Quando trabalhava em banco, há muitos anos, recebi um dos melhores feedbacks da minha vida profissional. Um dia, eu e meu gestor, que também considerava um mentor, debatíamos fervorosa, mas descontraidamente, alguma temática, quando ele me falou: “Nira, sua primeira reação é sempre discordar. Eu mal termino a frase e você já contesta, já imaginando o que quero dizer”. Minha resposta naquele momento foi um categórico “não!”

Silêncio e risadas seguiram a minha resposta. Ele tinha acabado de provar seu ponto, já que minha reação imediata foi justamente discordar dele.

Eu era bem jovem nessa época, e a situação ficou marcada na minha cabeça. É engraçado, pelo caminho do humor, o feedback funcionou muito bem pra mim. Comecei a observar meu comportamento automático em situações similares e a tentar mudar minhas respostas: ouvir com mais atenção o que os outros diziam e buscar uma postura mais construtiva.

É claro que nem sempre dava (ou dá!) certo. Mas essa busca intencional ajudou a, aos poucos, mudar minha atitude.

Aprender e desaprender: automatizando novos comportamentos

Com o tempo, percebi que, embora minha tendência crítica e questionadora não tivesse desaparecido, a maneira como eu ouvia, falava e participava de debates foi mudando significativamente. No início, essa mudança exigiu esforço e energia consideráveis, mas hoje posso afirmar que consegui alterar meu comportamento automático para melhor. Aos poucos, fui desaprendendo/desautomatizando um comportamento, para aprender/automatizar outro.

Para ser menos reativa, ouvir melhor e falar melhor, trilhei uma jornada de aprendizado gradativa, não-linear, teórica e prática.

Meu processo de aprendizagem tem sido mais ou menos assim: eu vivo uma experiência, recebo um feedback, comecei a prestar atenção nas minhas ações em certos contextos, busquei literatura a respeito (como comunicação não-violenta), passei a testar outras formas de agir, refleti, conversei com algumas pessoas sobre o assunto, até automatizar, aos poucos, uma outra postura.

Há anos sigo esse processo e, claro, pode melhorar ainda mais e durar a vida toda, se tiver interesse em colocar energia nisso. E isso não é um problema. É um processo pelo qual sou curiosa e acho interessante. Sempre há espaço para melhorar um pouco mais.

A Complexidade da Aprendizagem

O que queria trazer com essa história é, principalmente, uma reflexão sobre o que é aprender. Dificilmente, teria conseguido mudar meu comportamento se tivesse feito apenas um curso de oratória ou de comunicação não-violenta; se uma vivência um pouco constrangedora e engraçada não tivesse me mobilizado a usar energia nesse processo; se esse sentimento não tivesse me levado a repetir mentalmente, em leituras, em conversas e na prática o assunto e o comportamento novo.

O hábito e a repetição fazem parte da construção de um aprendizado.[1]  A troca com outras pessoas e com o mundo faz parte da construção de um aprendizado. Na vida real, é assim que as pessoas aprendem. Mas, na educação corporativa, tendemos a acreditar em soluções quase mecânicas: um curso ou um treinamento vai fechar um gap. Acontece que não é assim que seres humanos aprendem. Não fazemos downloads de informações. Não basta estar exposto a um conhecimento para aprendê-lo.[2]

Aprender é um processo e uma jornada

Quando estamos realmente interessados em aprender alguma coisa nova, geralmente dedicamos nosso tempo a uma multiplicidade de vivências relacionadas a ela. Por exemplo, por muito tempo, minha curiosidade se direcionou para a relação entre aprendizagem e emoção. O que fiz? Busquei conteúdos em uma variedade de fontes, como artigos, livros e vídeos. Fiz cursos. Conversei com muita gente, especialistas ou não. Refleti muito sozinha, escrevendo, pensando a respeito. E publiquei textos, que me trouxeram feedbacks interessantes e novos caminhos e insights das redes.

Aprender tem muito mais a ver com uma jornada como essa do que com estar em uma sala de aula.  Assistir a uma aula pode ser até um gatilho ou uma parte do aprendizado, mas dificilmente será o final.

A ideia não vale só para temas comportamentais. Por exemplo, comecei uma jornada para compreender melhor a inteligência artificial generativa, algo bem tangível e prático. O que venho fazendo? Usando muito as ferramentas, experimentando, participando de fóruns, lendo artigos, assistindo a palestras e vídeos, conversando com outras pessoas que estão passando pelo mesmo processo, explicando para pessoas que ainda não usam etc. etc. etc. Após cada uma dessas vivências, saio com um novo insight e tento uma nova prática.

Hábito: a repetição não precisa ser sempre igual

Percebe que nesta jornada de aprendizagem sobre IA existe uma espécie de repetição? Não idêntica uma à outra, mas um tipo de “spaced learning” mais livre. Esta frequência é fundamental para a aprendizagem, porque nossas conexões cerebrais ganham força a partir dela. E, aos poucos, vai automatizando conhecimentos e práticas.

O hábito favorece a repetição neste sentido. Não precisa ser algo entediante e nem flashcards. Para mim, estas estratégias tradicionais nunca funcionaram muito. Uso por pouco tempo e depois abandono. A minha jornada de aprendizado passa por uma espécie de hábito livre. Sei que diariamente vou refletir, praticar, ler ou conversar a respeito daquilo que me interessa aprender. O que me move é minha curiosidade e meu interesse.

E acredito que cada pessoa tem um caminho um pouco diferente que favorece o hábito e a repetição livres.

Sabendo disso, como as organizações podem atuar?

Neste aspecto, as organizações podem começar a buscar uma visão mais estratégica do processo de aprendizagem, favorecendo situações que levem as pessoas a se interessarem por um determinado assunto e oferecendo oportunidades para que as pessoas sigam o seu caminho de aprendizado.

Ficou abstrato? Pense em campanhas de marketing. O que elas fazem? Elas criam estratégias para que o consumidor tenha contato com o produto com frequência e de diferentes formas.

Campanhas de marketing e campanhas de aprendizagem

O marketing sabe que, ao vender um iogurte, nem todas as pessoas vão ver a publi de um influenciador, nem todas vão assistir à propaganda na TV, nem todas vão ver o outdoor na rua, nem todas vão provar a amostra grátis no mercado, nem todas vão ler o e-mail marketing. Mas os times de marketing sabem que, ao ampliar os pontos de contato, aumentam as chances de as pessoas conhecerem e interagirem com a marca mais de uma vez, gerando familiaridade e ação.

Na aprendizagem organizacional, precisamos começar a ter este olhar de campanha ou de jornada. Não estou comparando aprender com comprar. No entanto, o cérebro é o mesmo e funciona da mesma forma. As pessoas são as mesmas e funcionam da mesma forma. Se temos um objetivo mais nobre de levar a aprendizagem para as pessoas, por que não podemos aproveitar algumas estratégias que já sabemos que funcionam? É claro que com mais profundidade e com objetivos diferentes do marketing.

O que quero trazer é: a repetição da aprendizagem não precisa ser chata! O contato com o que se quer aprender não precisa ser obrigatoriamente numa sala de aula. Oferecer uma diversidade de oportunidades de aprender e deixar que as pessoas escolham seus caminhos, pode favorecer o interesse e a aprendizagem real.

Para aprender, é preciso de importar

Costumo dizer que as pessoas não fazem download de informações. O cérebro humano não funciona assim. Mas, algumas organizações parecem acreditar que sim. Pensam: já ofereci o treinamento e a pessoa não aprendeu! Qual é o problema dela? Bem, provavelmente o problema não é ela, mas a crença de que basta um treinamento para aprender.

Ninguém aprende aquilo que não importa para si, porque, biologicamente, não somos programados para gastar energia no que não é relevante para nós. E, para se importar, não basta a organização dizer que é importante. Pessoas simplesmente não funcionam assim. Nós sabemos que precisamos emagrecer, mas não conseguimos. Nós sabemos que precisamos estudar, mas não conseguimos. Antes de tudo, é preciso sentir! Curiosidade é a chave para iniciar uma exploração de aprendizagem.

Novos contextos, novas soluções

Então, voltando para as organizações, elas podem despertar a faísca da curiosidade quando pensam em campanhas de aprendizagem. Isso pode ser parte do processo.

Com as grandes transformações do mundo hoje, as necessidades de upskilling e reskilling em larga escala só aumentam. Imagine que agora é estratégico para sua organização que centenas de pessoas passem a usar inteligência artificial, porque isso gerará um ganho de eficiência em certas entregas. Como estimular que isso aconteça? Como medir o resultado? Oferecer certificações e treinamentos é um caminho para algumas pessoas, mas dificilmente vai funcionar para todos (ou mesmo para a maioria). Estes recursos podem ser apenas parte de uma campanha de aprendizagem mais ampla, em que sabemos que alguns profissionais vão se interessar por este caminho, mas outros podem preferir jornadas diferentes.

Aprender nas organizações como na vida real

A história do meu feedback inesperado, contada no início do artigo, é um lembrete de como, na vida real, aprendemos a partir de uma diversidade de emoções, vivências, trocas, erros e curiosidades. Não é a exposição isolada a um fato ou conceito que molda nossa compreensão e comportamento, mas sim a interação dinâmica entre nossos sentimentos, nossas experiências passadas e o novo conhecimento.

As organizações, ao buscarem desenvolver seus colaboradores, muitas vezes adotam abordagens simplificadas que nos afastam da complexidade humana. Treinamentos pontuais e certificações, embora úteis, não conseguem, por si só, replicar a multiplicidade de recursos e fatores que impulsionam a aprendizagem genuína. Precisamos reconhecer e incorporar estratégias mais próximas da realidade, alinhadas com a maneira como as pessoas realmente aprendem.

Retomando a analogia com as campanhas de marketing, assim como as empresas buscam múltiplos pontos de contato para engajar os consumidores, o aprendizado também se beneficia de múltiplas abordagens, recursos e experiências. A simples exposição a um conhecimento raramente é suficiente; o verdadeiro aprendizado exige engajamento, repetição, reflexão e relevância emocional.

Repensando Estratégias de Aprendizado

Em suma, se as organizações realmente desejam criar ambientes ricos em aprendizado, devem buscar estratégias que reflitam a complexidade e a multiplicidade da aprendizagem humana. Isso significa ir além de métodos tradicionais e buscar abordagens que despertem a curiosidade, promovam a troca autêntica de experiências e valorizem a jornada individual e coletiva de descoberta e crescimento.


Diante do cenário atual em constante mudança, é vital para as organizações reconhecer e valorizar a complexidade da aprendizagem, indo além de cursos e treinamentos, construindo experiências multifacetadas, que espelham melhor nossa jornada de aprendizado na vida real. Em outras palavras, repensar estratégias de aprendizado, tornando-as mais ancoradas no conhecimento da ciência do aprender e, ao mesmo tempo, mais humanas.

Em resumo:

1. Aprendizado na Vida Real: A aprendizagem é multifacetada, envolvendo uma combinação de experiências, feedbacks, reflexões e conteúdos, diferentemente de abordagens mais “mecânicas” frequentemente adotadas em ambientes corporativos.

2. Engajamento é Essencial: Simplesmente estar exposto a um conhecimento não é suficiente. Aprendemos quando estamos emocionalmente envolvidos e genuinamente interessados no assunto.

3. Repetição e Hábito: A consolidação do aprendizado requer repetição e engajamento contínuo com o tópico de interesse, mas essa repetição pode ser variada e moldada pela curiosidade e interesse individual.

4. A Organização e a Aprendizagem: Para promover a aprendizagem real, as organizações devem adotar estratégias que vão além de treinamentos convencionais, considerando a complexidade do aprendizado humano e incentivando a curiosidade, troca de experiências e reflexão.


[1] https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/2372732215624708

[2] Sobre isso, recomendo algumas fontes:
O livro 7 and 1/2 Rules about the Brain, de Lisa Feldman Barrett;
Este artigo excelente;
Um pouco de Paulo Freire.

Nira Bessler

Nira Bessler é consultora e palestrante apaixonada por aprendizagem, com uma profunda curiosidade pelo mundo e pelas histórias que a cercam. É formada em jornalismo pela UERJ e certificada pelo Programa de Adult Learning and Development da Universidade de Toronto. Recentemente, conquistou o título de mestre pela FGV, com a dissertação Relações entre Segurança Psicológica e Cultura de Aprendizagem. Ao longo de sua carreira executiva, acumulou 15 anos de experiência no competitivo mercado financeiro, mas também produziu documentários sobre histórias brasileiras. Não menos importante, Nira é mãe da pequena Marina, que a ensina muito sobre este mundo novo que estamos vivendo.

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