Os futuros mostrados nas ficções científicas muitas vezes podem ser desconcertantes, ou mesmo parecer fantasia. Mas, mesmo que a gente associe as sci-fis às naves espaciais e aos alienígenas, elas oferecem mais do que um escapismo: são preditivas, ou seja, podem antecipar o que está por vir, inspirando pessoas.

O Star Trek, por exemplo, inspirou várias tecnologias, como a telepresença e o celular. Martin Cooper, diretor de P&D da Motorola, creditou ao comunicador dessa ficção a inspiração para o design do primeiro celular, no início da década de 1970. Steve Perlman, cientista da Apple, uma vez disse que teve a ideia do programa multimídia QuickTime depois de assistir a um episódio do Star Trek: “The Next Generation”, onde um dos personagens ouve várias músicas em seu computador. O design do iPad foi inspirado em 2001: Uma Odisséia do Espaço (1968).

Star Trek (crédito: Paramount)

Leonardo da Vinci desenhou um protótipo do que seria o submarino. Mais tarde, o pai do submarino moderno, Simon Lake ficou obcecado pela possibilidade das viagens e explorações submarinas quando leu Vinte Mil Léguas Submarinas de Jules Verne, em 1870. Lake construiu o Argonaut – o primeiro submarino a operar com sucesso em oceano aberto, em 1898 – ganhando até notinha de parabenização de Verne.

Robert Goddard, cientista americano que construiu o primeiro foguete movido a combustíveis líquidos – lançado com sucesso em 16 de março de 1926 – ficou fascinado com o voo espacial depois que leu em 1898 uma notícia em jornal do romance de HG Wells sobre uma invasão marciana, War of Worlds. Como Goddard recordaria mais tarde, o conceito de voo interplanetário “mexia tremendamente com minha imaginação”.

Muito mais do que inspiração para objetos. Solucionar desafios da humanidade

A Harvard Business Review publicou um artigo provocando líderes e gestores para que leiam ficções científicas. O autor, Eliot Peper, cita a Nova Iorque do final do século XIX, uma cidade fétida com seus cento e cinquenta mil cavalos que transportavam pessoas e mercadorias pelas ruas de Manhattan, produzindo 45 mil toneladas de estrume por mês. Diante da crise iminente, em 1898, urbanistas se reuniram com outros colegas espalhados pelo mundo para discutir soluções. Nenhum deles foi capaz de imaginar algum tipo de transporte que não precisasse de cavalos.

Quatorze anos depois, os automóveis já superavam a quantidade de cavalos em Nova Iorque. Eliot acredita que se esses urbanistas do século XIX tivessem tido acesso às tecnologias atuais como Big Data, Machine Learning e técnicas modernas de gestão, mesmo assim, nenhuma dessas ferramentas teriam ajudado: elas simplesmente confirmariam as preocupações existentes naquela época:

Extrapolar tendências passadas é útil, mas limitativa em um mundo de mudanças tecnológicas aceleradas.”

Mas, a ficção científica poderia ter ajudado esses urbanistas. Ao apresentar realidades alternativas plausíveis, as histórias das sci-fis questionam nossos pressupostos. Elas revelam a impermanência do status quo, e como o futuro pode ser adaptável.

Daniel Suarez em Change Agent, vislumbra um futuro próximo em que a biologia sintética irá remodelar todas as indústrias; Cingapura já terá ultrapassado o Vale do Silício como centro mundial de inovação; personagens circulam em veículos autônomos fabricados a partir de materiais quitinosos, enquanto bebês CRISPR representam um novo problema social. Isso ilustra que, assim como a Internet não parou de revolucionar a indústria de computadores, os impactos dos avanços na biologia sintética não serão limitados à biotecnologia.

Já “New York 2140”, de Kim Stanley Robinson, apresenta um cenário em que o aumento do nível do mar inunda Manhattan, e leva gestores de fundos e investidores imobiliários a criar um novo índice de mercado intermareal. À medida que a mudança climática acelera, como também a economia mundial se concentra cada vez mais nas megacidades, repensar as infraestruturas torna-se uma prioridade cada vez mais urgente.

Mas, mesmo que William Gibson tenha cunhado o termo “ciberespaço” em sua obra-prima Neuromancer, de 1984 e A Era do Diamante de Neal Stephenson, tenha inspirado Jeff Bezos a criar o Kindle, Eliot argumenta que os CEOs não devem ler ficções científicas apenas para descobrir o que pode acontecer no futuro. E aí concordo demais com ele:

Porque, mesmo que a ficção científica seja essencialmente sobre o futuro, é também sobre o nosso presente. O best-seller 1984, de George Orwell, publicado em 1949, têm semelhanças com o que viveram os Estados Unidos em 2017. Mais do que ficcionista, Orwell conhecia a natureza humana e a relação sempre evolutiva entre tecnologia, poder e sociedade.

A ficção científica possibilita que a empresa esclareça conceitos e ideias difíceis de explicar. Por estar em formato narrativo, a ficção científica nos permite obter licença artística para reimaginar o mundo. (Crédito: sfidi)

A ficção científica não é só preditiva. Ela reestrutura nossa perspectiva sobre o mundo, criando espaço para questionar nossos pressupostos. As suposições bloquearam as principais mentes do século XIX levando-os a acreditar que as cidades estavam condenadas a se afogar no estrume dos cavalos. Os pressupostos derrubaram a Kodak apesar do fato de seus engenheiros terem construído a primeira câmera digital em 1975.

Embora os nossos pressupostos nos deem atalhos cognitivos para dar sentido ao mundo, o problema é que eles não conseguem se atualizar quando o mundo muda.

Já explorar os futuros mostrados nas Sci-fis liberta nosso pensamento de mitos e restrições. Isso nos obriga a reconhecer que às vezes a imaginação é mais importante do que a análise.

A ficção científica como ferramenta para prototipagem de futuros

Há muitas tecnologias exponenciais e disruptivas que CEOs, empreendedores e profissionais estão procurando entender. Temos visto que eles estão particularmente interessados em automação e nas novas ferramentas de comunicação, como Realidade Virtual e Realidade Aumentada, para agilizar a eficiência organizacional, além de criar um ambiente mais responsivo e dinâmico.

Um dos “Sci-fi Future” realizado no nosso Fab Lab com o futurista Bruno Macedo. O objetivo é ajudar os participantes a entender o potencial exponencial das atuais tecnologias, por meio de uma metodologia própria, ajudando-os a olhar o futuro do seu trabalho e de suas vidas sob uma nova lente.

Então, como podemos levar o que aprendemos das ficções científicas para usarmos na nossa vida profissional?

Há, pelo menos, três benefícios de prototipagem com a ficção científica:

Clareza: A ficção científica permite ao profissional, empresário e gestor esclarecer conceitos e ideias difíceis de explicar para que todos na organização possam entender a sua natureza e seu potencial.

Criatividade: Usar a ficção científica para prototipar é um processo criativo que gera ideias e conceitos inovadores mais ricos e mais disruptivos.

Conexão: A prototipagem garante que as inovações e as ideias que geramos sejam fundamentadas em verdadeiras descobertas e verdades humanas resultando em inovações mais significativas.

É possível utilizar o poder visionário da ficção científica como abordagem para a inovação e olhar o futuro do seu trabalho e de sua vida sob uma nova lente. Se você gostou da ideia de explorar o futuro, veja nosso MANIFESTO.

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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