Hoje, muito se fala sobre ecossistemas de startups e de hubs de inovação, e muita gente já começa a ter uma ideia do que isso significa e da sua importância para as cidades que tentam se conectar à uma nova economia criativa e digital.

Criação de valor, densidade, os famosos “players” – em níveis diferentes de tamanho e vocação institucional –, tudo isso cria ambientes propícios para o desenvolvimento de novas ideias e de novos negócios para uma nova era. Estamos falando da era digital, que por sinal já está em transformação com a confluência da famosa sigla GNR – genética, nanotecnologia e robótica – prevista pelo futurista Ray Kurzweil. 

Nesse mundo líquido, onde estamos cada vez mais conectados, onde o setor de serviço cresce aceleradamente, e com o maior acesso às ferramentas tecnológicas que permitem que pessoas e empresas interajam de qualquer lugar do mundo para qualquer lugar do mundo, quais serão os principais fatores que vão fazer essas pessoas escolherem sua geografia? O seu destino físico? Um lugar para chamar de lar? 

Ilustração: Celyn Brazier

Nessa era, onde o produto físico é cada vez mais comoditizado, a “caça” é cada vez maior por pessoas talentosas – sejam programadores, cientistas, empreendedores, investidores de impacto, ou simplesmente, pessoas com currículos e portfólios de fazer inveja – que possam trabalhar e gerar desenvolvimento econômico para as cidades e para o crescimento de negócios. 

No Brasil, uma pesquisa do instituto Datafolha de 2018 indica que 62% dos brasileiros, entre 16 e 24, anos desejam morar no exterior, o que corresponde a 19 milhões de pessoas, e que eles só não vão por limitações financeiras, e principalmente, por questões legais, pois não é tão simples mudar de país. Lembrando que, essa pesquisa, foi realizada antes da pandemia, e eu gostaria muito de saber se hoje esse desejo aumentou ou arrefeceu.

Mas, e se você tivesse uma renda básica garantida, e mudar de país fosse apenas questão de um clique? Costumo fazer essa pergunta para algumas pessoas e o que geralmente ouço é: “me mudaria AGORA!” Chego até a rir em algumas situações tamanha é a empolgação das pessoas com essa possibilidade, e que, acredito, está prestes a acontecer. 

Com o aumento da longevidade, as pessoas vão trabalhar mais tempo, vão surgir novos interesses, novas demandas e desejos por novas experiências. Por outro lado, com o crescimento da automatização e robotização, fábricas irão gerar cada vez menos empregos; muitos profissionais serão deslocados de suas empresas o que pode impactar na economia das cidades e dos países.

Novas formas de criar valor serão necessárias, como também a necessidade de adequação e de requalificação das pessoas para atuar em outros formatos – prestação de serviços, empreender, freelas – considerando também o preparo para atuar na economia digital e economia criativa. 

Caso a adequação e requalificação das pessoas locais não aconteça, a alternativa será buscar talentos em outras cidades ou países, acirrando a concorrência por talentos no mundo inteiro. Lembrando que, na economia digital, não há necessidade das pessoas mais qualificadas saírem de suas cidades e países, pois o trabalho remoto será cada vez mais amplo.

Acredito que precisamos mudar nosso olhar para ecossistemas mais líquidos, onde a geografia ainda é uma peça importante nesse processo, mas não é tudo. 

E como poderíamos definir um ecossistema líquido? Um modelo de comunidade local que atue muito além das suas fronteiras geográficas e grupos de whatsapp e telegram; um modelo onde a cidade entende que sua geografia não é mais fixa à sua terra, e sim líquida; onde cada pessoa que nasceu naquela cidade a representa, onde quer que esteja, assim extrapolando os serviços para os cidadãos para o mundo digital, e não me refiro apenas aos aplicativos e às facilidades para abrir um negócio online, e sim de geração de valor em todas as áreas da vida, onde quer que ela esteja.

Penso que, na lógica da nova economia globalizada e digital, cabe às cidades ou aos países também pensarem numa lógica diferente de relação com seus habitantes, indo muito além de serviços limitados geograficamente, mas criando e construindo comunidades (que podem ser físicas ou virtuais).

Nessa nova lógica, focando nos ecossistemas de inovação e na “caça” por talentos, não importa mais tanto se a pessoa faz parte de um ecossistema ou de vários, e sim qual o propósito que conecta aquele grupo de pessoas. Não importa para onde eu vá morar, ou trabalhar, já que cada um leva consigo uma herança e uma cultura comum a outros que nasceram ou vivem naquele lugar de origem e isso ninguém muda. É o famoso conceito de amor herdado.

Ao longo de onze anos, pude observar no espaço de coworking que fundei, que a maioria das pessoas que passaram pelo nosso primeiro espaço físico em Fortaleza saíram não para outro prédio, e sim para outras cidades ou países. Ao longo desse tempo, vi que muitos gestores e governantes tentam criar alternativas e também barreiras para isso. Como cearense, sempre pensei que cada um de nós, que vai para outra cidade, pode atuar como uma ponte, ou um pedacinho do Ceará, onde quer que estejamos. Que se de algum lugar pessoas se desenvolvem mais rápido, estão mais felizes, e criam melhor impacto para o mundo, que fiquem nesse lugar! Fortaleza ou qualquer cidade do planeta é muito mais do que um pedaço de terra ou uma área geográfica.  

É preciso investir para melhorar o ambiente de negócios, a infraestrutura da cidade e ajudar o ecossistema local a se desenvolver e prosperar. Busco fazer isso diariamente, mas acredito que precisamos, como ecossistemas, criar uma nova lógica de relacionamento, onde penso que, o ir e vir das pessoas, gera muito mais valor para a cidade natal, já que gera mais conexões, oportunidades de negócios, e trocas de experiências, do que ficar todo mundo fechado em uma ilha.

No caso de migrações, talvez contrapartidas ou algum tipo de contribuição financeira para a cidade natal possa ser uma saída. Para isso, costumo perguntar aos gestores das cidades e desses ecossistemas, quais seriam as vocações que seu ecossistema teriam para atrair pessoas e empresas, quando no futuro, a maioria das indústrias forem digitais, e as pessoas puderem morar e trabalhar de qualquer lugar para qualquer lugar. Líderes de desenvolvimento das cidades, empresas e gestores começam a entender que seus habitantes e colaboradores serão cada vez menos prisioneiros da geografia, e precisam se mover rápido observando as mudanças que estão acontecendo. 

Penso que não apenas nossos ecossistemas de inovação serão mais líquidos, mas também nossas cidades, mesmo considerando que cada cidade no mundo tem uma realidade diferente. E percebo que, o estilo de vida, os ambientes de negócios, e a cultura da cidade têm sido cada vez mais diferenciais para atrair pessoas talentosas para negócios e empresas. 

Um dos grandes diferenciais da empresa do futuro será o destino onde se encontra e o espaço social que cria para a colaboração, aprendizagem, encontros que geram ideias e negócios que apenas o acaso de as pessoas estarem juntas – fisicamente ou remotamente – fez acontecer. 

Nesse novo cenário, em que podemos trabalhar para o mundo, as pessoas não dependem mais da economia local para gerar negócios. 

Mas, em uma era onde supostamente podemos trabalhar de qualquer lugar para qualquer lugar e onde “todo mundo está online”, será que estar na internet não se torna commodity? O que pode ser um diferencial para você? 

Igor Juacaba

Ajuda pessoas e empresas a criar e gerenciar comunidade colaborativas baseadas no trabalho e vida, através do design, inovação futurismo e propósito. Empreendedor, Arquiteto e Futurista, cursado pelo Institute for the future, em Palo Alto, no Silicon Vallley, cofundou iniciativas inovadoras, como coworkings, hubs de inovação, aceleradoras de startups e fundos de investimento. Hoje está como CEO da Elephant Labs, e do movimento Winds for Future.

Ver todos os artigos