Saudades de ouvir a voz de um ente querido ou ter aquela conversa que não aconteceu com uma pessoa que já se foi? Quanto você daria para ouvir novamente aquela história contada pela sua mãe ou avó enquanto os seus olhos pesavam com o embarque num sono seguro? Ou ouvir o seu pai cantando aquela música que te emociona até hoje?

Parece ficção, mas empresas já trabalham e criam réplicas de vozes e até de personalidades de quem já morreu. É a volta dos que já foram: novos tempos de metaverso e de inteligência artificial. Se você não sabe ainda o que é o metaverso, seria bom se informar, porque o mundo está de mudança e em zeptosegundos você pode ficar para trás. Lembre-se: quando a mensagem nos incomoda, é sempre mais fácil criticar o mensageiro.

As novas tecnologias escancaram um oceano mudanças que mostram seus avanços exponenciais frente à nossa forma de pensar, ainda tão rasa e linear: alongamento de telômeros, sequenciamento de genoma, bio-digitalização, clonagem de voz e simulação de personalidade. Existem limites éticos para a busca da imortalidade?

O Mind Bank Al, por exemplo, é uma plataforma digital que usa algoritmos de aprendizagem estruturados, e que por meio de perguntas direcionadas, vai desenhando e aprofundando o seu perfil, construindo uma espécie de “gêmeo digital” seu. O aspecto mais desconcertante do programa é que ele não acumula simplesmente os dados: as respostas são analisadas sob vários ângulos e propriedades relacionadas às emoções, sentimentos e personalidade, como se desse uma espiadinha dentro da sua cabeça para compreender a sua forma de pensar! Assustador ou instigante? Pense no autoconhecimento que isso pode proporcionar!

O site My Heritage, que conta com uma enorme base de dados globais para a busca de antepassados e para desenho de árvore genealógica, com o Deep Nostalgia realiza gratuitamente a animação de fotos antigas: qual seria a sua reação ao receber hoje uma foto de seu falecido avô te desejando um feliz aniversário? Reconfortante ou perturbador?

A Amazon, que não poderia ficar de fora dessa onda, anunciou recentemente um novo recurso que poderá fazer deepfake de voz de qualquer pessoa, inclusive daquelas que já não estão mais por aqui. No exemplo apresentado este ano, na conferência anual da empresa em Las Vegas, um áudio foi usado para criar a voz de uma avó já falecida que lê uma história para o neto. A ideia por trás é que a tecnologia ajude a nos conectarmos com entes queridos que já faleceram: tenso ou intenso? Reconfortante eu diria.

Na internet o deepfake já é utilizado há algum tempo. Usando a inteligência artificial, criam vídeos falsos com pegada realista de pessoas fazendo coisas improváveis em lugares nos quais nunca estiveram, contribuindo para ampliar a zona cinzenta entre o branco e preto de nossa noção de ética e muitas vezes, de estética. Sem contar os impactos que tal tecnologia pode causar quando usada com fins de manipulação política, mas esse é outro assunto. Ou não?

Quer outro exemplo polêmico? O emocionante documentário sobre o chefe de cozinha norte americano Anthony Bourdain, Roadrunner, foi criticado por usar inteligência artificial para recriar a sua voz, trazendo algumas frases que ele havia escrito, mas nunca dito em público. Eu assisti e gostei muito: se ele escreveu, imagino que não se importaria em ter as palavras colocadas na sua boca, literalmente. Mas nem todos concordam, nem a esposa.

A empresa Here We Holo anuncia no próprio site a possibilidade de falar com as pessoas no próprio funeral, projetando um holograma em tamanho real, uma forma criativa de emocionar ou até de descontrair as pessoas em um momento tão delicado: já imaginou estar no seu velório contando casos e divertindo as pessoas para suavizar o momento? Talvez fosse a minha escolha, embora pudesse parecer de mau gosto para muitos. Gosto não se discute.

Ainda nesse tema, se uma aparição em tamanho real parece exagerada, talvez a tecnologia através do uso de óculos de realidade virtual como a realizada pela empresa sul coreana Vivo seja mais atrativa. Foi ela que proporcionou o emocionante encontro virtual entre mãe e filha, possível graças à incorporação da criança a um avatar digital usando fotos e lembranças, permitindo que a mãe pudesse dizer o quanto a amava e sentia a sua falta. Isso talvez comprove que nem sempre o uso da tecnologia seja sinônimo de frieza ou falta de sensibilidade.

A velhice e a morte vêm sendo tratadas como tabus. Controladores que somos, ambas ainda nos escapam. O metaverso e a IA nos trazem uma nova chance de imortalidade, porém, temos que controlar nossos rastros digitais, vestígios concretos do que somos.

Imagem da capa: Andrew Brumagen

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Fran Winandy

Fran Winandy é pesquisadora, consultora e especialista em Diversidade Etária e Etarismo, autora do livro: “Etarismo, um novo nome para um velho preconceito” Editora Gulliver, 2021. Também é psicóloga com MBA em RH e Mestrado em Administração de Empresas. Conduz programas de Diversidade Etária, Integração Geracional, Mentorias para a Longevidade, Pós Trabalho e Transição de Carreira.

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