Apesar do cenário adverso trazido pela pandemia, a mudança radical que diversas empresas sofreram na sua principal forma de trabalho (do presencial para o remoto) certamente mostrava um lado positivo.

O tão sonhado home office, considerado um dos principais desejos dos colaboradores no mercado de trabalho moderno, finalmente deixaria de ser considerado a exceção e passaria a ser a regra. Do dia para a noite, empresas e pessoas tiveram que se adaptar a uma nova dinâmica de trabalho à distância.

Se este foi o seu caso, é bem provável que nos primeiros dias você tenha imaginado diversas atividades que seriam encaixadas no seu tempo livre. Por não precisar se deslocar, passar tanto tempo no engarrafamento ou mesmo se arrumando para sair, você poderia dedicar mais tempo à leitura, para atividade física, ao seu lazer, para cozinhar, para cuidar da casa e até mesmo ficar mais tempo com a família.

Essa foi a expectativa de muitas pessoas há dois anos, no início do período de isolamento social, bastante alinhada com a ideia preexistente de que a flexibilidade de horários se tornaria realidade, ainda que de forma abrupta e por um motivo negativo de força maior.

No entanto, poucos meses após o início desse verdadeiro experimento social, observamos que, na prática, as coisas acabaram saindo de forma um pouco diferente, ao menos para uma esmagadora maioria. Os relatos eram de maior cansaço, esgotamento, mais horas na frente do computador trabalhando, perda de produtividade e muitas outras dificuldades.

Mais recentemente, as empresas iniciaram o processo de retorno aos escritórios físicos. Algumas decidiram abandonar de vez o modelo presencial e tornaram-se 100% remotas, enquanto outras decidiram adotar o chamado modelo híbrido (alguns dias remoto, outros presenciais).

Ter a possibilidade de trabalhar alguns dias de casa e outros dias no escritório parecia, mais uma vez, ser o melhor dos mundos: flexibilidade, possibilidade de adaptação da rotina pessoal e profissional, mas também ter momentos em contato com os colegas de trabalho e com a vida no escritório, o que certamente fez bastante falta durante o período mais crítico da pandemia.

O comportamento humano é repleto de nuances e é preciso ter um olhar atento para identificar possíveis desencontros. O que parecia ser o modelo perfeito mais uma vez nos surpreende com dados (ainda que iniciais, visto que tudo é bastante recente) um pouco inesperados e, ao mesmo tempo, preocupantes.

Uma pesquisa global realizada pela empresa Tinypulse mostrou que mais de 80% dos líderes e em torno de 72% dos colaboradores entrevistados afirmaram que o trabalho híbrido é mais exaustivo  emocionalmente, em comparação com o trabalho remoto e, até mesmo, em comparação com o trabalho presencial. Outra pesquisa realizada pela mesma empresa, em maio de 2021, mostrou que 83% dos entrevistados queriam trabalhar de forma híbrida depois da pandemia.

Então, o que pode estar dando errado? Por que seguimos exaustos?

Abaixo, resumi três aspectos do comportamento humano, fundamentados pela Neurociência, e que devemos levar em consideração nessa discussão:

1) Autonomia e flexibilidade

A principal premissa do trabalho remoto ou híbrido é a flexibilidade e a autonomia dada ao colaborador para que possa ajustar sua rotina de trabalho, equilibrando demandas e metas profissionais com aspectos da sua vida pessoal. A autonomia é um dos principais motivadores humanos, pois ela transmite a percepção de segurança e controle da sua própria rotina. Ambos elementos aumentam nosso bem-estar emocional e reduzem o estresse.

No entanto, o que vemos no trabalho remoto atual é um excesso de monitoramento, interrupções e uma agenda de reuniões tão lotada que não há espaço para o almoço e nem mesmo para executar o próprio trabalho com qualidade. Já no modelo híbrido da maioria das empresas, simplesmente foi definido um número de dias na semana no qual os colaboradores devem estar presencialmente e, em muitos casos, os dias são fixos. 

Segundo uma pesquisa realizada pela plataforma de comunicação Slack, 66% dos executivos entrevistados afirmam que o planejamento do modelo de trabalho pós pandemia está sendo desenhado com pouca ou nenhuma participação dos colaboradores, ou seja, as empresas não estão mantendo diálogo com suas equipes para co-construir o melhor modelo de trabalho.

Repare apenas que, atualmente, seja no modelo remoto ou híbrido, não há de fato a possibilidade de se usufruir de maneira genuína da tal flexibilidade e da autonomia da escolha. As pessoas seguem com rotinas abarrotadas de atividades, tentando encaixar vida pessoal nas brechas da vida profissional ou lutando para mudar, dia sim dia não, o seu local de trabalho e toda a organização necessária para fazer tudo isso funcionar. Além de realmente exaustivo, esses modelos geram expectativas de uma maior autonomia e flexibilidade que não se concretizam, gerando frustração e muito estresse.

2) Gestão do tempo e tomada de decisão

Nosso cérebro é repleto de vieses inconscientes que dificultam nossa tomada de decisão diária, especialmente quando o assunto é gestão do tempo. Procrastinamos aquelas atividades indesejadas e deixamos o trabalho árduo para a última hora. Gastamos tempo e energia com atividades corriqueiras e pouco importantes, ao invés de focarmos naquilo que realmente é uma prioridade, simplesmente porque as atividades corriqueiras são mais fáceis e rápidas de serem solucionadas.

Ficamos angustiados com as tarefas inacabadas e, com isso, perdemos foco e passamos horas num looping infinito de pensamentos que dissipam nosso precioso tempo de maneira improdutiva. E esses são apenas alguns exemplos de processos inconscientes que dificultam nossa gestão do tempo.

No entanto, para trabalharmos com autonomia e flexibilidade, precisamos exercitar nossa habilidade de autogestão, planejamento e organização. Pessoas e empresas irão se beneficiar de uma compreensão mais profunda e de técnicas que nos ajudam a trabalhar de maneira mais produtiva e focada, respeitando e, principalmente, reconhecendo os limites do comportamento humano.

Desenvolver essas habilidades significa aprender uma nova forma de nos relacionar com o trabalho, abandonando padrões antigos de comportamento e adotando novas práticas que estão mais alinhadas com os desafios atuais. De maneira geral, não estamos preparados para isso, não adquirimos essas habilidades ao longo da nossa vida estudantil ou mesmo profissional, e, por isso, notamos muito estresse, ansiedade e conflitos que podem ser solucionados com esses novos aprendizados e mudança de mentalidade.

3) Mudanças de hábitos pessoais e organizacionais

Embora já estejamos vivenciando essas mudanças nos modelos de trabalho há vários meses, sentimos ainda uma grande resistência e dificuldade de adaptação, tanto das pessoas quanto das empresas. Os relatos e desafios seguem bem parecidos com os de dois anos atrás: carga de trabalho excessiva, comunicação ineficiente, processos pouco adequados a rotina remota/híbrida, líderes despreparados, estresse, fadiga etc.

Uma vez que os novos modelos de trabalho vieram para ficar, precisamos urgentemente de uma mudança de mentalidade, incluindo o desenvolvimento de novas habilidades e novos acordos que tornem o trabalho produtivo, saudável e sustentável.

Não funciona só transferir as práticas do escritório físico para o ambiente virtual (ou vice versa), são necessárias adaptações, especialmente no nosso comportamento. Nossos rituais de trabalho quando estamos no escritório, em casa, ou quando estamos alternando casa e escritório, são bastante distintos e precisam ser otimizados para a nova realidade. Caso contrário, é como se estivéssemos tentando encaixar um quadrado dentro de um círculo.

Fazemos muito esforço para levar a rotina do escritório para dentro de casa, ou ao contrário, saímos do nosso mindset de trabalho remoto direto para o open office da empresa. Será que isso faz mesmo sentido? Os dados preliminares das pesquisas indicam que não. Precisamos discutir de forma coletiva qual modelo de trabalho se encaixa melhor diante da cultura da empresa, natureza das atividades, perfil dos colaboradores e de suas lideranças.

Quando e por que é produtivo ir para o escritório? Quando o trabalho remoto funciona melhor? O que entendemos como modelo híbrido e como ele realmente pode ser implementado?

Para responder essas perguntas será necessário abandonar antigos hábitos e construir novos, processos que exigem tempo, estratégia e resiliência, pois são naturalmente custosos para o nosso cérebro. Os três fatores acima contribuem para o fenômeno que estamos observando atualmente, no qual, independente do modelo de trabalho, as pessoas seguem esgotadas emocionalmente.

As empresas estão em constante mudança, buscando o modelo mais produtivo e sustentável para os seus negócios e se deparando constantemente com obstáculos provenientes das surpresas do comportamento humano. O problema com o qual estamos lidando parece mais profundo e estrutural do que simplesmente se o trabalho será feito de casa, do escritório ou ambos.

Ilustração da capa: Glenn Harvey

Thais Gameiro

Thaís Gameiros é Mestre e Doutora em Neurociência, especializada em Neurobiologia do estresse e bem-estar e sócia da Nêmesis Neurociência Organizacional.

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