“No longo prazo, tudo vira torradeira.”

Com essa frase, Bruce Greenwald, economista e professor da Columbia Business School, quis dizer que as grandes inovações acabam se transformando em commodities tecnológicas, compradas em função do preço e nada mais. Tais commodities têm a mesma dificuldade de competir quanto às commodities agrícolas e minerais. Segundo Greenwald, mais cedo ou mais tarde, as aplicações da Microsoft, os microprocessadores Intel, os computadores Dell e os roteadores Cisco serão todos “torradeiras”.

A afirmação é simples e instigante. Mas será ela verdadeira?

Michael Schrage, pesquisador em inovação, tecnologias digitais e estratégia da MIT Sloan School, escola de negócios do Massachusetts Institute of Technology, estudou a questão, que é bastante cara ao Brasil que baseou sua economia em commodities – sobretudo agropecuárias e minerais.  Já que a pandemia da COVID-19 está colocando uma folha em branco para muitos empresários, executivos e empreendedores e convidando todos a reinventarem seu futuro, e já que este é o espaço de discussão do futuro por excelência, a MIT Sloan Review Brasil destacou especialmente para “O Futuro das Coisas” quatro principais insights de Schrage relativos à economia de commodities, que podem ser bem úteis:

1. Em primeiro lugar, Schrage garante que a torradeira não se tornou uma commodity tecnológica. O mercado global de tecnologia é impulsionado comprovadamente pela diferenciação, segmentação e inovação técnica contínua. Empresas que não diferenciam, segmentam e inovam seus produtos tendem a falhar e, no entanto, é o que a maioria faz. O preço importa, sim, sempre! Mas, mesmo com o recente surgimento da China como fabricante global de torradeiras, o preço não é o que determina o sucesso no mercado.

2. O olhar de um economista sobre a torradeira é diferente do olhar de um empresário ou de um pesquisador, por exemplo. Segundo Schrage, o saber econômico convencional pode estar, algumas vezes, em desacordo com fatos históricos, e, assim, pode levar empresários e investidores a decisões estratégicas fatais e alocação ineficiente de recursos. Para explicar o duelo entre o saber econômico e a história, Schrage cita Paul Samuelson, um dos economistas mais influentes do século XX e que ganhou o Nobel de Economia, em 1970. Samuelson citava que os faróis (aqueles que servem para guiar embarcações) são um serviço público, não permitindo que empresas cobrem o uso e tenham lucro. No entanto, ele desconsidera quatro séculos de exemplos bem-sucedidos de faróis construídos e administrados pela iniciativa privada. Por exemplo, a corporação Trinity House, organização privada que, em 1514, recebeu uma concessão para operar faróis e cobrar dos navios, até hoje é responsável pelos faróis da Inglaterra, País de Gales, ilhas do Canal da Mancha e Gibraltar, e ganha dinheiro com isso, cobrando pedágios dos navios.

3. Isso significa que empresários e executivos também devem recorrer à história para tomar decisões e não só pensar na economia que se forma em torno de um produto ou serviço, particularmente quando se trata de commodities. A história dos negócios mostra que produtos definidos como commodities muitas vezes provam ser plataformas excepcionalmente convidativas para a inovação. Por exemplo, água é considerada commodity pelos economistas – pelo menos Adam Smith a tratou assim em A Riqueza das Nações. No entanto, embora grande parte do mundo industrializado desfrute de água potável relativamente barata, há negócios de bilhões de dólares em água engarrafada. Café também é commodity, mas a Starbucks tornou-se estudo de caso de escolas de negócios ao transformá-lo em um produto premium e lucrativo. O alcatrão de carvão, originalmente um produto residual das minas, tornou-se ingrediente essencial da indústria global de alta tecnologia em corantes sintéticos. Com pesquisa e desenvolvimento, esses produtos com uso intensivo de capital estão sendo constantemente aprimorados e reempacotados. Esses são exemplos óbvios, mas há muitos outros, segundo Schrage, vindos dos setores de petróleo, têxtil e bancário.

4. Mais do que nunca, o futuro da inovação é incerto, é uma folha em branco. Empresários brasileiros devem entender que as commodities de hoje podem ser uma vantagem competitiva sustentável no futuro, em vez de aceitar a ideologia do commodity e fazer com que seu produto ou serviço só consiga competir com base em preço, numa profecia auto-realizável. O Yahoo! cometeu esse erro e deve se arrepender. Quem lembra que eles tinham um buscador? Mas a alta gerência achou que as buscas na internet eram uma commodity, e a empresa investiu seus recursos para tornar-se uma mídia. O Google não fez isso.

Michael Schrage chegou à uma conclusão particularmente útil para as empresas. O aumento da concorrência e a guerra de preços não sinalizam que um produto é ou virou commodity, como ensinam os livros de economia. Revisitando a história dos negócios, vemos que “a intensa concorrência de preços pode sinalizar não a presença abundante de commodities substituíveis, mas sim uma lacuna para a inovação”. Tomara que os gestores do Brasil entendam o recado.

Crédito da imagem da capa: Lee Kyutae, aka Kokooma.

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Adriana Salles

Adriana é diretora-editorial da revista MIT Sloan Review Brasil que chegou ao Brasil com a missão de ajudar os executivos brasileiros a gerarem valor utilizando a desafiadora indústria 4.0 a seu favor.

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