Desde pequeno, uma frase atribuída ao político inglês Winston Churchill poderia muito bem ser aplicada a mim:

“Estou sempre pronto para aprender, embora nem sempre goste de ser ensinado(a)”

A gente confunde essas duas coisas, né? Aprender e receber um ensinamento. Mas hoje mais do que nunca faz sentido “abrir” esses conceitos e separá-los um pouco (já já falaremos disso).

Mas, espera aí… Só agora percebi que, nos quatro anos que escrevo aqui no O Futuro das Coisas, eu nunca devidamente me apresentei. Que grosseria, não é?

Além do encaixe que sinto com a frase acima, posso dizer que eu, Alex, me percebo como um aprendiz autodirigido em série: alguém que vai plugando uma jornada de aprendizagem atrás da outra e assim atribui sentido à vida.

Nesse processo, já me aventurei em uma coletânea de temas: hábitos, comunidades, relações, facilitação, nutrição, exercício físico, canto, diálogo, epistemologia, política, inteligência artificial e, claro, o próprio aprendizado autodirigido em si, que acabou se tornando também o centro do meu trabalho – não por acaso.

Voltando na distinção entre “aprender” e “ser ensinado(a)”, existem duas camadas para explicar porque, em plena terceira década do século XXI, esses termos deveriam ser “desmisturados” de uma vez por todas.

A primeira é aquilo que você já sabe – e que honestamente eu já não tenho muita paciência de escutar: o mundo está mudando cada vez mais rápido, e por isso nós simplesmente não teremos salas de aula suficientes. Se a sociedade depender apenas das dinâmicas de ensino – baseadas em instrução e controle –, as transformações vão engolir todo mundo e uma nuvem de obsolescência irá pairar sobre boa parte da população.

A segunda camada é a que eu considero mais sagaz e também mais profunda: em vez de aprender passivamente para apenas se atualizar e acompanhar o futuro, deveríamos aprender criativamente para poder tocar nele, manipulá-lo, reinventá-lo. Em outras palavras, ter algum poder sobre o futuro, ainda que em nossas microesferas de atuação. O aprendizado sem a mão pesada do ensino, baseado na curiosidade e na capacidade de autodescoberta de quem aprende, é a melhor chance que temos de fomentar isso.

E por que é importante ter agência sobre o futuro? Sendo direto: porque estamos à beira do abismo – social, político, econômico, tecnológico e, principalmente, climático (há quem diga que não: são as pessoas que querem manter seus privilégios). E, mesmo se não estivéssemos, é gostoso perceber que podemos ter impacto naquilo que importa. Mas, para que esse impacto não seja mais do mesmo, muitas aprendizagens – intencionais e incidentais, mas sobretudo autodirigidas – precisam acontecer.

Nós somos muito bons em fazer coisas velhas e familiares mais rápido ou em fazer as coisas erradas melhor” (Olli-Pekka Heinonen e Hermanni Hyytiälä)

O aprendizado autodirigido é eminentemente criativo e autêntico. É a maneira pela qual as pessoas mais geniais do planeta aprendem – e que, na verdade, está disponível para todos e todas, basta um pouquinho de reelaboração e intencionalidade. Por conta dessa possibilidade bonita de criar o novo em vez de apenas reproduzir o que já existe, eu acredito que é por meio da autodireção que os pequenos e grandes dilemas do mundo poderão ser cuidados.

Por outro lado, o ensino – uma artificialidade fabricada pela sociedade ocidental para disciplinar corpos e mentes – apenas esporadicamente abastece a descoberta, e com frequência a inibe.

É por isso que trabalho com organizações, comunidades e indivíduos no sentido de transformar a maneira pela qual as pessoas percebem a sua educação.

O que eu descobri no meu doutorado informal

Depois de realizar um “doutorado informal” sobre novas formas de aprendizagem entre 2013 e 2016 e publicar meus primeiros dois livros nessa área, uma palavra “colou” em mim: comunidade.

Muitos dos projetos que estudei e experienciei durante minha pesquisa apresentam um profundo senso de comunidade – um sentimento de conexão genuína entre as pessoas integrantes e também uma ligação com alguma causa mobilizadora (por mais modesta que seja). Nesses lugares, o aprendizado tem um propósito de ser que motiva as pessoas, e isso se organiza no tempo e no espaço com a participação de todes.

Nas empresas e organizações, pode ser difícil construir esse tipo de pertencimento, assim como também não costuma ser fácil encontrar tempo e energia para aprender fora das salas de treinamento. O aprendizado é forçado, heterodirigido (pense assim: uma viagem em que alguém sempre ocupa o banco do motorista e você o do carona) e, muitas vezes, apartado do que realmente pulsa em cada indivíduo.

É por isso que “aprendizagem autodirigida” e “comunidades” possuem uma grande sinergia entre si. O aprender se potencializa em comunidade, e comunidades se tornam mais vivas com o aprendizado livre borbulhando dentro delas.

Antes de dar um passo a frente, porém, vale esmiuçar o que entendo por aprendizado autodirigido. O mais fundamental é: autodireção não é o mesmo que “aprender sozinhe” nem “aprender fora dos contextos formais”. O nome do primeiro é autodidatismo e do segundo é aprendizagem informal. Em vez disso, autodireção no aprendizado significa retomar o poder sobre as principais variáveis do seu processo de aprender (o que, como, porque, com quem, quando e onde eu aprendo).

Pode haver instrução, até mesmo formal, e também situações onde a pessoa aprendiz se deixa conduzir, mas somente quando há o seu consentimento explícito. E o combustível mais potente desse percurso é o tesão pela descoberta – um processo que não termina nunca e que se alimenta de si mesmo.

Nesse sentido, ao longo dos anos venho desenvolvendo alguns padrões para desbloquear o que eu chamo de aprendizagem autodirigida em comunidade.

As pedras no caminho

Embora a forma natural de pessoas humanas aprenderem seja autodirigida – trata-se de uma capacidade que todes nascemos com –, adultos e adultas na nossa sociedade geralmente possuem uma musculatura atrofiada nesse campo.

Existem diferentes razões para isso, mas acredito que a mais importante é a predominância de certas crenças limitantes educacionais que nos foram introjetadas ao longo de muitos anos habitando o sistema convencional de educação. É o que chamo de crenças escolarizantes.

(Se você ficou curioso com essas crenças e como elas nos moldam, eu escrevi um livro ilustrado contendo 96 delas. A leitura dura em média 20 minutos e você pode baixá-lo gratuitamente aqui – mas eu recomendo respirar fundo antes)

Como transformar a paisagem povoada por essas crenças – especialmente nos ambientes profissionais, onde pessoas adultas gastam boa parte do seu tempo de vida?

Um novo tipo de Arquiteto(a)

A fim de habilitar a aprendizagem autodirigida em comunidade – um antídoto para as crenças escolarizantes –, precisamos reconstruir as avenidas pelas quais a cultura de aprendizado dos espaços é formada. Não adianta trabalhar apenas no nível individual se os ambientes permanecerem levando as pessoas a pensarem e agirem de formas não desejáveis.

Quando uma flor não desabrocha, você corrige o ambiente no qual ela cresce, e não a flor” (Alexander den Heijer)

Os padrões que eu acredito que podem fazer isso são as Arquiteturas de Aprendizagem Autodirigida (A³), um conjunto de “jeitos de pensar e fazer” coletivos e individuais que qualquer pessoa pode utilizar com esse fim.

As A³ são fruto de uma sistematização que venho fazendo há vários anos e, na versão atual, contam com 21 estruturas organizadas em três categorias: A³ Clássicas, 6 Cs (Arquiteturas individuais) e Novas A³. Todas elas estão reunidas no Mapa A³, um infográfico que você pode baixar gratuitamente neste link.

Pensamentos iniciais sobre as A³:

– As A³ não são apenas “dinâmicas” de facilitação, e sim um conjunto de padrões capazes de alterar a cultura de aprendizagem a partir de seu uso frequente.

– Elas nasceram de um olhar para as maneiras de proceder das iniciativas educacionais mais incríveis que já conheci, além dos muitos anos de experimentação e refinamento conduzindo o Mol e outras comunidades de aprendizagem autodirigida.

As A³ organizam de maneiras inovadoras as relações entre as pessoas e também a nossa própria relação com o mundo. São, por assim dizer, “jogos/brincadeiras” que criam novas realidades – em linha com o conceito de homo ludens, do antropólogo holandês Johan Huizinga, e também com a ideia de jogos infinitos do acadêmico estadunidense James Carse.

– Muitas A³ são fáceis de entender no nível conceitual, mas podem não ser tão tranquilas de aplicar e, principalmente, de sustentar ao longo do tempo. Construir consistência em sua utilização é uma arte.

– As Arquiteturas não devem ser encaradas como receitas de bolo, e sim como ingredientes (ou, para quem gosta, pecinhas de Lego). Isso significa que você pode remixar e brincar criativamente com elas à vontade, amadurecendo-as ao longo do tempo.

– O conjunto de A³ está sempre em beta – esta é apenas a versão 2.0.

– As A³ não apresentam a aprendizagem autodirigida para as pessoas por meio da instrução, e sim por meio de um convite intransferível à descoberta e à vivência com a própria pele, e esse é o seu diferencial.

E na vida real, como fazer?

O Mol, a comunidade de aprendizagem autodirigida que conduzo desde 2020, tem sido um campo fértil de experimentação e aplicação das A³. Além disso, muitas iniciativas educacionais ao redor do mundo utilizam diferentes Arquiteturas em seus processos, ainda que não as denominem assim.

Vejamos alguns exemplos:

Portal: um evento periódico dentro de um time ou organização no qual as pessoas podem se inscrever para compartilhar suas descobertas mais recentes dentro de um tópico de interesse.

Jornadas Individuais: os Huddles do Huddlecraft (Reino Unido), pequenos grupos de pares nos quais cada pessoa possui uma jornada de aprendizagem autodirigida própria, mas ao mesmo tempo pode contar com o apoio do grupo por meio de reuniões regulares e um macrotema comum.

Residência: moradias coletivas temporárias com duração de 1-2 meses que possibilitam às pessoas participantes aprenderem juntas, se conectarem num nível profundo e compartilharem rotinas e processos de criação. Em 2023, começamos a aplicar essa A³ no Mol, como se vê aqui.

Desafio: o Desafio de 30 Dias “Developing People Is Our Business” (Desenvolver Pessoas É o Nosso Negócio, em tradução livre), um exemplo real da Accenture, que consiste em 30 microações de autodesenvolvimento que as pessoas colaboradoras da organização são convidadas a realizar durante o mesmo período.

Sozinho-Junto: sprints de leitura, um tipo de reunião ou live em que você estuda ou lê seu livro durante um tempo específico (30 min, 1h ou mais) na companhia silenciosa de outras pessoas. Muitos criadores e criadoras de conteúdo em plataformas como Youtube e Twitch estão produzindo vídeos com esse fim.

Mantras de Cultura: frases simbólicas que, ao serem repetidas pelo grupo ao longo do tempo, são capazes de relembrar as pessoas a respeito de valores importantes do aprendizado autodirigido em comunidade. No Mol, utilizamos várias: “Tudo é convite”, “Se joga que aqui tem rede”, “Confia no processo”, “Somente um coração agradecido aprende”, “Feito é melhor do que perfeito” etc. Até mesmo figurinhas de Whatsapp podem ser criadas com esse objetivo, como as que se vê abaixo:

As pessoas podem aprender de maneira autodirigida sem estar “sob o efeito” de nenhuma Arquitetura? Sim, com certeza! Mas são poucas as que se aventuram nesse percurso de uma maneira realmente intencional e na sua máxima potência. O que as A³ fazem é intensificar o aprendizado, tornando-o um ato deliberado e contínuo.

Todos os exemplos acima são de Arquiteturas com um enfoque mais coletivo. Ao longo do tempo, fui sistematizando também algumas mentalidades e práticas de cunho individual que chamei de 6 Cs. Se você conseguir sustentar esses hábitos constantemente dentro dos seus percursos de aprendizado autodirigido, seja na vida pessoal ou profissional, os resultados serão impressionantes.

Os 6 Cs são:

Curiosidade: mentalidade de fascínio pelo mundo, abertura ao novo e flexibilidade cognitiva necessária para que qualquer aprendizado aconteça. Substitua “ansiedade” por “curiosidade” e veja o que acontece.

Cara de pau: atitude de coragem útil na hora de se fazer pedidos, acessar pessoas desconhecidas para aprender, compartilhar conhecimento, comunicar-se de forma autêntica e vulnerável etc. Atenção: não precisa ser extrovertido para exercer a cara de pau – você pode fazer isso online.

CEP+R: sigla para Conteúdos, Experiências, Pessoas e Redes, as quatro fontes de aprendizagem – ou os quatro caminhos para se aprender qualquer coisa. A arte do aprendizado autodirigido é a arte de montar e executar seus próprios CEP+Rs.

(Manipular) Contextos: habilidade de perceber as influências de tudo que te rodeia (ambientes físico, digital, cultural, relacional, organizacional etc) e agir no sentido de modificar esses contextos intencionalmente para ampliar seu aprendizado. Essa prática está na base do que eu chamo de metaescolhas.

– (Segundo) Cérebro: método de curadoria, registro e organização de conhecimento baseado em centralizar todas as suas informações e reflexões mais valiosas em um único repositório digital. Com o tempo, seu segundo cérebro vai se tornando um verdadeiro museu da sua aprendizagem ao longo da vida. Baixe o ebook que escrevi sobre esse tema em parceria com O Futuro das Coisas clicando aqui.

Compartilhamento: hábito de “aprender em voz alta” e, assim, organizar sua “bagunça cerebral” por meio da externalização frequente de aprendizados. Ao compartilhar, você precisa contar uma história para alguém que não está dentro da sua cabeça, e isso faz com que você revise e aprofunde o conhecimento.

Eu não tinha nenhuma noção desses padrões quando comecei no universo da aprendizagem autodirigida. Fui descobrindo e inventando cada um enquanto vivia meus projetos de aprendizado, e hoje muitas pessoas já os aplicam com sucesso.

É claro que tudo isso é apenas um resumo, e ninguém precisa já sair tentando praticar todas essas coisas.

Meu convite prático é: escolha uma Arquitetura dos 6 Cs e comece a implementá-la imediatamente. Não pare no primeiro dia, continue, refine, persista. Pratique durante uma, duas, três semanas e perceba como isso altera suas maneiras de aprender.

Você pode fazer o mesmo exercício com alguma A³ coletiva, tais como as que exemplifiquei anteriormente, mas para isso você precisará chamar outras pessoas para viver essa experiência junto. Melhor ainda!

Algumas possibilidades nesse sentido que não demandam muito esforço são:

– Crie um “clube do livro” a partir de uma obra que você gosta muito

– Marque algumas sessões de “sozinho-junto” com amigues para aprender algo de maneira concentrada ou organize/participe de uma sprint de leitura

– Organize um momento para as pessoas compartilharem aprendizados no formato de pequenas apresentações estilo TEDx

– Convide alguém para uma troca mútua semanal sobre os progressos dos seus percursos de aprendizado durante um mês

– Desafie-se a fazer/aprender algo novo durante 7 dias (todo dia um pouquinho) e convide outras pessoas para fazer o mesmo

A ideia é que seja divertido, fascinante e também um pouco desafiador.

Tem coragem?


Obs.: eu vou adorar saber das suas experimentações com as Arquiteturas! Se quiser me contar, meu e-mail é alex@alexbretas.com.

Imagem da capa: Mikhail Nilov, em Pexels.

Alex Bretas

Alex Bretas é escritor, palestrante e especialista em aprendizado autodirigido e lifelong learning. É o idealizador do MoL, uma comunidade de aprendizagem autodirigida, e coautor do livro Core Skills: 10 habilidades essenciais para um mundo em transformação. Colabora com as empresas na redefinição da sua cultura de aprendizagem e com os indivíduos na sua capacidade de aprender a aprender. Saiba mais em www.alexbretas.com

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