Estamos todos mirando ansiosamente a era pós-covid. Porém, é sabido que a pandemia vai deixar sequelas e, dentre elas, uma em especial precisa ser vista com atenção: as questões emocionais. Olhando à frente, precisaremos estar com a saúde mental bem cuidada e o contexto emocional endereçados para a construção de futuros melhores.  

Isso posto, é perceptível que não estamos dando a atenção necessária para nossas vulnerabilidades, seja no âmbito individual quanto no coletivo. E aqui residem questões fundamentais para esta reflexão. Como lidar com o nosso emocional em tempos acelerados? Como responderemos aos impactos psicológicos, às transformações sociais e à instabilidade econômica? 

“Atenção é a mais rara e pura forma de generosidade”Simone Weil (Escritora, mística e filósofa francesa), em 1942.

Há muito tempo o mundo não se via em uma situação de vulnerabilidade simultânea, o que escancarou várias assimetrias sociais. Isso demonstra nossa corresponsabilidade neste cenário desigual em que estamos inseridos. Cabe a cada um, dentro do seu papel social, buscar soluções para configurar um futuro melhor e mais justo. E essa responsabilidade – também fracionada em diferentes níveis de exigências e realidades –, intensifica nossa pluralidade emocional que afeta nosso humor, nossas crenças, nossos valores, nossa esperança e a nossa relação com possíveis perdas. 

Mapa de emoções 2020 – 2021 (Pareceu uma década)

Um estudo feito pela WGSN – Key Emotions Map 2021, empresa mundial de pesquisa de tendências, acompanhou comentários nas redes sociais que mostraram a variação de emoções ao longo de 2020, tais como aceitação, expectativa, tédio, compaixão, entusiasmo, medo, pesar, gratidão e esperança. 

Já o gráfico abaixo mostra que Esperança e Expectativa foram disparadamente as emoções mais comentadas nas redes e com as maiores variações no período. Também fica evidente que, quanto mais esperançosos somos, menor é o nosso nível de ansiedade, ou seja, é inversamente proporcional. 

(Crédito: WGSN – Key Emotions Map 2021)

E no Brasil não foi, nem está sendo, diferente. Um estudo qualitativo, realizado pela Orbit Data Science baseado na análise de comentários nas redes sociais sobre o que os brasileiros pretendem fazer após se vacinar, entre março de 2020 a junho de 2021, destacou a necessidade das pessoas de extravasar, celebrar, se emocionar e retomar as atividades que mais sentiram falta com o isolamento social. É notável que os três principais agrupamentos de resultados estejam ligados ao plano emocional: sentimentos, celebração e retomada

Estes três agrupamentos são também um bom indicador de como negócios e empresas podem reagir perante a tão esperada retomada, valorizando a celebração e acolhendo as emoções. Uma tendência que surgiu no início deste século e recentemente resgatada pelo mercado de turismo, parece ter muita aderência na reconfiguração de modelos: o Bleasure (Business+Leisure), onde o trabalho se mistura com lazer, prazer e diversão.

Consolidado das expectativas sobre “o que fazer ao se vacinar”. (Crédito: Orbit Data Science)

Já percebemos manifestações de comportamento hedonista que devem se intensificar ainda mais à medida que a vacinação avança. É uma resposta às restrições e isolamento que ainda nos cercam, mas possivelmente iremos perceber também um comportamento anti-hedonismo, principalmente daqueles que tiveram perdas significativas e buscam a introversão. 

Essas variações dos sentimentos estão diretamente ligadas a eventos sequenciais, não-lineares, globais e locais. O fast-normal pode ser uma das definições para o futuro pós-covid, onde os comportamentos serão guiados tanto pela aceleração dos mais diversos contextos como também das tecnologias disponíveis.

Ninguém duvida que nosso emocional e psicológico foram muito afetados. Nossa saúde mental se tornou ponto central de reflexões em grande parte dos painéis de discussão no último ano. As novas composições e novos arranjos de rotinas precisam se adaptar em vista de garantir salubridade às relações interpessoais, de trabalho, estudo e convívio nas cidades, bem como os demais espaços que ocupamos como sociedade. 

“Os vírus não são apenas um fenômeno biológico, mas um fenômeno social.” Nicholas Christakis (sociólogo).

Terceirização do cuidado e escassez

Dentro de um recorte privilegiado, escancarou-se também o nosso comportamento em terceirizar os diversos campos da nossa vida. Terceirizamos tudo. Desde as questões práticas até as nossas dores, como bem pontuado pelo filósofo e ensaista Byung-Chul Han no livro “Sociedade Paliativa – a dor hoje”. Ele pontua: “Vivemos em uma sociedade da positividade, que busca se desonerar de toda forma de negatividade”. Dito isto, podemos imaginar o quanto a apatia e alienação também se aceleraram durante esse período.

Afinal, nunca se tratou e se expôs tanto sobre estresse, ansiedade, depressão, Burnout e demais síndromes que evidenciam que o mal do século está ligado à nossa total fragilidade em lidar com as emoções; e postos ainda mais à prova quando nos encontramos nesse cenário pandêmico em escala global. O estado prolongado de espera, de confinamentos e relaxamentos, restrições e medidas de proteção sem perspectiva de quando vamos recuperar, agravaram todos esses estados da mente e do corpo. O acúmulo de tarefas trouxe questionamentos sobre o papel de cada indivíduo nas responsabilidades da casa, do escritório e do trabalho – a economia do cuidado.

Ainda sobre o cuidado, uma discussão mais ampla nos leva à sustentabilidade. E pontuo aqui três aspectos importantes a serem pensados: a sustentabilidade das relações (afetividade), dos negócios (profissional) e principalmente do planeta (social). Nós evitamos imaginar que eles são finitos, justamente pela negação da dor que isso possa nos causar. Nenhum desses aspectos nos oferecem recursos inesgotáveis, por mais que, como humanos, acreditemos que sim. De várias formas a pandemia nos conectou com a escassez e a finitude, o que é uma grande oportunidade para pensarmos de forma pragmática como devemos nos dedicar a estas questões fundamentais.

Esta é uma rara oportunidade de mudar o curso antes que os anticorpos sociais desta pandemia, que ocorre uma vez a cada século, comecem a desaparecer”Toby Ord (senior research fellow at Oxford University).

Lideranças em crise e seus planos de contingência

Reportagem recente da Folha de São Paulo trouxe também um recorte interessante sobre como o aspecto emocional não faz distinção de classe social, muito menos de posição na hierarquia das empresas. Vale lembrar ainda que este é um recorte muito pequeno frente às dificuldades enfrentadas pela maior parte da população de baixa renda. A matéria enfatiza que o Burnout também chegou ao alto escalão das empresas, afetando saúde e relacionamento familiar e 88% das pessoas em cargos de chefia declararam nunca terem vivido crise igual. Exaustão, maior consumo de álcool e medo da morte marcam o emocional dos chefes na pandemia. 

Um case mais otimista está no material reunido pelo coach executivo Atholl Duncan que entrevistou muitos líderes empresariais em todo o mundo para saber como responderam à crise, quais adaptações realizaram e de que maneira apoiaram funcionários e clientes. Embora sem uma análise aprofundada, ele revela alguns comportamentos decisivos. Esses líderes enfrentaram a crise com rapidez e flexibilidade. A maioria prevê que a pandemia trará muitas mudanças, desde a forma de comunicação com os trabalhadores até à sua localização.

Saídas possíveis

O desenho de futuros

Desenhar futuros pode ajudar? Sim. A construção de cenários futuros é uma excelente abordagem estratégica que vislumbra contextos de forma ampla e seus impactos. E sim, futuros no plural, uma vez que qualquer solução futura envolve múltiplas opções e oportunidades, em vez de uma visão binária. Teria sido muito útil se tivéssemos pensado antecipadamente nas implicações emocionais de uma pandemia, mesmo que uma ideia especulativa, de como lidar com essas questões. 

Esse exercício de pensar futuros ajuda quem deseja criar soluções que respondam às tendências de mercado e de comportamento. Podemos seguir diferentes caminhos nesse exercício que podem ser baseados em dados, megatendências, drivers de mudança, estudos comportamentais e também a partir de grandes eventos como Sars-Cov-2, ponto central dessa reflexão.

Uma viagem ao futuro. (Crédito: Maurício Medeiros)

Em fenômenos dessa magnitude é preciso primeiro entender as implicações em diversas esferas. Gosto de utilizar a metáfora do mapa do metrô para exemplificar como uma viagem ao futuro pode ser impactada por um alerta. A primeira parada é analisar os impactos gerados pelo acontecimento. Em uma construção baseada em evento eu recomendo a análise STEEP (Acrônimo de Social, Technological, Economical, Environmental, Political) a qual tenho acrescento um terceiro ‘E’ que diz respeito a Ética, claramente fundamental.

Após esta análise, é possível desenvolver estratégias mais assertivas de qual rota tomar: a de futuros regenerativos ou de futuros especulativos. Mas ainda é preciso passar por alguns entroncamentos entre o presente e o futuro até chegar a uma viagem mais fluída. 

Os Futuros Regenerativos se relacionam diretamente com a era pós-covid (A era da Cura). Soluções imediatas para futuros possíveis, plausíveis e prováveis. Aqui, precisamos buscar soluções multicêntricas, orgânicas, não hierárquicas, diversas, para tratar um mundo doente, literalmente. 

Futuros especulativos são importantes para uma mudança mais radical do status quo e abrem espaço para inovações disruptivas. Em muitos casos utiliza-se uma perspectiva mais ficcional, utópica ou distópica, para a busca das tão desejadas ideias fora da caixa. 

Os 5As – cinco antídotos para a aceleração emocional

É missão de gestores, líderes, governos, profissionais buscar alternativas acionáveis para redução do estresse coletivo. É tanto uma questão de saúde pública, como também um compromisso coletivo – o propósito Pró-Social. A aceleração do mundo é uma condição inexorável, portanto a flexibilidade e adaptabilidade são bons antídotos para amenizar nossas emoções. Alô, líderes! Destaco a seguir, cinco trilhas possíveis de cuidado que atuam como antídotos para a aceleração emocional.

Atenção

Precisamos estar atentos e alertas para as trajetórias comportamentais das pessoas e agir de forma empática e acolhedora. Empresas precisam cada vez mais olhar os indivíduos e suas necessidades e promover significativas experiências aos seus colaboradores.

Alteridade

Abraçar a diversidade sem julgamento é o primeiro passo para entender a realidade do outro e tomar ações que atendam às suas necessidades. Utilizar a antropologia para entendimento da diferença entre o meu universo cultural e o do outro. Sem estabelecer hierarquias e/ou gradações, mas reconhecendo, entendendo e explicando o universo cultural do indivíduo.

Admiração

Cultivar experiências de admiração é especialmente importante e útil agora, à medida que renovamos nossa energia e fazemos planos para um futuro mais promissor. Isso porque, além dos efeitos físicos como formigamento, arrepios e diminuição da frequência cardíaca sob estresse, a admiração também nos afeta emocionalmente.

Autoria

Valorizar as pessoas, em toda sua pluralidade e diferenças, suas produções intelectuais e criativas. Todo e qualquer movimento que colabore para a evolução individual e coletiva deve ser acolhido e exaltado. 

Ambiguidade

É preciso abraçar a pluralidade emocional e a não-linearidade. Esse é o pós-normal; indivíduos com mais complexidades para lidar e mais suscetíveis às mudanças de humor sob determinadas situações e eventos. É tempo das relações elásticas.

Construção de cenários

Esta reflexão tem como objetivo colocar luz em um aspecto crucial para a era #InterCovid – nossas emoções e seus impactos. As possíveis saídas sugeridas não são fórmulas absolutas de sucesso, mas sim possibilidades a serem consideradas. Por exemplo? Considere não construir planejamentos estratégicos de longo prazo; pense em construção de cenários de curto, médio e longo prazo baseado no design de futuros centrados no humano, assim poderemos construir negócios mais sustentáveis. Afinal, não é sobre negócios serem feitos somente de melhores produtos, melhores telas, melhores serviços e melhores tecnologias. É sobre negócios serem feitos de, por e para pessoas. 

Ilustração da capa: Marion Fayolle

Maurício Medeiros

Maurício é Head de Design na Kyvo e professor no Istituto Europeo di Design (IED), Arquiteto, designer industrial e mestre em Ambientes Narrativos pela Central Saint Martins, em Londres. Possui uma carreira dedicada ao design estratégico com um olhar em Future Thinking e se utiliza da narrativa como ferramenta que potencializa o storytelling/storymaking entre marcas e seu público através de produtos, serviços e experiências.

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