No mundo dos negócios, buscamos acompanhar as tendências de mercado, em busca de direções e tomadas de decisões. Mas, e se pudéssemos nos transpor da realidade atual para imaginar cenários e futuros totalmente novos, mapeando caminhos para se chegar lá?

Uma maneira de fazer isso é com o design fiction, técnica que usa a narrativa de ficção científica para criar outras realidades e incentivar a inovação nas empresas e o design de soluções, como explica Lidia Zuin nesse artigo.

Neste caso, a ficção se torna o grande ambiente de testes para a nossa realidade, uma vez que as experiências no design fiction têm como princípio criar um ambiente seguro, livre do que seja certo ou errado, com possibilidades a serem exploradas, traduzidas e compartilhadas em forma de linguagem, seja ela verbal ou imagética.

Para o designer e educador Matt Ward, todo design é ideológico, isto é, tem uma base social, cultural e política a ser expressa nessas experiências. É a partir disso que podemos interpretar e explorar possibilidades ideológicas a serem desconstruídas no ambiente experimental da ficção para, então, adequá-las a contextos reais do cotidiano.

Ao considerarmos a presença ideológica na experiência, podemos trazer aspirações que façam parte da construção de cenários e especulação de futuros, desdobrando ações, pensamentos, atitudes e personagens. Tudo isso facilita a visualização de expectativas e oportunidades, bem como os desdobramentos das consequências. No ambiente ficcional, é possível explorar tomadas de decisões que podem causar consequências não tão positivas. Porém, é justamente por sua característica experimental que é possível pensar em cenários mais distópicos, já que, só “imaginar” não implica em consequências “reais”.

Mas, para que essa dinâmica imaginativa seja bem-sucedida, Ward considera importante que a metodologia do design fiction seja conduzida por facilitadores que tornem o processo imaginativo algo mais fluido para os participantes da experiência. Estes devem se sentir confortáveis a suspender suas crenças e imergir na simulação. O segredo, como ressalta Ward, é trazer elementos – situações, personagens e cenários – que não precisam ser tão factíveis, já que a ficção deve proporcionar emoções complexas, como medo, amor ou perda, para que as pessoas sejam provocadas a explorar soluções novas e que as prepararão para eventos reais no seu dia a dia.

Um exercício de 4 etapas para aplicar o design fiction ao seu negócio

O design fiction possibilita uma visualização e uma inspiração para a construção de futuros que são antes vividos na ficção e, depois, aplicados na prática.

Mas como podemos catalisar nossas habilidades visionárias?

Os futuros que imaginamos são baseados em dados ou tendências catalíticas – “inevitáveis” – que servem como base para uma visão aspiracional do futuro. Ao nos ancorarmos nesses fatores inevitáveis, podemos então imaginar as implicações que afetam uma empresa, um setor ou uma sociedade. Por exemplo, dez anos atrás, alguém poderia supor que a onipresença dos smartphones seria “inevitável” e imaginaria as implicações (boas e ruins) se a maioria das pessoas no mundo tivesse acesso a um supercomputador, internet, câmera e outros recursos. Ao extrapolar o que já é verdadeiro para o que em breve poderá ser verdade, podemos exercer algum controle na forma como seguimos em frente, mesmo quando não sabemos exatamente o que está por vir.

Nessa visão, em vez de ver o futuro como algo que acontece com você e não pode ser controlado, você assume que pode influenciar o que acontece. A pergunta é: “Que futuro quero criar? E como faço a engenharia reversa do caminho para se chegar lá?”.

Mesmo que as experiências de design fiction se baseiem em narrativas ficcionais, a pessoa que está criando sua experiência precisa focar na qualidade de seus argumentos e construção de cenários para que a ficção pareça verossímil o suficiente para se tornar imersiva. A princípio, isso pode parecer difícil, mas o processo de design fiction pode ser acessível para a maioria das pessoas. Há um exercício de quatro etapas inspirado em uma atividade chamada “Projetando o Futuro” conduzida na Haas School of Business, da Universidade de Berkeley, que descrevo a seguir:

1. ESCOLHA UM SETOR E DESCREVA SEU PAPEL NA VIDA DO CONSUMIDOR

Usando o setor de seguros como exemplo, hoje ele é considerado como uma rede de segurança para se algo ruim acontecer. Mas observa-se que os clientes de seguros não querem mais apenas proteção – eles também querem entender e gerenciar riscos, ter suporte quando necessário e confiar que suas solicitações serão processadas e atendidas. Em suma, são necessidades para as quais o consumidor “contratou” o produto.

2. ESCREVA UMA HISTÓRIA SOBRE O FUTURO, MAS LIVRE DAS RESTRIÇÕES DE HOJE

Aqui, evita-se focar em como as atuais companhias de seguros operam atualmente e busca-se imaginar “novas ofertas e entregas que podem ser feitas”. Esse passo é para você imaginar novas maneiras de realizar seu trabalho para os clientes com a ajuda de novas tecnologias, e também considerando o impacto de mudanças comportamentais, regulatórias etc., que podem ser relevantes no futuro.

Considerando, por exemplo, a questão da “gestão de riscos”, a história a ser contada deveria contemplar tecnologias como inteligência artificial e aprendizado de máquina e a explosão de dados pelos sensores, o que permitirá criar modelos de risco mais sofisticados, que, por sua vez, podem levar a uma abordagem mais personalizada para avaliar riscos e, assim, criar e oferecer produtos mais relevantes para os clientes. Nesse futuro, talvez as companhias de seguros deixem de ser a rede de segurança depois que algum sinistro acontece para tornarem-se educadoras proativas de mudança de comportamento que ajudam as pessoas a se proteger antes que algo aconteça.

Ao escrever uma história sobre o futuro, a pergunta constante é: “Que futuro queremos criar?” Essa pergunta ajuda a focar no objetivo final de criar valor para as pessoas, não apenas criando novas capacidades técnicas. Nesse caso, respondemos imaginando como a experiência do seguro pode assumir uma forma e função totalmente novas quando ativada pelas ferramentas do futuro próximo.

3. SUPOSIÇÕES QUE TORNARIAM ESSE FUTURO REAL

Tomando essa visão do futuro como possível, podemos trabalhar de trás para frente para descobrir quais são as suposições necessárias para apoiar a sua concretização. A provocação é inspirada em Roger Martin e Jennifer Riel: O que teria que ser verdade para tornar esse futuro realidade?

Questionar o que deve (e pode) ser verdade é uma ferramenta poderosa para ajudar você a articular de maneira otimista as principais suposições implícitas em sua história e conectá-las às suas atuais ofertas e aos possíveis caminhos a seguir. Elon Musk, por exemplo, percorreu cinco suposições importantes que permitiriam a Tesla levar a indústria automotiva para um futuro elétrico, convergindo alto desempenho e beleza aos veículos elétricos – uma mudança da visão negativa que os VE tinham em relação à estética e funcionalidade; e mudando a percepção de que esses carros eram muito caros para os consumidores médios, ao seguir a curva de escala/custo para reduzir o preço e torná-los mais acessíveis ao mercado de massa.

É fácil listar os motivos porque algo não funciona, e isso geralmente pode levar à aversão ao risco e a um pensamento incremental. Quando abordamos critérios de sucesso, é possível avaliar de forma pragmática quão realistas são essas suposições e projetar experimentos ou marcos que demonstrem se você está ou não no caminho certo. O ideal é pensar em novas possibilidades junto com seus colegas e não sozinho ou sozinha.

4. PROTOTIPE O FUTURO DE SUA EMPRESA

Momento de colocar em prática esse futuro. Essa história “ficcional” e “especulativa” é possível? A prototipagem é o caminho para descobrir. Comece com pequenos protótipos de baixa fidelidade para testar suas suposições e iterar continuamente, incorporando seus aprendizados em protótipos de alta fidelidade. Ter clareza sobre as principais premissas permite que você adote uma abordagem baseada em evidências para tomar decisões de investimento (dinheiro, tempo e energia) em projetos arriscados de inovação.

Convém testar suas suposições no mercado o mais rápido possível. Esse é outro passo difícil em que a aversão ao risco e o desejo de escalonar podem atrapalhar. Projetar experimentos no mercado com o tamanho certo e focados em testar suposições-chave é uma habilidade organizacional rara. As startups de sucesso geralmente são forçadas a fragmentar esses passos e, cada vez mais, empresas maiores estão construindo essas capacidades. LEGO, Coca-Cola e General Electric testaram no mercado novos produtos na Indiegogo, plataforma de crowdfunding, para avaliar a viabilidade.

É melhor ser surpreendido pela simulação do que estar cego pela realidade” – Stuart Candy, futurista.

Não existe apenas uma solução viável para se chegar a um futuro preferido – existem muitos caminhos que podem levar você até lá e, portanto, é importante simular diversas possibilidades. As etapas necessárias para passar da ideia para a realidade envolvem muita prototipagem, experimentação e abertura para mudar ao longo do caminho.

Ilustração: Zach

Taggeado em:

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

Ver todos os artigos