Existe uma crença muito comum hoje em dia na importância de realizarmos nosso trabalho de modo mais colaborativo possível – o que normalmente envolve muitas pessoas compartilhando suas visões e recursos para alcançar objetivos comuns. 

Embora eu acredite profundamente nas relações como potencializadoras (de pessoas e projetos), uma visão romantizada sobre o poder da colaboração não me parece estar nos levando lá. Pelo menos não para mim e para as pessoas que observo ao meu redor. 

O vale da ineficiência

A verdade é que iniciativas podem ser bem sucedidas com apenas uma ou duas pessoas, uma vez que conseguem utilizar de maneira muito efetiva sua mão de obra e criar um fluxo de comunicação mais rápido e funcional. 

A matemática é simples, mais pessoas elevam a complexidade das relações, o que significa mais tempo investido na construção e manutenção de estruturas que irão sustentá-las.  

Quanto mais pessoas envolvidas em uma iniciativa, maiores os problemas de comunicação, e para que o trabalho seja de fato bem feito e as pessoas se sintam cuidadas e satisfeitas, alguém vai precisar cuidar das pessoas e da gestão –  o que é viabilizado em uma organização de grande porte que tem estrutura para tal, mas extremamente desafiador para muitas das pequenas iniciativas que tentam se tornar mais colaborativas. 

Isso sem contar nos problemas de ordem financeira que emergem nesse modelo, afinal, mais pessoas significam mais bocas para comer, o que pode ser um peso fatal para continuidade de um pequeno negócio. 

(reflexão provocada pelo escritor Seth Godin) 

Tudo ou nada

Vejo que muitas vezes as pessoas e organizações oscilam no pêndulo tudo ou nada da colaboração. A gente se joga em experimentos ousados, modelos extremamente horizontais, colaborativos, em rede… E ignoramos o trabalho que envolve criar uma estrutura verdadeiramente colaborativa e autogerida. 

Frustrados, abandonamos a ideia da colaboração, e nos isolamos em silos para evitar a complexidade que é estar em relação. Até não aguentarmos o peso da solidão e migrarmos para o outro lado do pêndulo novamente. 

Consideramos justa toda forma de amor

Parece óbvio, mas assim como estamos presos a padrões limitados do que significa se relacionar amorosamente, talvez ainda estejamos com uma visão limitada do que significa se relacionar no âmbito do trabalho e colaboração. 

Colaborar pode significar ter uma rede de conselheiros próximos que realizam uma reunião por mês para apoiar com ideias para dilemas da organização. Ou ter pessoas contribuindo para fazer pequenas escolhas relevantes para o seu negócio.  Ou trabalhando juntas em um projeto com escopo e prazo definido. Ou se relacionando juntas para aprender, se apoiar, se acolher – mas não necessariamente fazendo algo juntas.  Ou várias outras coisas que fazem sentido para os envolvidos. 

A síndrome da arca de noé

Sabe quando a gente é adolescente e todas as amigas estão namorando,e você acha que precisa estar em um relacionamento? Vivemos desde crianças a síndrome da arca de noé, a crença que só é salvo quem tem um par. É como se nos dias de hoje querer trabalhar sozinho ou com menos pessoas fosse um erro a ser consertado. 

Essa busca por relacionar-se como único modo correto de existência,  muitas vezes nos leva a ignorar reflexões muito básicas que nos ajudam a fazer escolhas mais conscientes nas relações. 

– Por que você quer um relacionamento? 

– O que você está disposto a abrir mão para estar em relação?

– Quanto tempo você tem disponível para cuidar dessas relações?

– Com quantas pessoas você deseja e consegue se relacionar?

– O que você está buscando? 

– Qual modelo se encaixa nos seus desejos e necessidades?

O futuro da colaboração

Historicamente nossas relações vêm sendo pautadas pela independência ou pela dependência, e levamos esse padrão de interação para o trabalho colaborativo. Acredito que o próximo passo de evolução para a colaboração se dá rumo a interdependência.

Por um longo período acreditamos que deveríamos nos tornar progressivamente mais independentes uns dos outros, mas essa é uma narrativa falha que ignora a nossa natureza social e inerentemente conectada.  

Justamente a solidão que a narrativa da independência proporciona, nos tornou ainda mais dependentes nas poucas relações que nos restam e assim perdemos de vista a nossa individualidade, e as fronteiras entre eu e o outro. 

Acredito que estamos passando agora por um processo de amadurecimento do que significa colaborar, rumo a construção de relações pautadas na interdependência. Escolhemos colaborar porque abandonamos nosso autocentramento, porque companhia de qualidade importa, porque relações nos nutrem. Mas encontramos a nossa maneira de estar juntos, criando e recriando acordos e respeitando nossas individualidades. 

Talvez um caminho para nos tornarmos progressivamente mais colaborativos seja integrar um modelo de colaboração que integra múltiplas formas de estar junto, em relações que se adaptam e se transformam constantemente. Sua colaboração, suas regras. 

Ilustração da capa: Mark Wang

Marcelle Xavier

Marcelle Xavier desenha experiências que permitem que pessoas e relacionamentos se desenvolvam em sua potência. Fundadora do Instituto Amuta, membro da consultoria de aprendizagem nōvi, atua como designer de conexões, hacker cultural, criadora de comunidades e facilitadora do amor nas organizações.

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