“Coopetição é a nova referência que marcas estão definindo em uma tentativa de salvar o mundo”. Esse foi um dos insights que me marcaram muito ao ler recentemente o relatório The Future 100, da Wunderman Thompson Intelligence, confirmando que existe um movimento aparecendo no horizonte no qual a perspectiva de resolver desafios sociais e ambientais globais parece mais viável à medida que as marcas estejam deixando de lado suas diferenças competitivas. Em vez disso, estão unindo-se em missões de salvamento do planeta em grande escala, o chamado Branding Together.

A tendência surge como uma nova forma de liderança, trocando a velha concorrência entre marcas pela tão almejada colaboração. O relatório identifica que os consumidores estão assumindo posições cada vez mais firmes sobre os seus valores e estão exigindo o mesmo das marcas. Como nada é por acaso, esse novo comportamento, me conectou diretamente a outro livro que está na minha cabeceira, “Amar é a Única Revolução”, que trata da força transformadora do amor a partir das ciências, da filosofia e da religião.  Em uma das passagens há a seguinte reflexão: “…se nos mais diversos setores de atividades as pessoas deixarem de interagir primariamente sob o signo do medo e da concorrência a fim de colaborar de modo ´co-criativo´, no melhor sentido da palavra, tornar-se-ia possível muito daquilo que as sociedades até hoje existentes só em sonho ousaram almejar”. Escassez, medo, concorrência, individualidade, ganância, que pautaram as premissas do mundo até hoje, podem, e devem, ser substituídas por abundância, colaboração, cooperação e visão sistêmica.

Parece utopia que marcas concorrentes se juntem em torno de um bem maior? Até então esse movimento soava impossível, mas estamos assistindo a iniciativa privada começar a juntar-se em prol dos principais desafios da humanidade, muitos deles já citados nos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), tais como a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades, a igualdade de gênero, o consumo e produção responsáveis, a energia limpa e acessível, a  ação contra a mudança global do clima, etc..

Só para citar alguns exemplos nesta direção, várias marcas estão se inscrevendo em massa em uma série de pactos climáticos. O mais recente é o Business Alliance for Scaling Climate Solutions (BASCS), lançado em 3 de junho e liderado por grandes empresas como Amazon, Disney, Google, Microsoft, Netflix e Unilever. “A hora da ação climática é agora”, diz Patrick Flynn, chefe de sustentabilidade da Salesforce. “Cada empresa, governo e indivíduo devem enfrentar o desafio urgente das mudanças climáticas e criar um futuro inclusivo e sustentável para todos.”. Outras iniciativas incluem o sindicato da moda circular CircularID com H&M, Target, PVH Corp e The Climate Pledge, liderado pela Amazon e que se posiciona como uma espécie de Acordo de Paris para marcas. Outro exemplo incrível de colaboração é a iniciativa Transform to Net Zero, que pretende desenvolver e fornecer pesquisas, orientações e roteiros implementáveis ​​para permitir que todas as empresas zerem as emissões líquidas, ou seja, as emissões de gases de efeito estufa causadas pelo homem. O mais interessante desta iniciativa é que grandes empresas globais como Microsoft, Natura, Danone, Nike, Unilever, Starbucks e Mercedes-Benz, se juntam nesse compartilhamento de recursos, táticas e estratégias. Aqui a reflexão é que não se trata apenas de juntar forças mas de abrir aquilo que ficava fechado a sete chaves pelas empresas. Agora, as estratégias e soluções são compartilhadas numa espécie de modelo de open source, termo em inglês que quer dizer código aberto. São modelos criados a partir de comunidades engajadas, que partem do princípio do compartilhamento para gerar inovação através de ‘inteligência coletiva’. Inicialmente voltado para a indústria de software, o modelo vêm expandindo-se com princípios econômicos radicalmente diferentes, no quais a propriedade intelectual é aberta.   

Com sinais nessa direção colaborativa, me pergunto se estamos acordando para uma visão e uma inteligência sistêmica onde nos percebemos como parte de um todo?

Lá na década de 80, o escritor Peter Senge já falava em seu livro A Quinta Disciplina, que o pensamento sistêmico era uma das grandes fontes de inovação pois permitia uma perspectiva global sem tratar os processos de forma individual. Segundo ele, o ponto para interpretar a realidade de forma sistêmica seria enxergar círculos de influência, e não de linhas retas. Senge apresentava uma forma diferente de enxergar o mundo, quebrando a ilusão de que nossa realidade seria formada por forças separadas e não relacionadas entre si.

Ao acessar o pensamento sistêmico, uma pessoa tem a possibilidade de vislumbrar um mundo mais amplo de possibilidades e com mais conexões do que as pessoas que pensam de forma apenas linear e mecânica (ainda muito dominante no cotidiano das empresas). Assim, é possível começar a imaginar modelos capazes de integrar vigor econômico com crescimento sustentável, incluindo nessa equação não só a vida das pessoas, mas a longevidade do planeta. Vejo que empresas estão se alinhando nesta direção, inclusive unindo esforços colaborativos que estimulam a inovação. Em maio, por exemplo, a Adidas e a AllBirds revelaram o tênis Futurecraft com “a menor pegada de carbono de todos os tempos”. No Dia da Terra, comemorada em abril, a AllBirds também lançou uma versão do código aberto de sua calculadora de pegada de carbono e escreveu uma carta aberta para algumas das maiores marcas de moda, incluindo Burberry, Nike e Uniqlo, convidando-os a usar a ferramenta Carbon Footprint para medir melhor suas emissões de carbono.

Esse novo “approach” surge essencialmente do mindset das novas gerações. O mesmo relatório da Wunderman Thompson Intelligence aponta que 80% da Geração Z acredita que as marcas deveriam ajudar a melhorar a vida das pessoas e deixar de lado suas diferenças, trabalhando para o bem maior. A pesquisa ainda revela que 86% dos consumidores globais acreditam que todos precisam colaborar para resolver os problemas mundiais. O Branding Together surge, portanto, como um novo valor. Há um verdadeiro clamor para que possamos criar novas narrativas em substituição a esse imaginário egocêntrico e individualista. 

Como caçadora de tendências e pesquisadora de comportamento, cujo ofício consiste em observar, interpretar e relacionar sinais aparentemente desconexos, acho que, de alguma forma, os futuristas fazem uso deste pensamento sistêmico uma vez que o ponto crucial dessa inteligência é a imaginação. A inteligência de ideação engloba a capacidade de termos sonhos ilimitados sobre o que o mundo pode e deve ser. Estarmos conectados a atitude de idealizar um futuro melhor e de enriquecê-lo. Isso envolve o tema da nova liderança já que ao fazer uso da imaginação, líderes podem sonhar e agir em direção à transformação do mundo em um lugar melhor para as gerações atuais e futuras. Visionar sistemicamente pode adicionar algo novo no mundo. Além disso, pode transformar o que já existe em algo diferente e melhor. Em última análise, trata-se de como fazer com que o novo comece a existir. É hora de engravidarmos o futuro com novos futuros. Precisamos urgentemente deixar a narrativa competitiva do uni-verso para acessarmos multi-versos abundantes, colaborativos e plurais. Parafraseando Bob Marley: “Let’s Brand Together and feel all right”! 

Sabina Deweik

Sabina é caçadora de tendências, futurista, pesquisadora, consultora e educadora. Atualmente atua rastreando, digerindo e interpretando sinais de futuro, com palestras, cursos, mentorias e conteúdos para marcas, organizações e empreendedores. Formada em jornalismo pela PUC-SP, tem mestrado em Comunicação e Semiótica também pela PUC e Mestrado em Comunicação de Moda pela Domus Academy, de Milão. É também coach ontológica certificada pela Newfield Network do Chile, atuando em processos de desenvolvimento humano.

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