Na Alegoria da Caverna, cada elemento simboliza um nível do ser e do conhecimento no dualismo ontológico e epistemológico de Platão: a relação entre os conceitos de escuridão e ignorância; luz e conhecimento; aparência e realidade; a alegoria dos homens presos em uma caverna (nível inferior) e do homem liberado no exterior (nível superior).

Os prisioneiros da caverna são uma metáfora de qualquer pessoa presa às suas percepções, à realidade visível e às imagens que lhe são apresentadas, que vive com os conhecimentos advindos do seu dia-a-dia ou que foram repassados de geração em geração; as sombras representam o mundo físico que essa pessoa percebe e acredita ser o conhecimento verdadeiro. No entanto, o que ela observa não passa de um conhecimento subjetivo; as correntes são tudo o que lhe prende ao falso conhecimento das coisas, à ignorância, ao preconceito e ao senso comum; as sombras representam meras projeções da verdade que podem dar conforto e ilusão; a luz seria o conhecimento, a racionalidade e a própria verdade que, por mais que possa ser difícil de enxergar em um primeiro momento, é com ela que será possível entender realmente as coisas.

Certo dia, um dos prisioneiros consegue se libertar e sair da caverna. Pouco a pouco, se acostuma com a luz solar e decide avançar, o que para Platão seria um primeiro passo na aquisição do conhecimento. Depois, o homem observa a vasta natureza, as estrelas e a Lua. Impactado e deslumbrado, pensa em retornar à caverna porque sente que deve ajudar seus companheiros a ascender ao mundo real e ver o que ele viu. Mas será que acreditariam no seu testemunho? Será que ele conseguiria comunicar tudo o que tinha visto? Será que seus companheiros o achariam louco? Platão, por meio de Sócrates, afirma que esses prisioneiros fariam tudo o que estivesse ao seu alcance para evitar essa jornada, chegando até a matar quem se atrevesse a tentar libertá-los.

Trazendo essa alegoria para o nosso tempo, ou melhor, para pensar futuros, podemos dizer que é um grande desafio provocar as pessoas a sair do presentismo (caverna, mundo físico, sensível, visível) para que imaginem possíveis futuros e a criem uma visão sistêmica de longo prazo (mundo exterior, mundo das ideias) em contraponto a uma visão tática de curto prazo, que parece ser o paradigma dominante.

Ah, se elas soubessem que quando desenvolvemos e aprimoramos a habilidade de pensar futuros e de foresight, nos libertamos das correntes que limitam a nossa visão. Ao virarmos e olharmos para a entrada da caverna, e sairmos dela, começamos a perceber novas possibilidades, e não apenas as sombras do passado e do presente projetadas na parede.

Fora da caverna, o prisioneiro libertado consegue enxergar os reflexos de possíveis futuros, detecta pequenos sinais, indícios e evidências de potenciais cenários que só podem ser observados no mundo externo.

Para Platão, uma vez percebida a realidade, nada poderá voltar a ser o que era antes, e essa percepção perdura sendo a fonte da sabedoria. Penso que, uma vez percebidos os futuros, eles também se tornam uma fonte de sabedoria. Sabedoria para tomada de decisões e para agir no presente.

Penso que, ao imaginarmos e especularmos futuros, deveríamos regressar à caverna e compartilhar as percepções com os outros, para que eles também quebrem suas correntes e se preparem com antecedência para uma série de futuros que poderão impactá-los.

Mas, a luz é um despertar gradual, aparentemente irrelevante para aqueles que ainda estão cativados pelas ilusões das sombras bruxuleantes.

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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