Muitos institutos de pesquisas e tendências anteciparam em 2020 que, com a crise sanitária e econômica, as estratégias para comunidades de marca seriam ainda mais importantes dali para frente. Mais nichadas e homogêneas, as comunidades surgem como uma força de sobrevivência em mercados cada vez mais fragmentados e multicanalizados, com consumidores e clientes menos fiéis e mais críticos em relação às marcas que consomem.

Por isso, uma das estratégias que vem sendo discutida é a go-to-community (GTC), em tradução livre, ir para a comunidade. São estratégias pensadas para que as empresas possam não apenas extrair valor das vendas, mas, principalmente, de conhecimento e experiência com base nas conexões criadas com e entre seus membros.

Diferente de uma estratégia top-to-down – que vai afunilando a mensagem emitida até gerar uma conversão de compra entre consumidores que realmente têm interesse sobre um produto ou serviço –, a GTC se sustenta na relação direta com seus membros, e como eles podem ajudar a amplificar seu valor e atrair mais pessoas para a comunidade.

Como conta nesse artigo que me inspirou a escrever esse texto, uma GTC de sucesso precisa ter alta gravidade: algo que literalmente trabalhe como uma força, tal qual a da física, que puxe clientes e consumidores para a marca. As estratégias de GTC seriam o que manteriam essa gravidade operando na mesma frequência que os propósitos das empresas, com foco em criar, sustentar e aprender com as conexões, de maneira que o consumidor sinta que a empresa realmente entrega valor, e não somente uma troca transacional de compra e venda.

Na medida em que fui me aproximando deste conceito, não pude deixar de traçar um paralelo com uma artista que gosto muito e que acompanho o trabalho há, no mínimo, 10 anos: Taylor Swift. A cantora norte-americana começou no estilo country e migrou para o pop e, vira e mexe, aparece envolvida em alguma polêmica ou por quebrar mais um recorde de vendas. Taylor é uma personalidade odiada por uma boa parcela assim como amada, o que atrai tantos fãs e tantas cifras para debaixo do seu trabalho.

Bom, mas antes de prosseguirmos, como nosso exemplo envolve uma cantora pop ou, como alguns preferem, uma diva pop, eu queria pedir que as opiniões e preferências musicais possam ser deixadas de lado em nome de uma análise mais mercadológica. Claro que eu ser fã ajuda a falar mais qualidades do que defeitos, mas também me permite observar alguns movimentos com lentes mais técnicas, até pelo meu repertório na música.

Vamos lá. Quando falamos de música pop, as comunidades de fãs podem ser bastante engajadas e devotadas a ponto de algumas serem comparadas a uma “seita nada secreta”. E no caso dos swifties – como são chamados os fãs da cantora – basta observar os números para entender o tamanho dessa devoção: em 2021, ela lançou dois álbuns, assim como em 2020, mas com a diferença que esses eram regravações de um álbum de 2008 (Fearless) e outro de 2012 (RED). Ambos, além de constarem na lista dos mais vendidos de 2021 – o RED Taylor`s Version ocupou a segunda colocação – eles ainda colocaram a artista como a figura feminina mais reproduzida do Spotify no mesmo ano. Ou seja, duas regravações a catapultaram para as listas de vendas físicas e digitais sem lançar nada “novo”.  

Como isso foi possível?

Se uma das potencialidades de uma comunidade é proteger a marca, Taylor pode ser comparada a uma verdadeira fortaleza, com histórico de invencibilidade. No final de 2018, ela trocou de gravadora e, mesmo tentando comprar os direitos integrais de seus materiais, recebeu como resposta que não havia interesse na venda para, dias depois, um dos seus desafetos comprar todo o catálogo. Um dos principais mantras do GTC é a transparência e agilidade em resposta, não importa a situação, e Taylor instantaneamente reagiu publicando uma carta aberta em suas redes sociais contando os fatos aos fãs, com nome e sobrenome dos envolvidos, o que logo se transformou em contra-ataque da sua comunidade.

Mas isso não era o bastante. Ela decidiu regravar cada material para poder recuperar o direito de ser dona daquilo que não só cantou, mas também compôs, além de introduzir composições que haviam sido descartadas, e de convidar artistas para algumas dessas novas faixas. O resultado não poderia ser outro: além da nostalgia dos fãs poderem reviver músicas que marcaram sua adolescência, eles também se engajaram em fazer justiça com as próprias mãos, “apagando” da memória dos algoritmos digitais a presença dos álbuns antigos já regravados. São as mesmas músicas, algumas novas, mas eles deixaram uma mensagem muito clara: queremos o que é dela, para ela.

Para as estratégias de GTC, a comunidade deve ser tratada como uma entidade organizacional separada, mas que não pode ser deixada sem amparo pela marca. Lembre-se, tudo é gravidade! Mas nem todos os artistas podem se dar ao luxo de emanar uma força de atração tão poderosa, a ponto de dispensar um dos poderes dessa equação, a mídia, e mesmo assim sair triunfante. No caso de Taylor, ela se deu ao luxo de não precisar desse poder: em 2017, um ano depois de um dos períodos mais controversos da sua carreira, e tendo sumido por um ano da vida pública, após ser acusada de mentir em um áudio vazado pelo casal Kim Kardashian e Kanye West, sua volta pegou todos de surpresa, para o lançamento do seu sexto álbum, Reputation.

O período que compreende o lançamento de um trabalho novo, com álbum, turnês e outras divulgações é chamado de era na música pop – como as eras geológicas – e esta era Reputation teve zero aparições de Taylor na mídia, nenhuma entrevista para a TV ou para revistas, mesmo tendo sido capa da Vogue britânica neste período. Ela, simplesmente, depositou em seus fãs o suporte necessário para atravessar esta fase de exposição e injúrias, e deu certo: Reputation foi o álbum mais vendido em 2017, atingindo a marca de um milhão de cópias vendidas em 4 dias e sua turnê, com apenas 38 shows, foi a mais lucrativa nos EUA em 2018.

Hoje, pode-se dizer que Taylor vive numa zona confortável, em que seus detratores ainda existem – como o caso recente com Damon Albarn acusando-a de não ser compositora – mas, mesmo assim, basta uma reação rápida sua para acender a chama de fãs preparados para defendê-las. Eles, assim como eu, se sentem representados por suas letras quase adolescentes e literais, mas que não escondem o verdadeiro brilho de simplicidade que, como uma artista completa, consegue produzir há tanto tempo, com maestria.

Não é que outros artistas não tenham fãs tão engajados. Se analisarmos de perto, percebemos que enquanto Lady Gaga explora a carreira de artista cinematográfica, Rihanna a de empresária do mundo da beleza e de porta voz da diversidade e Beyoncé, bem, Beyoncé é Beyoncé, Taylor Swift concentra suas ações em criar conexões com a sua audiência sempre por meio das suas músicas. Em 2021, logo depois de ter sido anunciada como vencedora do Álbum do Ano no Grammy por Folklore – ela é a única artista feminina a ter vencido três vezes na categoria – deixou bem claro em seu discurso de agradecimento a hierarquia de importância da sua comunidade de fãs.

Taylor pode ter mudado de estilos – do country para o pop e, mais recentemente, explorou um híbrido entre o folk e o pop – e pode ter passado por todo o tipo de polêmica, desde não merecer honrarias tão altas em premiações disputadas da música a contestarem seu protagonismo em seu processo de criação, mas tudo parece menor quando observamos o poder que ela exerce sobre a sua comunidade. Assim como uma boa gestora de comunidade de marca, sabe ouvir e sabe administrar crises: tendo uma resposta rápida e transparente para os fãs, isso tudo sem precisar contar com a mídia.

É destes exemplos silenciosos, mas valiosos, que podemos ver pessoas e marcas se destacando em um futuro que promete ser cada vez mais fragmentado, mas mais exigente em relação às demandas de consumidores e clientes. Uma lição valiosa para o futuro das comunidades é entender que a gravidade das marcas é uma equação muito além do que elas oferecem como produto ou serviço. Assim como Taylor transitou por estilos, polêmicas e trunfos, mesmo que a gente discuta novos espaços de presença das marcas, como acontece com o metaverso, nada adiantará se elas não perceberem o que seus consumidores esperam delas.

Ir para a comunidade é aceitar que a sua imagem atende a algo muito maior, e que esta força define a verdade que irá conectar e atrair os fãs. Exemplos como os de Taylor Swift nos mostram como membros de comunidade estão dispostos a ir longe para defender o que acreditam que seja importante. Para descobrir a essência das marcas, é preciso colocar ouvidos e coração nas comunidades e perceber que desta conexão pode surgir uma Love Story, baby just say “yes”. [trecho da música Love Story de Taylor Swift].

Ilustração da capa: Laura Lannes

Matheus Trucolo Conci

DJ há nove anos, é apaixonado por pesquisa acadêmica e pelos estudos de marketing e marcas. Mestre em marketing pela UFRGS e estrategista de marcas na Cordão.

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