Depois de seis anos, Beyoncé retorna com um novo álbum recentemente anunciado. Renaissance foi noticiado com o lançamento do single “Break My Soul”, o qual foi eleito pelos fãs como o hino da Great Resignation.

O fenômeno recebeu esse nome ao identificar a grande quantidade de pessoas (geralmente trabalhadores mais jovens, como os Millennials e a Geração Z) que estão pedindo demissão pelo menos desde 2021. Ainda que em alguns países, como o Brasil, a taxa de desemprego possa ser alarmante, há em todo o mundo uma movimentação de pessoas que estão optando por deixar seus empregos por motivos como estresse e burnout.

Em uma pesquisa feita pela Deloitte, 40% dos entrevistados sugeriram que planejam pedir demissão em até dois anos, sendo que a maioria atua em profissões que se relacionam com o consumidor. Não é surpreendente se pensar que esses dados foram levantados nesses últimos dois anos de pandemia, nos quais houve, justamente, uma saturação de demanda por parte desses profissionais.

O site Dazed chegou a noticiar a música como um hino anticapitalista. Apesar de muitas vezes o realismo capitalista se apropriar até mesmo das críticas e da resistência para transformá-las em produto, Beyoncé não é exatamente a nova encarnação de Marx. Mas é sempre divertido ver os fãs de música pop transformando as divas em ícones comunistas depois de elas terem falado ou feito algo que foi simplesmente sensato – vide memes com a Britney Spears.

O que Beyoncé está dialogando em “Break my soul” é simples e direto: não vou me destruir por causa de um emprego; pedi demissão e agora estou atrás de algo que faça sentido e que me traga felicidade. Apesar de a máxima “trabalhe com o que ama e nunca ame mais nada” ser bastante realista, a ideia aqui é entender que não faz mais sentido se esgotar e se destruir por conta de um emprego.

E é aí que entra a diferença entre emprego e trabalho. Quando tratamos do futuro do trabalho, por exemplo, já deixamos claro que não estamos falando de empregos: vários destes estão deixando de existir, substituídos por automação, novas tecnologias ou simplesmente novas estratégias. 

A correlação que fazemos automaticamente é que o desaparecimento de empregos significa a redução de oportunidade de trabalho, porém, a verdade é que tem muito trabalho a ser feito e uma grande demanda por profissionais em setores como serviços. Contudo, o setor de serviços é justamente um setor que entra em contato com o consumidor e que, portanto, é uma área extremamente desgastante para um trabalhador que pode não estar sendo bem pago e apoiado.

Mesmo com a promessa dos chatbots, a tecnologia não foi suficiente para suprimir a demanda do consumidor. Já falei sobre isso por aqui, quando escrevi sobre a relação entre inovação tecnológica de precariado. Acontece que esses profissionais estão reagindo à situação, daí gerando a Great Resignation.

Enquanto nas redes sociais as pessoas brincam que elas vão pedir demissão de seus empregos porque a Beyoncé mandou, a verdade é que uma artista com a plataforma que ela tem, de fato, possui poder de influência sobre o comportamento das pessoas. E essa é uma relação mútua.

Para Nick Bunker, economista no site Indeed, a música “Break My Soul” marca, justamente, esse momento de “maior conscientização pública ou discussão sobre as pessoas pedindo demissão de seus empregos, o que é reflexo do que está acontecendo no mercado de trabalho e na sociedade atualmente.” Mas, ao mesmo tempo em que a cantora registra um fato, ela também acaba gerando inspiração por ser, acima de tudo, um ícone cultural.

Segundo Terri Lyne Carrington, fundadora e diretora artística do Berklee Institute of Jazz and Gender Justice, o fato de Beyoncé estar usando sua plataforma para falar de assuntos tão importantes demonstra sua responsabilidade em dialogar com as gerações mais jovens. Sua mensagem e influência são tão fortes que não seria exagero dizer que Beyoncé pode criar um efeito de reação em cadeia da mesma forma que seu single “Formation”, de 2016, fez com relação a tópicos como feminismo e racismo.

Nos anos 1970, também o punk trazia em suas canções versos que faziam crítica ao capitalismo e à maneira como o mercado de trabalho funcionava. Dentre os exemplos mais famosos está a canção “Problems” do Sex Pistols, que diz: “Eat your heart out on a plastic tray/You don’t do what you want/Then you’ll fade away/You won’t find me working nine to five/ It’s too much fun being alive/I’m using my feet for my human machine/You won’t find me living for the screen/Are you lonely? All needs catered/You got your brains dehydrated” (coma seu coração em uma bandeja de plástico/você não sabe o que quer, então você irá desaparecer/você não me verá trabalhando das nove às cinco/é muito mais divertido estar vivo/estou usando meus pés para minha máquina humana/você não me verá vivendo pela tela/está sozinho?/todas as necessidades suprimidas, seu cérebro fica desidratado).

Ao mesmo tempo, na Alemanha, Byung Chul-Han fala sobre como hoje não é necessariamente nosso chefe quem cobra por produtividade, mas sim como nós exigimos excelência de nós mesmos, sem a necessidade de uma fiscalização externa. Se uma ideia como essa chega ao nível da cultura pop para fazer parte de uma música de cantoras do calibre de Beyoncé, é porque este é um problema que está realmente gritante e urgente.

Nos estudos dos futuros, é comum que pesquisadores mapeiem comportamentos emergentes nas “bordas” (ou fringes, como prefere Amy Webb) para entender o que está por vir. Com o tempo, esses sinais se tornam “mainstream”: está todo mundo falando, está na cultura pop e na mídia de massa. No futuro, esse tema se tornará legado para um novo momento em que estaremos vivendo. 

É fato que o ciclo de renovação do trabalho está tardando, mas parece que estamos amadurecendo a discussão das bordas para o centro, o que significa um maior fôlego para uma mudança que pode contornar os problemas que a Great Resignation está causando para as empresas e o que estas estão devolvendo a seus funcionários.

Ilustração: Malika Favre

Vagas Limitadas. Início 5 de Setembro. Clique aqui.

Lidia Zuin

Lidia Zuin é Jornalista, pesquisadora, professora e futuróloga. Mestre em semiótica, doutora em artes visuais e escritora de ficção científica. Como pesquisadora acadêmica, possui textos publicados em periódicos e livros.

Ver todos os artigos