No Brasil, 120 milhões de pessoas vivem com menos de um salário mínimo. No entanto, juntas movimentaram cerca de R$ 800 bilhões em 2010. Mais de 60% da população brasileira está nas classes C, D e E, sendo que 40% desses cidadãos não tem conta em banco, segundo estudo do Plano CDE em parceria com a FGV. São 80 milhões de pessoas excluídas do sistema financeiro e de todas as oportunidades que esse sistema traz.

Motivada por uma mistura de oportunidade e de necessidade, quase um quarto da população brasileira que está na base da pirâmide, empreende. São mais de 25 milhões de microempreendedores espalhados pelas periferias e favelas das grandes e pequenas cidades que enfrentam uma batalha diária para manter e crescer seus próprios negócios.

Uma das grandes dores do pequeno empreendedor nessa luta é conseguir crédito para fazer investimentos. No caso, o microcrédito, a modalidade de crédito voltada para pessoas de baixa renda, a qual teve início com o Nobel da Paz, Muhammad Yunus, na década de 1980, seria uma alternativa. Mas, segundo o relatório de inclusão financeira do Banco Central de 2015, o valor da carteira de microcrédito foi de apenas R$6,2 bilhões, o que representa 0,2% de todo o Sistema Financeiro Nacional.

Tradicionalmente, quando um microempreendedor precisa de um empréstimo para investir em seu negócio, ele vai ao banco e acaba se deparando com um ambiente restritivo ou discriminatório, altas taxas de juros (4% ao mês em média), e uma burocracia complicada que o impede de evoluir.

A dificuldade fica mais evidente em relação aos empreendedores negros: eles têm três vezes mais dificuldade de conseguir crédito do que empreendedores brancos. Embora o  acesso ao financiamento e a capacidade de gestão sejam desafios para qualquer pessoa que deseje investir no próprio negócio, os afrodescendentes enfrentam dificuldades adicionais devido ao racismo histórico que ainda perdura no Brasil.

Porém, já existem métodos para promover financiamentos a empreendedores de todas as classes sociais e, consequentemente, a inclusão financeira. São os crowdfundings.

Crowdfunding é uma palavra em inglês que ao pé da letra significa financiamento pela multidão. É uma ferramenta valiosa para alavancar um projeto e existe no Brasil desde 2011, representando um caminho possível para qualquer pessoa que queira tirar uma ideia do papel, sem precisar recorrer aos bancos para pedir um empréstimo.

Assim, um empreendedor ou desenvolvedor de uma ideia pode recorrer a um financiamento ou um empréstimo coletivo online, sem precisar passar por situações constrangedoras, sem se preocupar com juros, nem com burocracia, pois o recurso vem da rede através da internet. São os próprios usuários da rede que validam e financiam os projetos.

A proposta é usar a internet para divulgar os detalhes de desenvolvimento do projeto e arrecadar o capital necessário para realizá-lo. Do outro lado, os internautas acessam o conteúdo e decidem se querem ajudar na viabilização, contribuindo com dinheiro.

O setor movimentou 65 bilhões de dólares e criou 270 mil empregos no mundo todo em 2014, segundo a agência Fundable Crowdfunding. O Brasil, movimentou R$ 180 milhões em 2016, viabilizando muitas ideias.

As cinco modalidades de crowdfunding: o dinheiro da multidão  

Nesse movimento coletivo e colaborativo existem cinco formas de captação, sendo quatro já consolidadas e uma ainda insipiente, ligada ao blockchain, que é uma tecnologia disruptiva com um grande potencial de transformação e que terá seu impacto percebido mais no futuro. Doações ou investimentos são possíveis nesse ecossistema. Podemos resumir esses tipos de captação da seguinte forma:

1- Financiamento coletivo de doação

O primeiro e mais antigo deles é o financiamento coletivo de doação. Esse modelo é uma fonte de arrecadação para ONGs e causas pessoais. São projetos de ajuda humanitária e tratamentos médicos financiados por pessoas que não esperam nada em troca. Nessa modalidade, a única recompensa é saber que contribuiu para um bem maior. Em 2017, cerca de R$100 milhões foram movimentados ao todo pelo setor de financiamentos coletivos de doação.

2- Recompensas

O segundo modelo para quem busca participar de um financiamento coletivo, seja contribuindo financeiramente ou na outra ponta viabilizando um projeto, é o de recompensas. Aqui a diferença é que há uma recompensa para quem apoia os projetos. Os apoiadores recebem produtos ou serviços desenvolvidos pelas pessoas que decidiram ajudar. Também existe um contato maior entre financiador e financiado. Geralmente é utilizado para viabilizar projetos criativos, como produções artísticas, cinema, quadrinhos, jogos, projetos jornalísticos e de pesquisa.

Em 2015, uma das grandes do setor de recompensas captou mais de US$ 2 bilhões. Aqui no Brasil, mais de R$40 milhões foram arrecadados em 2016, e a tendência é crescer. Surgido  há menos de 10 anos, esse tipo de financiamento  tem um caminho próprio a ser explorado com possibilidades para inovar com as novas tecnologias. Uma nova tendência é o exemplo do crowdfunding recorrente, geralmente utilizado por produtores de conteúdo para financiarem suas atividades. Quem apoia é quem vê valor no conteúdo gerado e paga para consumir.

3- Equity crowdfunding

A terceira forma de financiamento coletivo, menos difundida do que as duas anteriores é o equity crowdfunding. Nessa modalidade, as empresas captam recursos para viabilizar seus projetos e ganham sócios no percurso. O apoiador, também chamado de investidor, recebe uma porcentagem da empresa que está pedindo o financiamento. Tornando-se sócio, o apoiador participa da distribuição de lucros e pode ter suas ações valorizadas, lucrando se optar por vendê-las um dia. Em contrapartida, deve arcar com suas responsabilidades enquanto sócio caso a empresa não prospere. No Brasil, essa modalidade captou quase R$5 milhões em 2016 e a tendência é aumentar as arrecadações a medida que mais investidores conheçam essa nova opção de ativo.

4- Peer-to-peer (P2P) Lending

O quarto modelo de financiamento coletivo é o Peer-to-peer (P2P) Lending, em português empréstimo de ponto a ponto. É o empréstimo de pessoa para pessoa ou de várias para uma só, por isso também é conhecido como crowdlending (empréstimo coletivo). A plataforma conecta quem precisa de crédito para um negócio com quem está disposto a emprestar. Nesse caso, o apoiador também é visto como investidor pois recebe rendimento financeiro sobre o seu empréstimo. Essa forma coletiva de captação movimentou quase US$30 bilhões globalmente. No Brasil, movimentou R$40 milhões nos últimos dois anos, segundo Fábio Neufeld, fundador de uma das quatro plataformas que atuam no setor. O futuro é promissor, pois segundo uma pesquisa norte-americana, o valor global dessa modalidade pode chegar a US$ 900 bilhões.

O P2P Lending também atende aos anseios do apoiador que quer se tornar um investidor de impacto social. Há plataformas que realizam pequenos empréstimos sem juros para empreendedores de baixa renda: um microcrédito coletivo.

Em todos os outros modelos de financiamento coletivo descritos acima, o impacto social é possível. Como esse ecossistema ainda está em desenvolvimento, poucas são as plataformas voltadas exclusivamente para a base da pirâmide. Quem recebe microcrédito coletivo, também recebe os benefícios da inclusão financeira. No processo de facilitação de microcrédito produtivo orientado, o apoiador ajuda no desenvolvimento de um empreendedor da periferia, com pequenos valores a partir de R$ 25, e recebe seu dinheiro de volta em parcelas. Os apoiadores podem ser considerados, portanto, investidores sociais. Esse modelo de financiamento é uma alternativa para viabilizar o acesso ao crédito para microempreendedores e a realização de novos projetos na periferia.

5- Ofertas Iniciais de Moedas

O quinto e último modelo de captação de recursos é praticado por pouquíssimas pessoas no mundo e para entende-lo é preciso entender  sobre blockchain, uma linguagem de programação que permite criar grandes cadeias de dados. Esses dados ficam distribuídos de forma descentralizada, guardando transações permanentes e à prova de violações. O Bitcoin, cada vez mais debatido pela opinião pública, é programado em cima de blockchain. É uma moeda e um sistema de pagamento em si próprio, mas não é a única: existem hoje mais de 1200 criptomoedas e tokens, transacionadas diariamente.

Ofertas Iniciais de Moedas (Initial Coin Offering), conhecidas como ICOs, são financiamentos coletivos onde os projetos a serem financiados são tecnologias baseadas em blockchain. O diferencial desse modelo é a possibilidade de captar globalmente, através de uma criptomoeda como o Bitcoin ou Ethereum. Cada projeto que faz um ICO tem o potencial para captar dezenas de milhões de dólares de apoiadores investidores espalhados pelo mundo. Mais de US$ 2 bilhões foram levantados por ICOs em 2017.

Essa modalidade de captação coletiva é a mais nova e muito promissora, no entanto, também o são todas as outras modalidades. Todas elas estão sob o guarda-chuva da economia colaborativa. É apenas por conta do trabalho em rede, do cultivo de relações ganha-ganha e de uma mentalidade de abundância que elas são possíveis e por isso são uma tendência.

Mas, as informações a respeito delas precisam ser melhor difundidas no Brasil, e não apenas  nas grandes metrópoles. Muitos projetos ainda sairão do papel através dos diferentes tipos de financiamento coletivo e de plataformas aqui descritas. Com a ajuda dessas tecnologias é possível distribuir a renda entre pessoas para tornar os sonhos de outras em realidade.

Crédito da imagem da capa: Shutterstock

Lemuel Simis

Lemuel é co-fundador e diretor de comunicação da Firgun, uma plataforma de empréstimos coletivos voltada para empreendedores de baixa renda. Lemuel atua há mais de 10 anos com impacto social, é graduado em Relações Públicas e pós-graduado em Gestão de Projetos Sociais.

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