O efeito-vizinhança – conceito das ciências econômicas e sociais – considera que as interações de uma pessoa com outras, em um determinado local ou ambiente, têm influência direta ou indireta em seu comportamento, atitudes e intenções. Pressupõe que pessoas que estão próximas se comunicam e interagem mais entre si do que aquelas que estão distantes.

Muitos estudiosos consideram o livro de William Julius Wilson, “The Truly Disadvantaged” (“Os verdadeiramente desfavorecidos”), de 1987, a “bíblia” dos estudos sobre o efeito-vizinhança. A teoria de Wilson sugere que viver em um local, por exemplo, afetado pela pobreza, repercute no indivíduo ao longo de sua vida em relação à sua autossuficiência econômica, capacidade cognitiva, saúde e bem-estar. O livro tem sido base para diversas outras pesquisas, particularmente na educação, investigando os impactos do efeito-vizinhança sobre o desempenho de aprendizagem. Mais recentemente, esse efeito também tem sido estudado no mercado de trabalho, na ciência política, na Epidemiologia, na Gerontologia, na Psicologia, na Saúde Pública e no Desenho Urbano.

Michael Arena, autor de Adaptive Space (2018) aplica esse conceito para o trabalho remoto e híbrido. E também ele observa que tem tido uma grande mudança na forma como as empresas estão encarando o capital social.

Se o capital humano é o conjunto de habilidades, experiências e conhecimentos, o capital social é o quão bem podemos impulsionar essas capacidades e competências por meio de conexões com outras pessoas e outros grupos.

No contexto do trabalho remoto ou híbrido, que exige interações e colaborações virtuais, apenas o capital humano não é mais suficiente. A habilidade de nos conectarmos passa a ser a pedra fundamental para alcançarmos resultados no nosso trabalho.

Há dois tipos principais de capital social: conexão e ponte.

A “conexão” facilita as interações entre as pessoas. Cada membro da equipe interage ativamente com todos os outros; todos estão altamente interconectados.

A “ponte” facilita as interações e conexões entre times ou grupos. Por exemplo, quando um membro da equipe atua como ponte para outra equipe. Nesse caso, pode-se dizer que essa pessoa seja forte em construir “pontes”.

A “conexão” permite que os membros de um time avancem de forma coesa, iterando rapidamente, compartilhando ideias, questionando suposições e cocriando produtos e processos, em um ambiente de trocas e de confiança. Há uma maior produtividade e melhor aprendizado tácito entre os colegas.

Já a “ponte” possibilita o acesso a recursos e informações externas à equipe, criando um canal para trocas e geração de novas ideias e insights.

Compreender as duas nuances de capital social nunca foi tão importante quanto agora.

Arena traz o exemplo de uma grande empresa de engenharia. No início da pandemia, com 700 colaboradores, a empresa possuía uma densa rede de conexões (Figura 1) dentro de vários grupos funcionais (destacados pelas várias cores de pessoas que estão fortemente conectadas). A rede também contava com um capital de “ponte” muito forte.

Figura 1. Capital Social no início da pandemia

Ao longo dos primeiros meses da pandemia, essa empresa parecia funcionar muito bem no novo formato de trabalho remoto. Estava bem posicionada para prosseguir suas inovações por ter amplo acesso a informações e ideias (capital “ponte”), e tinha um capital de “conexões sólidas” que facilitava a execução das tarefas e a colocação em prática das novas ideias. No entanto, o prolongado distanciamento social e a desconexão ao longo dos meses impactou nas trocas e colaborações.

A pesquisa de Xiaochen Angela Zhang & Yoon Hi Sung sugere que as pessoas normalmente conseguem sustentar o capital de “conexão” no trabalho remoto. No início da pandemia foi o que aconteceu. Como mostra o artigo The Implications of Working Without an Office, o capital de “conexão” aumentou quase 40% entre colaboradores que eram próximos. No entanto, com o passar do tempo, a exaustão, a rotatividade de funcionários e os atritos, fizeram com que essas conexões começassem a se romper, caindo mais de 25% em relação ao pico. Já o capital de “ponte” se deteriorou imediatamente durante os primeiros meses da pandemia, quase 30% no exemplo do artigo de Clive Thompson para o The New York Times.

Essa erosão do capital social é ilustrada na Figura 2. A mesma grande empresa de engenharia, ao longo de 12 meses de trabalho remoto, viu sua rede perder “conexões” e “pontes”. Parece ter havido uma fragmentação em algumas funções e grupos se separaram. A combinação da perda de “pontes” e a fragmentação dentro dos grupos criou uma rede com clusters, e com mais vazios.

Figura 2. A erosão do capital social

A perda de conexão social faz com que essa empresa agora precise se esforçar para ultrapassar os vazios e conseguir se comunicar e compartilhar abertamente ideias e informações.

À medida que surgem clusters, com interações limitadas e isoladas, esses grupos tornam-se mais separados uns dos outros e do propósito organizacional. A pesquisa da Reward Gateway revelou que profissionais de RH acreditam que os colaboradores estão 41% menos conectados aos colegas e 32% menos conectados ao propósito da organização. Essa falta de conexão pode estar contribuindo para o fenômeno Great Resignation. A pesquisa mostrou que uma organização mais fragmentada socialmente impacta na resiliência e capacidade adaptativa, limitando o crescimento.

À medida que “conexões” e “pontes” vão enfraquecendo e as interações ficam mais restritas, uma empresa pode ver minguar a geração de novas ideias e insights. A deterioração das relações e conexões também impacta no isolamento das pessoas, na diminuição da confiança e na colaboração.

Compreender o efeito-vizinhança e suas implicações no trabalho híbrido é crucial para líderes, gestores e profissionais de RH. Eles devem facilitar intencionalmente a construção de conexões e de pontes, abrangendo os vazios da rede entre “as vizinhanças”. E também devem restaurar as conexões locais que alimentam a confiança e o aprendizado tácito.

No contexto de trabalho híbrido e cultura “remote-first”, desenvolver o capital humano continua sendo essencial, mas será preciso se concentrar muito mais em quão bem as pessoas estão socialmente conectadas para alavancar suas habilidades, experiências e conhecimento, o que impactará a sustentabilidade dos negócios e suas próprias carreiras.

Entendendo o desafio que líderes, gestores e profissionais de RH têm com a implementação do trabalho híbrido/remoto, criamos o Conexão Remota, com 6 encontros ao vivo e online, que trará conteúdo inédito, interações e trocas para fortalecer a comunicação e as relações com os times. Início em 18 de junho de 2022. Inscreva-se aqui.

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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