Nos últimos anos, o brasileiro tem se interessado cada vez mais em futurismo (ou futurologia), inovação e tecnologia. A própria existência do O Futuro das Coisas é um exemplo de que estamos buscando por mais informação sobre o amanhã e como podemos estar sempre nos aprimorando para o porvir. Mas o que estamos fazendo com esse conhecimento? No país mais ansioso do mundo, faz sentido ter tanta gente pensando no futuro, mas o quanto que essa nossa curiosidade nos alimenta e o quanto ela nos aprisiona?

Em 2019, a caravana de brasileiros que vão até Austin para conferir o festival de inovação SXSW tornou-se a maior entre os estrangeiros. No ano passado, vimos a Singularity University chegar ao Brasil depois de tantos brasileiros irem se formar em empreendedorismo e futurismo na sede americana. Também fomos surpreendidos com a versão brasileira da revista MIT Technology Review depois de acompanhar algumas edições do Wired Festival na promessa de ver a icônica publicação americana sobre tecnologia e cultura pop circulando por aqui.

Festivais como o Path, Hacktown e tantos outros continuam ganhando novas edições para falar sobre cultura, tecnologia e inovação, assim como os TEDx talks se proliferam no país. O que significa tudo isso? À primeira vista, estamos produzindo muito conteúdo sobre esses temas, seja em eventos ou em publicações on e offline, mas o quanto estamos absorvendo de fato essas ideias e provocações no dia a dia das nossas empresas e instituições?

Você já deve ter ouvido o argumento de que não faz sentido ter núcleos de inovação em empresas, que isso deveria ser algo transversal em todas as áreas. Mesmo assim, não é estranho encontrar alguém que atua como diretor de inovação em uma empresa ou então que estejam promovendo uma hackathon ou prêmio em inovação para gente de fora da companhia.

Somos, de fato, um dos países com o sistema bancário mais tecnologicamente avançado se comparado a instituições financeiras europeias que ainda dependem de procedimentos feitos exclusivamente por correio ou presencialmente. Porém, também somos um país que parece preferir ver palestra motivacional, comprar relatório de tendências massivas e mandar os “criativos” para o Web Summit para ver o que há de mais novo sobre o futuro do trabalho e depois ter esses “insights” compartilhados no “escritório do futuro”, que nada mais é do que um galpão decorado com mesas e divisórias.

Disrupção, mundo VUCA e todos seus derivados, novo normal, abundância, exponencialidade, mindset, futurismo, produtividade: todas essas palavras-chave já foram tema ou título de alguma palestra que você deve ter visto na sua empresa ou então em algum evento sobre inovação. Você também pode ter sido convidado a se levantar e fazer alguma dinâmica que movesse seu corpo e mexesse com a sua alma, inspirando-o para a mudança. Mas você mudou?

Até porque, mudar, de fato, não é algo fácil nem em termos psicológicos ou financeiros. Só que em vez de tentar acessar os desafios que uma mudança pode trazer, preferimos continuar louvando o Vale do Silício enquanto permanecemos como Vale do Silêncio — não porque estamos quietos e inativos, mas sim porque somos silenciados, como brilhantemente argumenta Monique Evelle.

Ainda preferimos reservar R$30 mil por “criativo” para mandá-los ao SXSW ver o que tem de mais inovador e contar pra gente aqui. Usamos os exemplos como “cases” em palestras e em propostas comerciais, mas preferimos fechar com alguns palestrantes famosos para falar sobre o mindset do futuro, porque achamos que não estamos preparados ainda para fazer uma experiência imersiva envolvendo atores, projeção mapeada, instalações artísticas e o que mais for necessário para criar uma ambientação que vá além dos banners.

Mas somos inovadores, afinal, presenteamos nossos convidados com Google Cardboard para que possam assistir a um vídeo em 360 graus que propositalmente chamamos de realidade virtual. Distribuímos café de máquina, mas no copinho de mandioca, afinal, inovação está nos pequenos detalhes. E pode estar mesmo, só que é o máximo que o brasileiro pode querer.

Perpetuamente adoecidos pela síndrome de vira-lata, nunca nos sentimos prontos para nada que não seja o mínimo, mas aceitamos pagar altas cifras para assistir de camarote aquilo que o estrangeiro está fazendo, e que a gente nem sonha em tentar superar. É verdade que tudo custa dinheiro, mas você já pôs na ponta da caneta quanto gastou mandando funcionário para evento internacional “pegar referências” que nunca foram aproveitadas além do relatório? Será que você já orçou, de fato, um outro tipo de evento que não fosse uma semana de palestras com coffee break e viu se o valor era assim tão diferente?

Esse ensaio é muito mais uma provocação do que uma solução ou um direcionamento. Já falei sobre isso em outros lugares, quando publiquei esse artigo sobre ficção científica e inovação tecnológica, no sentido de que não foi de uma Ford que saiu o primeiro carro autônomo e que não foi de uma JBS que saiu a primeira carne cultivada em laboratório.

Inovação de verdade difícil mente vem de grandes empresas, afinal, não se mexe em time que está ganhando e nem em fortuna que está rendendo. A diferença, no entanto, poderia aparecer em uma postura menos hipócrita ao se dizer interessado em inovação e tecnologia quando o seu mais arriscado passo é copiar ação estrangeira para tentar um lugar em Cannes e continuar vendendo óleo de lamparina quando já temos um acelerador de partículas à nossa disposição.

Ilustração: Scotty Reifsynder

Lidia Zuin

Lidia Zuin é Jornalista, pesquisadora, professora e futuróloga. Mestre em semiótica, doutora em artes visuais e escritora de ficção científica. Como pesquisadora acadêmica, possui textos publicados em periódicos e livros.

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