Antes do início das Olimpíadas, o que mais se falou nas redes sociais durante a semana passada foi sobre a ida de Jeff Bezos ao espaço, depois de Richard Branson ter feito o mesmo. A tríade de empresários Bezos-Branson-Musk tem definido essa nova corrida espacial conhecida entre os especialistas como New Space – isto é, a entrada de negócios privados ao setor espacial. Não só estes mas outros empresários como Peter Diamandis já estão se organizando em torno de negócios espaciais como mineração de asteroides, assim entendendo que a próxima fronteira é, de fato, o espaço.

Contudo, nem todas as pessoas ficaram felizes com a notícia. Já se observa que essas viagens espaciais deixam uma pegada de carbono preocupante, em especial se for utilizando o mesmo método de Richard Branson pela Virgin Galactic. No caso de Bezos, a Blue Origin tem uma abordagem menos poluente, uma vez que o combustível usado é hidrogênio e oxigênio líquidos – quando ativados, eles emitem vapor de água em vez de CO2. Por outro lado, é emblemático ver que os próprios bilionários estejam fazendo parte da tripulação: mais do que um movimento egocêntrico, é também uma grande jornada de marketing, afinal, enviar uma pessoa que “vale” bilhões de dólares ao espaço não é algo pequeno e trivial.

Mas será que as cifras empreendidas em tais projetos valem mesmo a pena? O senador Bernie Sanders, por exemplo, tuitou que enquanto americanos estão tendo dificuldade em pagar por comida e ir a um médico, esses bilionários estão indo para o espaço – ainda mais motivo para taxar suas fortunas, portanto. Por outro lado, Bezos argumenta que é necessário que pessoas como ele, isto é, bilionárias, usem sua fortuna para empreitadas que podem parecer exageradas a priori, mas que serão de extrema importância em seu legado para o futuro. 

É nesse ponto que normalmente entramos no fatídico questionamento sobre o motivo pelo qual esses bilionários não estão investindo em problemas mundanos como a fome, a crise climática, os refugiados, a pobreza etc. A verdade é que muitas dessas empresas, de fato, têm iniciativas que visam a esse tipo de objetivo, mas isso não significa que sua missão seja, de fato, corrigir esses problemas senão apenas amenizá-los

A recente fala do dono da Riachuelo, que aponta que taxar as fortunas poderia ser uma forma de reduzir a desigualdade, mas que, por outro lado, acarretaria no empobrecimento ou até mesmo fuga dos ricos brasileiros, diz muito sobre esse raciocínio.

Nunca foi sobre a descoberta de uma panaceia para a pobreza e desigualdade, mesmo porque, hoje já contamos com uma estatística de que o 1% mais rico do mundo tem mais que o dobro de riqueza do que 6,9 bilhões de pessoas juntas. Ainda que a qualidade de vida tenha aumentado devido ao desenvolvimento tecnológico e científico, isso não significa que aqueles que já estavam no topo não subiram ainda mais em direção ao pico máximo.

Contudo, é importante lembrar também uma outra perspectiva proposta pelo físico Michio Kaku em seu livro “A Física do Futuro”: a tendência da tecnologia é se tornar cada vez mais barata e acessível conforme ela avança – é o que também sugere a Lei de Moore. Para Kaku, isso acontece em quatro estágios: primeiro, a tecnologia é algo tão inacessível que nem mesmo os mais ricos conseguem desfrutar dela, mas, depois, aqueles que têm condições financeiras poderão pagar pelo acesso; em um terceiro estágio, os preços começam a despencar e a tecnologia começa a ser democratizada antes de, finalmente, tornar-se algo trivial ou até mesmo decorativo. 

Tanto Kaku quanto Alexey Dodsworth em sua tese de doutorado “Ethics and Metaphysics of Transhumanism” trazem como exemplo disso o caso da eletricidade: primeiro, ela era inacessível e restrita a laboratórios, mas depois tornou-se disponível àqueles que podiam pagar seu alto preço; mais tarde, a eletricidade ficou acessível por muito menos até que, finalmente, tornou-se tão barata que qualquer um pode desfrutá-la. Segundo Dodsworth, esse mesmo princípio também se aplica à medicina e demais indústrias, o que nos leva a crer que o mesmo deve ocorrer com o acesso ao espaço.

Porém, vale ainda ressaltar ainda um outro lado dessa história: “Bilionários que se ergueram sozinhos acreditam que a vida é uma meritocracia e que eles se tornaram ricos porque são superiores a todos os outros”, escreveu Geoffrey James em um artigo para a Inc.com. Esse tipo de crença faz com que eles pensem estar acima da lei e com uma autoconfiança extrema.

O fato inegável de que eles podem comprar praticamente qualquer coisa que queiram se transforma na crença de que eles podem conquistar tudo que quiserem.” (Geoffrey James)

Para que esse 1% mais rico viesse a existir, foi necessário deixar para trás os 99% restantes. Quando Bezos agradeceu aos funcionários e compradores da Amazon por proporcionarem sua viagem ao espaço, é possível de se pensar que ele até tenha sido humilde, mas a verdade é que, enquanto ele gastava 27 milhões para passar cinco minutos em suspensão no espaço, quase metade da humanidade tem sobrevivido com menos de 5,50 dólar por dia

O problema, então, talvez não seja tanto o fato de esses bilionários terem ido ao espaço, afinal, dada a chance, muita gente também optaria por vivenciar essa experiência. A questão é que, a princípio, bilionários são uma aberração econômica, política e mesmo moral. 

O ultraje diante desse tipo de empreitada é profundo porque estamos falando de uma desigualdade tão acirrada que é capaz de somar apenas 1% de mais ricos. Se tivéssemos esses dados mais equilibrados, isto é, se a desigualdade social fosse menor, será que ficaríamos assim tão ofendidos pelos cinco minutos que esses bilionários passaram no espaço?

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Lidia Zuin

Lidia Zuin é Jornalista, pesquisadora, professora e futuróloga. Mestre em semiótica, doutora em artes visuais e escritora de ficção científica. Como pesquisadora acadêmica, possui textos publicados em periódicos e livros.

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