiros), em vez de se transformar em uma cápsula ou uma bebida em tubo. 

Lidia Zuin

Lidia Zuin é Jornalista, pesquisadora, professora e futuróloga. Mestre em semiótica, doutora em artes visuais e escritora de ficção científica. Como pesquisadora acadêmica, possui textos publicados em periódicos e livros.

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