Participamos da incubação de um possível colapso no mercado de trabalho mundial, atribuído aos reflexos da Indústria 4.0. Mas, o debate sobre a 4ª Revolução Industrial vai muito além de previsões sobre os empregos que serão substituídos por robôs ou as profissões que deixarão de existir. Na conjuntura onde novos modelos de negócios estão engolindo potências mundiais, o momento é de adaptação e de posicionamento estratégico, sob pena de riscos irreversíveis.

O futuro do trabalho pode ser promissor para empresas e profissionais que rompem paradigmas e planejam a força de trabalho para o novo momento de empregabilidade mundial.

Quais as demandas humanas e tecnológicas e que perspectivas se desenham para as estruturas de cargos e carreiras no futuro próximo? Conversamos com Adriana Kersting, diretora de RH da SAP Labs Latin America, com Carlos Magni, Diretor de Recursos Humanos do Tribanco e com Cláudio Guenther, Presidente da Stihl, e relacionamos os principais pontos.

Leitura do ambiente competitivo

Há incertezas sobre os competidores e eles não mais se aportam em modelos já consolidados. Adriana Kersting, lembra que iniciativas revolucionárias como Uber, Facebook, MercadoLivre, Alibaba e Airbnb, têm a base de seu negócio em redes de pessoas ao redor do mundo, rompendo com o paradigma de que uma grande potência precisa ter funcionários vinculados diretamente a ela, uma área corporativa física, ativos, equipamentos e investimentos patrimoniais gigantescos indo ao encontro de uma das grandes tendências – o Gig Economy.

É claro que as empresas tradicionais levarão certo tempo para se adaptar a esse novo modelo exemplificado por Kesting: para alguns segmentos, essa transição pode ocorrer com relativa facilidade, mas, para outros, a desmobilização é complexa e arriscada.

Para que se estabeleça um movimento de preparação e de transição, para este novo cenário, Carlos Magni indica quatro etapas de posicionamento para as empresas:

1- Leitura do ambiente competitivo definindo como será o posicionamento no mercado.

2- Assegurar a proteção/priorização do seu core business, a fim de não desviar o foco em um momento de investidores mais ariscos e dinheiro mais raro e caro.

3- Planejamento de força de trabalho (workforce planning), identificando competências indispensáveis e planos para a aquisição ou desenvolvimento destas.

4- Construção de estruturas leves e ágeis em detrimento da busca por soluções concretas e permanentes.

O que já está consagrado é que a capacidade de adaptação não é mais um diferencial competitivo.  Aqueles que não se tornarem promotores de mudanças, questionando suas estruturas e paradigmas constantemente, possivelmente serão deixados para trás.

Autonomia para tomar decisões melhora a produtividade – esse é o novo formato de liderança

“É responsabilidade do líder manter o ambiente próspero para implementação, desenvolvimento e aperfeiçoamento de processos inovadores e sustentáveis de na empresa, além de transmitir a confiança de que as empresas estão trilhando o caminho do futuro no qual as oportunidades e os benefícios superam os riscos e as incertezas. Alinhado com os responsáveis pela tomada de decisão da empresa, o líder conduz observações para oportunidades de melhoria nos processos fabris, além da manutenção da determinação e do bem-estar no trabalho da sua equipe. Mediante este raciocínio, devem ser dadas as chances para pessoas com visão e que primam pela qualidade do serviço oferecido para os clientes.” Isso é o que acredita Cláudio Guenther.

E ele exemplifica: “Na STIHL possuímos o programa IdeiaPlus, que tem como premissa a criação de sugestões de melhorias que podem abranger desde a nossa planta no Brasil, até outras filiais do grupo. Todos os funcionários, tanto da parte fabril, quanto da administrativa, podem criar ideias, e quanto menor for a relação com sua rotina de trabalho, maior a premiação.”  

Para Kersting, os problemas de produtividade estão fortemente relacionados ao modelo hierárquico. Ela aponta que é um desafio sair do paradigma de que as empresas precisam ter um controle sobre as pessoas, e, nas novas organizações, os profissionais têm cada vez mais autonomia, em prol da agilidade e rapidez nas tomadas de decisões:

“Se cada vez que eu tenho que tomar uma decisão eu preciso pedir autorização para um nível superior, que muitas vezes não tem autonomia e precisa recorrer a outro nível, acontece uma perda de tempo, de dinamismo de rapidez na resposta que é gigantesca”.

Em paralelo com as novas concepções estruturais, os modelos hierárquicos também se adaptam. Guenther destaca que o desenvolvimento tecnológico aperfeiçoa a ideia de produtividade, demandando profissionais mais habilitados para agregar e transformar a informação disponível em conhecimento.

Para isso, acrescenta, Kersting, as empresas precisam construir o movimento de autonomia nos times: “As regras para a tomada de decisões não são extintas. É necessário trocar ideias com um expert na área e calcular os riscos, por exemplo. Mas, quando cumpridos esses requisitos, o colaborador precisa saber que tem autonomia. Esse processo, relativamente simples, proporciona um ganho de tempo valioso.”

Ou seja, o papel do líder não será extinto, mas ele migra, gradativamente, para uma função de mentor e facilitador, capaz de trabalhar com times virtuais e desenvolver a autogestão na equipe. Visão compartilhada com Guenther, que acredita na colaboração como um ativo transformador de resultados e competência que deve ser dominada pelos líderes.

Magni indica outras competências que considera fundamentais na liderança:

“Antes mesmo do nível de preparo, o que se espera no mundo cada vez mais VUCA (Volatil, Incerto, Complexo e Ambíguo) são líderes com postura e posicionamento.”

Ele destaca 5 características essenciais:

– integridade inabalável

– atitude corajosa

– capacidade de fazer com excelência

– abertura em ‘duas mãos’

– capacidade de capitalizar a inteligência coletiva

Magni também acredita que devemos utilizar em partes iguais todas as facetas da mente humana:

– capacidade cognitiva

– habilidades sociais

– equilíbrio emocional e espiritual

– inteligência física.

E, ainda, o líder também deve aprimorar sua:

Visão: assegurar um intento claro, compartilhado e compreendido por todos.

Compreensão, análise e síntese: habilidade de parar, enxergar e escutar. Buscar novas perspectivas, permanecendo flexível. Isto porque estamos lidando com um nível de complexidade crescente. A abundância de informação, as fontes de conhecimento, a velocidade de mudanças tecnológicas e econômicas, demandam de líderes uma capacidade gigantesca de simplificar esta complexidade para os demais.

Clareza: trazer sentido ao caos, colaborando com outros e evitando a busca por soluções permanentes. Deve saber ‘tirar sentido’ do mundo.

Agilidade: habilidade de comunicar através de pessoas e organizações muito rapidamente e mover-se de forma veloz na aplicação de soluções. Ter escuta ativa, pensar de forma divergente e estabelecer ganhos incrementais.

Wirearchy: utilizar o poder da rede, das relações, da influência, não mais pela hierarquia.

Engajamento: praticar o entusiasmo, a comunicação permanente e empoderar as pessoas. A era dos líderes solitários ou heróicos acabou.

Adaptabilidade: ter equilíbrio e malícia para lidar com as forças turbulentas e alavancar as vantagens daquelas que puder dominar”.

Inovação com foco em propostas de valor aos clientes

O conceito defendido por Magni aponta para a ascensão e consolidação de uma nova economia, baseada, justamente, em novas propostas de entrega aos clientes, e não apenas baseadas em inovações tecnológicas, mas sim com propostas de valor e posicionamentos definidos junto ao seu segmento.

Guenther alerta para a necessidade de um ambiente propício à implementação, desenvolvimento e aperfeiçoamento de processos inovadores e sustentáveis. Isso acontece através da identificação de lacunas nos processos, manutenção do bem estar da equipe e no investimento em colaboradores com visão direcionada à qualidade do serviço prestado.

De fato, em um mercado apreensivo, acelerado e ansioso, as inovações só se sustentarão se possuírem sólidas bases morais e éticas com respeito ao cliente, ao colaborador, aos fornecedores, aos concorrentes, aos acionistas e a sociedade em geral. 

Novas relações de trabalho e com as organizações

Kersting indica o mote principal dos novos vínculos entre colaborador e organização: relações de confiança.

“O que isso significa? As pessoas não devem estar sob um microgerenciamento diário, elas precisam ter a possibilidade de trabalhar dentro de um modelo onde possam trazer ideias e participar das tomadas de decisões que afetam seu trabalho. Eu não posso querer dentro de uma empresa de tecnologia, como a SAP, que as pessoas busquem inovação se eu as coloco em uma caixa, com horário fixo de entrada, de intervalo e de saída, sem tempo para a criatividade. Não é coerente se eu quero que elas sejam criativas!”.

Então, o desafio das empresas é se transformar em um ambiente inspirador para um novo perfil profissional, já que as novas gerações não aceitam mais trabalhar em um ambiente ultrapassado, com altos níveis de controle, hierarquias rígidas, alto nível de competitividade, com decisões centralizadas e work life balance (equilíbrio entre vida pessoal e profissional).

Em síntese o que os três C-levels nos indicam é que a expectativa de um futuro 4.0,  traz na sua bagagem boas oportunidades para aqueles que: 1) tiverem a capacidade de fazer uma leitura adequada das exigências deste novo cenário; 2) ampliarem o foco no seu cliente – quer seja ele o cliente final ou a organização que você trabalha, que assume também o status de cliente em um mercado Gyg Economy, e 3) tiverem condições de fazer uma boa transição e adaptação para um modelo com maior aderência às novas exigências deste mercado.

Marcus Ronsoni

Diretor Presidente da SBDC – Sociedade Brasileira de Desenvolvimento Comportamental, Doutorando em Psicologia Social – Universidade Kennidy / Arg. – Facilitador Líder do Programa de Educação Empreendedora Empretec –(PNUD / UNCTAD / SEBRAE / ABC ).

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