Não se sabe como surgiu, mas, durante a Guerra Civil dos Estados Unidos, no século XIX, uma expressão se tornou muito popular, que poderia ser traduzida como:

Fulano viu o elefante

Utilizada principalmente por soldados de baixa patente em campo de batalha, essa expressão foi perdendo força e gradualmente se tornando de entendimento cada vez mais hermético, restrito a praticamente historiadores e apreciadores de romances históricos ambientados neste contexto.

Sempre utilizada em sentido negativo, a expressão basicamente se referia a pessoas que haviam ido para a frente de combate pela primeira vez ou quando se adquiria experiência mediante um alto custo, que provavelmente não valia a pena. Em ambos os casos, fica clara aqui a ideia de uma experiência ruim, a qual ninguém gostaria de passar.

A origem desse dito, como em muitos outros populares, provavelmente vem da mera observação de fatos corriqueiros do cotidiano. Mais especificamente, referindo-se a um tempo no qual animais tidos como exóticos por não pertencerem à fauna nativa do público eram as principais atrações circenses. Mais notadamente, leões, tigres, gorilas e elefantes.

Sua negatividade se refere à percepção de ser muito frequente a presença de um elefante num circo gerar grandes expectativas na plateia, ansiosa por ver o animal de grandes proporções, mas que dificilmente esse público pagaria para ver um elefante novamente, ainda que de outro circo. Assim, aplicando-se a lógica de mercado sobre atrações circenses, tem-se a conclusão, seja ela equivocada ou não, que pagar para ver um elefante é sempre uma experiência frustrante.

“Infelizmente, temos outro elefante aqui na sala” (Cartoon: Andrew Genn)

Se olharmos para o mercado de trabalho, também existem muitos elefantes nele. Segundo última pesquisa global do Instituto Gallup, apenas 20% dos trabalhadores se sentem engajados no trabalho. A pesquisa também revelou que o estresse diário dos trabalhadores atingiu o recorde de 43% em 2020. Já uma pesquisa de 2015 da Isma Brasil (International Stress Management Association) mostrou que 72% das pessoas estão insatisfeitas com o trabalho e 63% dos casos de insatisfação são atribuídos a problemas de relacionamento interpessoal.

Considerando-se o agravamento da economia e desemprego com a pandemia, jogando outros tantos trabalhadores para a informalidade, essas taxas certamente são hoje ainda maiores. A pesquisa Bem-Estar Trabalhista, Felicidade e Pandemia, da FGV Social, mostra que o Brasil teve uma grande queda de felicidade reportada de 2014 a 2018, uma das três maiores do mundo, e, durante a pandemia, teve metade dessa grande queda em apenas um ano. O autor do estudo, Marcelo Neri, explica que um grande determinante do processo foi a perda de postos de trabalho, que “gerou essa perda de bem-estar objetivo, que por sua vez, anda junto com as medidas de felicidade”.

E se esse número não for alarmante para você, deveria ser.

De acordo com a OMS, a depressão no meio corporativo pode ser a segunda maior causa de afastamento de profissionais, um problema recorrente nos mais diversos setores empresariais e de prestação de serviços, sejam eles públicos ou privados. E afastamentos recorrentes representam iminentes quedas de produtividade e, geralmente, qualidade daquilo que é ofertado. E se a percepção do produto ou serviço for negativa, pode-se dizer que o cliente sentirá que “viu um elefante”, procurando então outras empresas e serviços que sinta serem mais capazes e qualificadas.

Apesar da relação direta, colocar a culpa no trabalhador gera diversos problemas éticos. Entre eles, a imputação de culpa por problemas de saúde advindos de condições socioeconômicas complexas, como se, ao ocupar um posto de trabalho, o indivíduo passasse a ser menos humano e mais engrenagem de uma máquina que não pode deixar de funcionar, tampouco ser avariada; como se máquinas também não sofressem de problemas técnicos de tempos em tempos (razão pela qual existe depreciação no valor de ferramentas de trabalho, como se aprende no primeiro semestre de qualquer graduação de Ciências Contábeis).

Os problemas sociais e econômicos não podem ser resolvidos, a priori, exceto em casos excepcionais, pela dita mão invisível do mercado, como pretendem reformistas do pensamento liberal, fugindo muitas vezes às ideias de John Locke e Adam Smith, e por isso frequentemente ganhando a alcunha de neoliberais. Dentro da ideia de contrato social, todas as ações do Estado devem partir de seus dois papéis fundamentais, a partir dos quais todos os demais emanam: papel propositivo e papel regulador, cujos termos já centram em si mesmos suas funções para com a sociedade.

Nenhum empresário, em sã consciência, quer deixar o ambiente de trabalho em condições de precariedade, seja na infraestrutura ou na salubridade física e mental para seus funcionários. Um ambiente mais acolhedor, mais diverso, com gestores e líderes que inspiram confiança e com uma remuneração digna tende a deixar as pessoas mais motivadas. Não só a produtividade, como a qualidade daquilo que é ofertado tenderá a crescer.

Principalmente nas grandes cidades, a perspectiva de bem-estar, conforto e salubridade às vezes tem sido subvertida em prol de ambientes de trabalho lúdicos e de confortos supérfluos, como se a felicidade e a satisfação no trabalho se limitasse ao ambiente em si e não aos fatores que podem tornar o trabalho estressante. Pois mesmo que o profissional ocupe um cargo que sempre foi o seu sonho, o ambiente de trabalho pode ser capaz de tornar este sonho um pesadelo.

Então como mudar este cenário para que as pessoas não sintam que “viram o elefante”, o que inevitavelmente se refletirá nos clientes em algum momento?

Um bom primeiro passo é entender as demandas dos colaboradores de forma que eles se sintam à vontade. Usando da sabedoria popular, que dita que “as pessoas somente são verdadeiras quando usam uma máscara”, enquetes que preservem o anonimato podem ser uma boa saída para o gestor que queira entender as dores e melhorar os índices de satisfação de seu time, e com isso gerar maiores ganhos.

O psicólogo pode e deve ter seu lugar principalmente se o quadro de funcionários for grande, tendo papel necessário para a manutenção prévia de colapsos emocionais.

Uma medida essencial, porém, é a questão salarial. Reconhecimento e conforto, por si só, não pagam contas e nem compram comida; mas um pagamento digno, se possível acima do feito pela concorrência, garantirá trabalhadores mais felizes e motivados. Algo essencial, sobretudo em setores que envolvem atendimento ao público ou exijam alta concentração ou controle de qualidade feito pelos próprios funcionários.

Diminuir a preocupação com problemas pessoais também é possível quando se fornece planos de saúde familiares, sendo este um poderoso amortizador de preocupações cotidianas de muitos brasileiros.

Acima de tudo, é vital que líderes e gestores tenham em mente que, quanto mais colaboradores tiver a empresa, maior impacto social terá; e, portanto, são responsáveis diretos por todas as consequências positivas e negativas que sua esfera de influência exercerá. Um papel social primordial que cabe às empresas é o de cuidar daqueles que produzem.

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Jean Gabriel Alamo

Jean Gabriel Álamo cursou Letras pela UFJF, é editor-chefe da Revista Literatura Fantástica e autor de um universo literário com 18 obras já publicadas de Fantasia, Ficção Científica e Terror que se encontra em constante expansão, tendo como maiores sucessos a série fix-up "Feiticeiro de Aluguel" (2019 - atualmente), "Admirável Roça Nova: Um Conto de Cybercoronelismo" (2020) e "Poder Absoluto" (2017).

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