A humanidade vem solucionando problemas e desafios tendo o conhecimento acumulado como principal ferramenta. Hoje, cada vez mais esse processo é facilitado com o apoio das novas tecnologias. Se no passado tínhamos que usar produtos agrotóxicos para garantir a alimentação em massa – porque não havia outra opção -, hoje a agroecologia permite o cultivo eficiente e qualitativo de alimentos orgânicos. Se antes era necessária uma carroça com dois cavalos para subir uma estrada de barro, hoje conseguimos fazer o mesmo percurso de forma mais rápida com uma mountain bike.

Essa linha de pensamento pode ser aplicada aos conflitos que podem naturalmente emergir em relações comerciais, profissionais e até pessoais e também a forma como lidamos com eles. Ainda é comum pensar que quando surge um conflito, o mais adequado é ingressar com uma ação judicial bem pesada, pedindo todos os direitos possíveis e mais um pouco.

Esta visão simplista vai se tornando obsoleta. No mundo globalizado, a quantidade de relações humanas é cada vez maior e, portanto, a quantidade de potenciais conflitos também aumenta. Já que vai ficar cada vez mais fácil abrir uma empresa, os empreendedores acabarão participando de mais sociedades empresárias, o que aumentará também o número de possíveis problemas entre sócios.

No passado, se alguém quisesse comprar um livro, precisava sair de casa e ir até uma livraria, o que tomaria em torno de uma hora, digamos. Nesse período teria ocorrido apenas uma relação comercial: a compra do livro. Hoje, com a tecnologia de informação, nesse mesmo tempo, podemos comprar um livro, vender um relógio, encomendar o almoço e ainda pagar a conta do celular – mais relações no mesmo tempo.

No futuro, as soluções para os conflitos serão mais rápidas, mais satisfatórias e menos desgastantes, em grande medida por conta das tecnologias digitais. A assinatura digital permitirá a formalização com segurança de contratos e acordos em documentos eletrônicos, mesmo à distância; as ODRs (online dispute resolution) possibilitarão a realização de procedimentos e audiências de conciliação, mediação e arbitragem online, sem a necessidade de deslocamento dos envolvidos; e o legal design, ou seja, a preocupação com a apresentação dos documentos jurídicos, e não só com seu conteúdo, evitará uma série de conflitos oriundos da falta de clareza desses documentos. Não haverá espaço para discussões que levam 5, 10 e até 15 anos como se vê nos tribunais atualmente. Assim como os edifícios vão se tornar mais inteligentes, também os desentendimentos entre uma construtora e os compradores dos apartamentos serão resolvidos de forma mais engenhosa, apenas como um exemplo.

O futuro reserva a possibilidade de mais relações humanas. Mais relações humanas geram potencialmente mais conflitos. Estes não podem ser sempre resolvidos por juízes. Outros meios de resolução de disputas vão se tornar mais frequentes. Negociação, conciliação, mediação, arbitragem e dispute board vão se tornar termos mais conhecidos.

Negociação é um método de solução de conflitos que todos utilizamos instintivamente. Através dela, dois lados em conflito trazem argumentos para tentar demonstrar qual ponto de vista é correto, até se chegar a um lugar comum ou a um consenso. A negociação, por mais bem feita que seja, não vai garantir que se chegue à solução de todos os impasses. No entanto, quanto mais as pessoas aprenderem a negociar, maior será o número de conflitos resolvidos de forma amigável e menor será o número de disputas levadas ao Judiciário.

Conciliação e mediação em certa medida se parecem com a negociação. A principal diferença é que tanto na conciliação quanto na mediação há um intermediário imparcial, escolhido em conjunto pelos envolvidos, para promover o diálogo e ajudar a manter as emoções sob controle. Ainda que não exista uma diferença exata, normalmente é chamado de conciliação o procedimento em que as partes envolvidas não mantêm relação pessoal entre si. Por exemplo: duas pessoas que se envolveram em um acidente de carro ou um consumidor e a loja de móveis que vendeu um armário danificado. Quanto à mediação, é o procedimento em que as partes têm relacionamento pessoal, tais como sócios de uma empresa ou ex-cônjuges. Na prática, o objetivo é o mesmo: promover que os dois lados em conflito, por conta própria, achem um caminho para chegar a um acordo.

O dispute board, que também é chamado de conselho de disputa ou conciliação prévia, é uma forma de prevenir conflitos ou fazer com que seja mais fácil resolvê-los quando ocorrerem. Um conselho de disputa é um órgão dentro de uma organização que permanentemente está disponível para os membros que estiverem envolvidos em disputas. Ele serve para promover soluções amigáveis e produzir informações que possam esclarecer os conflitos existentes com mais qualidade. Da mesma forma que um arranha-céu quando é construído têm engenheiros para evitar que a estrutura desmorone, um dispute board serve para evitar que as relações humanas entrem em colapso.

Alguns conflitos permanecerão conflitos mesmo após ampla tentativa de solucioná-los por métodos amigáveis. Isso não significa necessariamente ter que recorrer ao Poder Judiciário. Através da arbitragem as partes envolvidas em uma situação conflituosa podem optar por indicar um terceiro de confiança dos envolvidos para decidir sobre a discordância na relação. Esse terceiro pode ser uma instituição especializada, o que conhecemos como câmaras de arbitragem, ou qualquer outra pessoa capaz e de confiança das partes. A arbitragem tem algumas vantagens com relação ao processo judicial: pode ser sigilosa, é mais ágil e o árbitro normalmente é um expert na área do conflito.

Algumas questões, pela sua própria natureza, continuarão sendo resolvidas pelo Poder Judiciário. As questões com maior interesse público, a princípio, serão sempre resolvidas através da decisão de juízes. O julgamento sobre crimes e sobre a organização do Estado, por exemplo, envolve questões fundamentais que seguem sendo resolvidas no âmbito judicial.

Ainda que existam diversas linhas para seguir, a ideia geral sobre a solução de conflitos envolve necessariamente aumento da capacidade de comunicação entre os envolvidos em uma disputa, uma habilidade inerentemente humana, que a tecnologia ainda não consegue substituir. Sócios de uma sociedade empresária tomarão decisões conversadas e documentadas. Fazendo uma analogia ao trânsito, a sinalização será tão clara que diminuirá o número de acidentes. As prefeituras terão canais de comunicação diretos e rápidos para atender as demandas das populações.

O futuro do conflito não será simplesmente um futuro mais tecnológico ou digital. O mais importante será a compreensão sobre o valor de cada ser humano e o respeito à sua história individual. Iremos parar de focar a energia em punir ou remediar uma situação do passado e passaremos a concentrá-la em prevenir e resolver problemas do futuro. Esse futuro é feito de relações humanas mais sólidas, em que as pessoas se enxergam como sujeitos ativos na construção do universo jurídico. O direito deixa de ser aquela área reservada para poucos privilegiados, que falam palavras difíceis e citam termos em latim, e passa a ser domínio de todos, estruturado a partir do desenvolvimento humano e da tecnologia. Com relações humanas fundadas na comunicação clara e efetiva, ao invés de perdemos tempo e recursos em intermináveis disputas judiciais, poderemos concentrar esforços na solução de problemas urgentes ao mundo, tais como a conservação do meio-ambiente, a produção agrícola, o empreendedorismo e a educação.

Dessa forma o Poder Judiciário poderá julgar as grandes questões da humanidade com mais atenção e foco. As causas privadas serão resolvidas no âmbito privado, sem necessidade de mover a máquina pública.

No futuro o conflito será encarado com inteligência e tecnologia.

Crédito da imagem da capa: timJ

Filipe Starke

Filipe Starke: advogado; sócio do Schneider, Starke & Ruppel Advogados; árbitro; mestre em direito pela UFPR e tenista amador.

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