Em 2005, o professor universitário londrino Rob Hopkins começou a idealizar o movimento Transition Towns (Cidades em Transição), na cidade de Kinsale, na Inglaterra, transformando-a em vitrine do movimento. No seu ritmo, a cidade de 8 mil habitantes pretende chegar em 2030, totalmente transformada.

Presente em mais de 50 países, totalizando mais de 1.100 iniciativas, o objetivo do movimento Transitions Towns (TT) é transformar as cidades em modelos sustentáveis, menos dependentes do petróleo, mais integradas à natureza e mais resistentes a crises externas, tanto econômicas como ecológicas. Segundo Hopkins, construímos uma forma de viver em torno do petróleo e o grau de nossa dependência do óleo é nosso grau de vulnerabilidade. Para cada quatro barris que consumimos, nós só descobrimos um, afirma o professor.

Em 2018, no Brasil, quando vivenciamos por dez dias uma greve dos caminhoneiros, sentimos a nossa dependência do petróleo (e das coisas prontas). Vimos o tanque do carro esvaziando, os produtos sumindo das prateleiras dos supermercados, o individualismo demonstrado no acúmulo de compras. Não sei ao certo o quanto compreendemos que ainda vivemos em um modelo que, se não houver combustível não temos o que comer. Mas o que realmente mudou dois anos depois dessa greve? Essa não foi a primeira crise que vivenciamos. No âmbito ecológico temos enfrentado enchentes, desmoronamentos, seca, desastres ambientais provocados pelas mineradoras e muito mais. E o que temos tentado mudar para reverter essa realidade?

Nesse cenário global, exatos 15 anos depois do início do movimento Transition Towns, fomos empurrados para uma transição forçada  por conta da Covid-19.  Se não dá para voltar ao mundo que existia em janeiro de 2020 e ainda não temos medicamentos e vacina para essa pandemia, como podemos fazer as mudanças necessárias para uma vida possível, mais conectada com a terra e com a sua própria essência?

Há nesse momento, um incentivo para se consumir localmente para que os pequenos empreendedores não sucumbam. Percebe-se um maior estímulo à cooperação, à troca, à doação. Empresas empenhadas em doar e contribuir. Comunidades se unindo para suprir a todos com alimentos e muitas outras iniciativas. Paralelamente, o movimento Cidades em Transição mostra que há alguns anos, comunidades em todo o mundo já praticam novas possibilidades de viver. “A transição é um movimento de comunidades que se unem para reimaginar e recriar o mundo”, diz Isabela Menezes, uma das articuladoras da rede Transition Towns Brasil. Exatamente o que precisamos nesse momento.

Em Totnes (Inglaterra), as primeiras ações de mudança – ainda num tempo de calmaria – foram a produção de alimentos orgânicos em hortas coletivas urbanas, a redução do consumo de energia e de água e a reciclagem de lixo nas casas. Estive nessa cidade em 2011, quando estudei Alfabetização Ecológica no Schumacher College. O que pude ver na prática me deixou encantada. Para impulsionar o desenvolvimento local (e diminuir o uso de combustíveis em transportes), a cidade tem uma moeda própria, a libra Totnes, aceita entre os comerciantes que aderiram ao movimento. Aos sábados, na rua central, tem uma feirinha para unir pessoas que querem trocar roupas, sapatos etc. Também há outras formas de escambo. Um corte de cabelo pode ser facilmente trocado por uma hora do serviço de uma babá.

Os céticos podem dizer que é fácil fazer o movimento de transição numa cidade com 8 mil habitantes, mas que é impossível em grandes cidades. No entanto, em cidades maiores, a ideia é que o movimento comece pelo bairro, entre os moradores de uma mesma rua, nos condomínios, no prédio. Ao se juntar, as pessoas podem cocriar soluções locais para que a comunidade se torne mais resiliente. O modelo de transição é uma série de princípios e práticas do mundo real e as fases do processo devem ser adaptadas à realidade de cada local. Uns optam por hortas comunitárias, cinemas na praça, resgate da cultura local, revitalização de espaços públicos, feira de trocas, compostagem comunitária, entre muitos outros. Caso queira saber mais sobre como começar o movimento clique aqui. Para inspirar, encorajar, conectar, dar suporte e treinar comunidades adotando e adaptando o modelo de transição foi criada a Rede Transition Network. As pessoas unidas pela Transição procuram nutrir uma cultura de cuidado, focada na conexão com o eu, com os outros e com a natureza.

Independentemente do tamanho geográfico das cidades, na realidade, a transição é um impulso interno.  Quando surge o incômodo com o modelo de vida predominante, as pessoas começam a produzir pequenas mudanças e aí não tem mais volta. Nunca se falou tanto em propósito, sentido de vida, períodos sabáticos. Na realidade, paralelamente com o movimento TT, há um movimento gigantesco de transição no mundo por meio de modelos colaborativos, alternativas de alimentação, cocriação da saúde. Há mudanças se multiplicando na tecnologia, na saúde, forma de morar, na educação, na espiritualidade e em muitos outros campos. Mas, claro, muitas ações ainda mostram a mente presa no medo, no individualismo e na escassez. Talvez por isso seja difícil dividir os recursos do mundo, afinal a crença é de que podem faltar. Talvez por isso seja inaceitável compartilhar todos os conhecimentos com o colega de trabalho, afinal foi dito que com ele é preciso competir.

O mundo nos oferta tudo, só precisamos aprender a redistribuir. Quanto mais damos, mais recebemos. É a abundância que jorra, mas ainda não conseguimos ver com clareza. A transição desemboca num caminho: uma vida mais simples, leve, solta e com escolhas e ações conectadas com você de verdade. Não há uma receita pronta. O universo está em constante mudança. Nós também precisamos nos mover e com a pandemia, agora mais do que nunca.

Crédito da imagem da capa: Lee Kyutae, aka Kokooma.

Regina Hostin

Mestre em Desenvolvimento Regional. Especialista em Comunicação Corporativa pela Syracuse University (EUA). Designer de Sustentabilidade pelo Gaia Education. Atua como consultora e professora em cursos de pós-graduação. Autora do livro Quando o Hoje Já Não Basta, escrito após um período sabático, quando estudou Alfabetização Ecológica no Schumacher College (Inglaterra) e visitou a Índia.

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