Você sabe o que os robôs adoram? “Eles” – máquinas, algoritmos e softwares –  gostam e são maravilhosos em coletar e processar dados, em executar trabalhos repetitivos, em fazer várias coisas simultaneamente e, melhor de tudo – nossa “invejinha branca” – nunca se cansam.

Mas, que bom que nos cansamos. Justifico já esse ponto de vista.

Nós, humanos, também temos habilidades incomparáveis, difíceis de automatizar ou robotizar. Contudo, andamos por aí preocupados, seja o médico, o professor ou o motorista de caminhão.

Diante da preocupação – moderada ou exagerada – de que que softwares, algoritmos e máquinas possam assumir parte dos nossos empregos no futuro próximo, aparecem especialistas dando conselhos sobre como se preparar para essa transição. Boa parte das orientações concentra-se em querer que você domine habilidades que os robôs supostamente não conseguirão superar.

“Quanto mais habilidades, conhecimentos e experiências você tiver, menor a probabilidade de você ser substituído ou automatizado, então desenvolva tudo o que puder desenvolver, o mais rápido que puder”, recomendam alguns experts. Talvez essa abordagem não seja a mais sustentável, especialmente se você considerar a natureza mutante do trabalho, tornando habilidades obsoletas.

Alguns especialistas se concentram em duas classes de habilidades que podem supostamente distinguir as pessoas das máquinas: a sociabilidade e a adaptabilidade.

Adam Waytz, psicólogo e professor na Kellogg School of Management da Universidade Northwestern, argumenta no entanto, que a nossa busca por desenvolver essas duas classes de habilidades pode nos levar ao esgotamento, deixando-nos ainda mais vulneráveis ​​à obsolescência.

Em seu livro “The Power of Human” (W.W. Norton, 2019), Waytz discute a importância da humanidade em um mundo cada vez mais sem isso e aborda estas duas habilidades.

Semelhante à inteligência socioemocional, sociabilidade significa compreender as emoções dos outros e analisar situações a partir de pontos de vista alternativos, o que os psicólogos sociais chamam de Tomada de Perspectiva.

A sociabilidade é um conjunto de habilidades que permite um entrosamento (e colaboração) empático com nossos colegas, parceiros e clientes, e muitas organizações consideram-na uma prioridade para o desenvolvimento dos seus colaboradores.

A pressão para que os profissionais desenvolvam a sociabilidade – cada vez maior agora que a empatia se tornou uma palavra de ordem corporativa – pode, em parte, ser uma resposta à ascensão da automação. Numa pesquisa que Waytz realizou junto com o professor de marketing da Harvard Business School, Michael Norton, eles descobriram que as pessoas são particularmente avessas a robôs com habilidades socioemocionais, mas se sentem confortáveis ​​com os que têm habilidades analíticas.

Adaptabilidade é o segundo conjunto de habilidades que os especialistas nos recomendam desenvolver na era da automação. É a nossa capacidade de sermos mais flexíveis, de gerenciar mudanças no trabalho. Assim como os robôs são extremamente bons em fazer a mesma coisa repetidas vezes, deveríamos supor logicamente, que os humanos deveriam ser mais dinâmicos.

Mas, o que é adaptabilidade ou pensamento adaptativo na prática?

Envolve três habilidades:

Primeiro, responder a situações raras ou inesperadas, o que Waytz chama de outliers. As pessoas tendem a fazer isso de maneira mais eficiente que as máquinas. Ele cita o exemplo da Tesla, que recentemente tentou automatizar 100% sua linha de montagem, mas descobriu que seus robôs não conseguiam lidar com “orientações inesperadas”, o que exigia a atenção e o suporte dos funcionários.

As outras duas manifestações da adaptabilidade – multitarefa e aprendizagem – não são habilidades novas, mas assumem uma maior urgência à medida que a pressão aumenta para que as pessoas trabalhem mais rapidamente e permaneçam relevantes nesse cenário de automação.

Apesar das evidências de que trabalhos que exigem sociabilidade e adaptabilidade possam a princípio parecer mais significativos e mais motivadores, Waytz argumenta que aplicar essas habilidades, de forma incessante, é desgastante.

Trabalhos que exigem altos níveis de sociabilidade – como por exemplo, enfermagem, veterinária e atendimento ao cliente – são alguns dos mais suscetíveis ao burnout e ao que os psicólogos chamam de compassion fatigue (fadiga por compaixão), e que acabam por prejudicar o desempenho e aumentar a rotatividade dos funcionários.

Trabalhos que exigem bastante adaptabilidade – aqueles em que precisamos lidar com o inesperado ou realizar muitas atividades simultaneamente – podem ser igualmente estressantes, com consequências negativas para o desempenho no trabalho e na rotatividade.

O lazer como diferencial

As qualidades e habilidades que nos diferenciam das máquinas, são às vezes tão desgastantes, que o lazer é cada vez mais necessário.

Aqueles que se sentem ameaçados devem relaxar? Sim, esse é o argumento de Waytz; não porque estejamos livres de ameaças, mas porque a preocupação tende a piorar as coisas e o lazer pode realmente ser uma vantagem competitiva.

De forma crescente, as empresas estão reconhecendo a importância do lazer para prevenir o burnout – forçando os colaboradores a tirar férias, dando-lhes mais tempo livre e flexibilizando o trabalho remoto.

Há efeitos negativos de uma cultura de trabalho incessante. Essa cultura pode ser nociva, ao mesmo tempo que a pressão para a sociabilidade e a adaptabilidade torna o trabalho mais exaustivo. O lazer pode atenuar os efeitos de esgotamento.

Os benefícios de uma mente que “flana”

Além de aliviar o estresse, o lazer tem uma função adicional na era da automação. Em si é uma atividade que os robôs não podem realizar, e pode realmente nos tornar melhores pensadores e profissionais.

Waytz entrevistou diversas pessoas na indústria de tecnologia para suas pesquisas sobre as consequências psicológicas da automação, e uma das perguntas era: “O que um humano pode fazer que um robô não consegue?” A sua resposta favorita veio de um capitalista de risco em empresas de inteligência artificial: “A mente de um robô não pode vagar.”

Esta é a vantagem que temos sobre os robôs, enquanto eles permanecem sempre na ativa.

Várias linhas de pesquisa sugerem que a distração mental está associada a benefícios cognitivos específicos. Um estudo mostrou que adultos com déficit de atenção e hiperatividade, cujas mentes conseguem se afastar temporariamente de tarefas, têm melhor desempenho que adultos sem TDAH em atividades criativas como artes visuais.

Em outra pesquisa, participantes que fizeram duas vezes um teste de criatividade simples (por exemplo, “quantos usos você pode criar para um clipe de papel?”) tiveram melhor desempenho na segunda vez após receberem uma tarefa simples antes de retomar o teste. Eles trouxeram ideias mais originais na segunda vez.

O que explica essas descobertas? Estudos recentes conduzidos pelo psicólogo Meghan Meyer (e com coautoria de Waytz) sugerem uma possível resposta. Eles descobriram que pessoas altamente bem-sucedidas em atividades criativas são melhores em pensar além do aqui e agora (presente) e mostram uma maior atividade neural em regiões do cérebro envolvidas nesse tipo de pensamento.

Em outras palavras, pessoas altamente criativas conseguem pensar profundamente em diferentes pontos no tempo (passado e presente), diferentes lugares e realidades alternativas.

O que isso tem a ver com os benefícios cognitivos do lazer?

Quando incentivamos nossas mentes a vagar, as atividades que fazemos nesses momentos de lazer nos tiram da nossa realidade presente, o que, por sua vez, podem ampliar nossa capacidade de gerar novas ideias ou modos de pensar, algo que os robôs não experimentam.

Waytz compara quando você desliga uma máquina para reinicializá-la: isso simplesmente simula o que nós humanos entendemos como “sono”. O lazer é mais do que isso. Quando deixamos nossa mente afastar-se do trabalho, retornamos às nossas tarefas capazes de enfrentá-las de maneiras mais inventiva e criativa. O lazer pode transcender e blindar as qualidades que diferenciam os humanos das máquinas.

Imagem da capa: Catello Gragnaniello

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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