A fome está aumentando no mundo. Condições imprevisíveis, como extremos climáticos por exemplo, dificultam a produção dos alimentos necessários para uma população em crescimento.

“Como seria o mundo se não houvesse fome?” Donella Meadows, cientista ambiental já falecida, costumava fazer essa pergunta para seus alunos no Dartmouth College, nos anos 70. Segundo Meadows, eles achavam difícil responder, porque não fazia parte da realidade deles.

Meadows decidiu então criar um movimento global – abordagem conhecida como pensamento sistêmico – que hoje é considerada essencial para enfrentar os grandes desafios globais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

Donella Meadows foi pioneira em pensamento sistêmico. Crédito: The Donella Meadows ProjectAcademy for Systems Change

“A forma mais elementar de explicar o que é o pensamento de sistêmico é dizer que é uma forma de olhar para o mundo à nossa volta como um emaranhado de sistemas vivos que nascem, crescem, interagem entre si, evoluem, alimentam-se, cumprem um ou vários propósitos ao longa da vida, adaptam-se e morrem, dando lugar a outros.” [Pedro Portela, Medium]

Pensar sistemicamente exige uma nova forma de olhar o mundo e as pessoas, passando pelas sociedades e pelo clima; ironicamente é uma capacidade não ensinada nas escolas. O pensamento sistêmico é crucial para alcançar metas como acabar com a fome e melhorar a nutrição, porque considera a maneira como os alimentos são produzidos, processados, entregues e consumidos, além de observar e entender como essas coisas se cruzam com a saúde humana, o meio ambiente, a economia e a sociedade. Fazer isso é difícil, mas não é impossível se conhecermos as barreiras. Alguns desses obstáculos – e possíveis soluções – estão sendo aprofundadas em uma série de artigos da Nature Food.

De acordo com o pensamento sistêmico, mudar o sistema alimentar – ou qualquer outro sistema – exige três coisas. Primeiro, pesquisadores e cientistas precisam identificar todos os atores de um determinado sistema; segundo, descobrir como se relacionam; e terceiro, precisam entender e quantificar o impacto desses relacionamentos entre si e com os que estão fora do sistema.

No último relatório sobre segurança alimentar global, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) alertou que o número de pessoas subnutridas no mundo vem aumentando desde 2015, apesar dos grandes avanços na ciência da nutrição. O rastreamento de 150 produtos bioquímicos nos alimentos feito pelo Departamento de Agricultura dos EUA e vários bancos de dados tem sido importante para mostrar as relações entre calorias, açúcar, gordura, vitaminas e a ocorrência de doenças comuns. Usando aprendizado de máquina e inteligência artificial, o cientista Albert László Barabási e seus colegas da Northeastern University propõem que as dietas humanas consistem em pelo menos 26.000 produtos bioquímicos – e que a maioria não é conhecida (Nature Food 1, 33– 37; 2020). Esse é um exemplo do primeiro objetivo do pensamento sistêmico – que, neste caso, é identificar mais componentes do sistema nutricional.

Uma abordagem usando sistemas para gerar mudanças deve ser construída com base no pressuposto de que todos em um determinado sistema têm poder e status iguais. Mas, como mostra a pesquisadora em equidade em saúde Sharon Friel e seus colegas, da Universidade Nacional da Austrália, o sistema alimentar não é igual e o poder do comércio global pode passar por cima das necessidades ambientais e nutricionais (S. Friel et al. Nature Food 1, 51-58; 2020). Os países precisam aprovar leis e regulamentos relevantes para atender às metas globais de nutrição e mudanças climáticas. Mas isso se torna difícil porque as regras comerciais globais estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) são juridicamente vinculativas para os países, enquanto as políticas sobre mudança climática ou nutrição geralmente não são.

A necessidade de um contrapeso global para a OMC levou a pedidos de uma Organização Ambiental Mundial (veja, por exemplo, esse estudo). Outra maneira de corrigir esses desequilíbrios de poder é que mais universidades façam o que Meadows fez e ensinem os alunos a pensar usando a abordagem de sistemas.

Um grupo de pesquisadores fez exatamente isso, no programa Interdisciplinar de Ensino e Aprendizagem de Sistemas Alimentares (J. Ingram et al. Nature Food 1, 9-10; 2020). Alunos das disciplinas de Agricultura, Ecologia e Economia estão solucionando coletivamente problemas do mundo real, como por exemplo, reduzir o desperdício de alimentos. Desde o seu lançamento em 2015, o programa já treinou mais de 1.500 estudantes de 45 departamentos universitários.

A meta para acabar a fome pode ser alcançada se mais pesquisadores, formuladores de políticas e representantes da indústria alimentícia adotarem uma abordagem sistêmica.

Imagem da capa: Food System Vision Prize

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