Empoderar pessoas que talvez nunca tenham se sentido úteis na vida. Plantar uma sementinha do empreendedorismo em pessoas que jamais teriam acesso a isso. Essa é a missão de José Michel, 64, e de sua esposa Alice. Desde julho do ano passado, eles dedicam três dias na semana para ensinar a pacientes dependentes químicos no Hospital Psiquiátrico Pinel, em São Paulo, a colocar a mão na massa e construir algum objeto do zero:

Quando a gente vê pessoas largadas na rua, sob efeito de drogas, muitas vezes esquecemos que são seres humanos como nós. Aquelas pessoas que a gente vê como zumbis pelas ruas, são só pessoas que em algum momento fizeram uma escolha errada, mas cada uma delas tem um passado cheio de experiências, habilidades e talentos que não deveriam estar sendo desperdiçados”, diz.

Hobista e maker desde a infância, Michel, que é engenheiro civil pela FAAP, iniciou sua carreira como executivo de corporações como Banco Itaú, Confab e Petróleo Ipiranga. Se tornou multi empreendedor aos 37 anos fundando a Poly Easy, E2 Solar e AM Tel, respectivamente fabricantes de tubulações plásticas, equipamentos de energia solar, e produtos para telecomunicações. Em 2006, decidiu se dedicar exclusivamente ao Movimento Maker. Fundou o Engenho Maker e coletivo Dr. Maker, responsável pelas oficinas terapêuticas.

José Michel e Alice no Hospital Psiquiátrico Pinel.

Para Michel, as oficinas trouxeram um novo significado para os pacientes. O projeto, que começou com os dependentes químicos, hoje também atende mães de pacientes com autismo e pacientes com outros transtornos mentais, como esquizofrenia. Esse projeto dará origem a um estudo científico para investigar o real impacto das oficinas na saúde e no comportamento social dos pacientes e funcionários do hospital.

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A entrevista abaixo com José Michel faz parte do projeto Brasil 2022 composto de breves conversas com membros da sociedade civil, que acreditamos podem inspirar nesse momento turbulento e de incertezas que o nosso país está passando. Os convidados vão falar o que desejam para o país nos próximos quatro anos e o que vão fazer para contribuir na construção desse futuro. O nosso objetivo é que esses relatos estimulem mais pessoas a protagonizarem transformações na sociedade atual, mudando a realidade presente.

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1- Qual futuro você quer para o Brasil nos próximos quatro anos?

A humanidade vem se adaptando às mudanças trazidas pela informática e pela tecnologia. Essas mudanças, abriram canais completamente novos de informação e relacionamento. Informação abundante e novos canais de relacionamento, sempre causaram mudanças de eras civilizatórias, cada um no seu tempo e na sua escala.

Vejo essas mudanças impactando e transformando tudo que conhecemos até agora sobre Educação. Dou como exemplo, a inacreditável politização do brasileiro. Não importa por qual motivo o brasileiro se aproximou da política, ou quais são as suas afinidades ideológicas ou pragmáticas. O fato é que o brasileiro já reconhece mais políticos do que jogadores de futebol. E isso vai ter um enorme impacto nas transformações sociais que se anunciam. As ações de sustentabilidade, os incríveis empreendedores sociais, a visão de uma nova economia colaborativa e compartilhada, começaram a transformar as sociedades de maneira bastante positiva, apesar de tantas ameaças.

Vejo também o surgimento de novas formas, muito positivas de liderança, que se aproveitarão dos avanços da Educação, contrariamente aos antigos líderes que se aproveitaram exatamente da ignorância que eles próprios, criminosamente, causavam.

Estou bastante otimista, inclusive com o Brasil. O que vivo no meu dia a dia, próximo a jovens de todas as idades, na obsessão de mudar o mundo, renova as minhas esperanças, e vai renovar a forma como fomos governados até então. Estamos às portas de novas formas de governo onde os anseios individuais perderão espaço para os sonhos e anseios coletivos. Dos locais aos globais.

2- O que você vai fazer para ajudar a construir esse futuro?

Há aproximadamente 12 anos, vendi minhas empresas industriais, e passei a me dedicar, junto com minha mulher, ao Movimento Maker. Estudamos, viajamos, observamos, palestramos, ativamos e vivenciamos o nascimento desse movimento e sua rápida progressão. Achamos nossa vocação há aproximadamente dois anos, ao implantar as primeiras oficinas terapêuticas maker, para dependentes químicos, mães de autistas e autistas.

Nosso makerspace dentro de um hospital psiquiátrico público, vem mostrando a força do Movimento Maker e do “faça você mesmo” nestes espectros. Creio que foi o primeiro do mundo a levar cortadoras laser e impressoras 3D para um hospital psiquiátrico.

Vemos num futuro próximo, nosso trabalho se multiplicando e se consolidando em outros hospitais e para várias finalidades terapêuticas. Para isso nos dedicamos 25 horas por dia, oito dias por semana! Acredito que, como na educação, também na saúde, o Movimento Maker chegou para mudar. Vendo seus efeitos, abrangência e o encantamento dos novos makers, muitos saídos da cracolândia e da situação de moradores de rua, é muito difícil ser pessimista.

Para ver a entrevista com Chicko Sousa, acesse aqui e com a Silvana Bahia, acesse aqui.

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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