Alegoria, analogia, voz, música, movimento, imagem, surrealismo, estranhamento… Vídeo, podcast, leitura, escrita, desenho, cinestesia… Pesquisadores e educadores têm buscado entender como as pessoas aprendem melhor.

Sabemos que cada pessoa aprende de uma forma única. O aprendizado é individual e revela características pessoais, de personalidade, cognição, habilidades, educação, fatores genéticos e a forma como compreende o mundo ao seu redor. Alguns demoram mais para aprender que outros, ou preferem fazer anotações do que simplesmente assistir (e ouvir) uma palestra ou uma aula. Tem pessoas que têm dificuldade em entender teorias, mas conseguem bons resultados a partir da prática.

O professor neozelandês Neil Fleming, classificou cinco estilos de aprendizagem: visual, cinestésico, auditivo, leitura e escrita. É o chamado método Vark. Cada pessoa se adapta melhor a um desses cinco estilos. Se você absorve melhor o conhecimento visualmente, tende a preferir que haja ilustrações, imagens, gráficos, infográficos, tabelas, mapas e videoaulas durante o processo de aprendizagem.  

Para nós, que atuamos com experiências de aprendizagem e educação corporativa, entender como os adultos retém informações, as absorvem, aprendem melhor e compartilham, tem sido objeto de investigação.

Quando vamos criar uma experiência, por exemplo, para dois mil colaboradores, temos que diagnosticar como eles aprendem para contemplarmos quais serão os estilos e formatos que se adaptam melhor.

Cheguei a um novo estudo, publicado na American Psychological Association, que mostra que a forma como recebemos as informações tem um efeito significativo sobre quão intuitivos ou analíticos iremos processar e ter um melhor desempenho.

A mesma informação lida ou ouvida, mas com impactos diferentes

Pela manhã, eu li no feed de um jornal notícias alarmantes sobre uma epidemia que está se alastrando. Simplesmente ignorei e esqueci o assunto. Mas quando ouvi exatamente a mesma notícia no rádio, levei muito à sério. Poderia ter sido o contrário: li e fui impactada, ouvi e não dei importância.

Esse é apenas um exemplo. Claramente, a informação sobre a epidemia é séria, é um problema de saúde pública, mas, de acordo com esse estudo, pode ter um impacto em maior ou menor grau, pela modalidade – ler ou ouvir – que alguém recebe a informação.

Basicamente, aprendemos ou consumimos informações lendo, ouvindo e assistindo. Tem gente que prefere ouvir um podcast para se atualizar sobre um assunto; tem gente que prefere ler um artigo sobre o mesmo assunto.

Esse estudo mostrou que, se achávamos que a maneira como processamos e pensamos sobre uma nova informação ou um novo conhecimento deve-se apenas no conteúdo em si, não importa se foi lido ou ouvido, essa simples escolha de modalidade tem um impacto sobre como raciocinamos.

A dupla de pesquisadores, em um artigo para a Psyche, explicaram que quando pensamos sobre algo, estamos confiando em nossa intuição ou estamos usando algum processo de pensamento analítico. Intuições são aquelas sensações e instintos rápidos que temos sem fazer muito esforço e são úteis em situações em que precisamos rapidamente tomar decisões.

Da mesma forma, quando conhecemos alguém pela primeira vez, geralmente a gente confia na nossa intuição pra definir se gosta ou não dessa pessoa e se pode confiar nela. Já o pensamento analítico envolve processos mentais que requerem um esforço mais consciente. Avaliamos cuidadosamente as informações antes de chegar a uma conclusão, segundo os dois.

Respostas intuitivas e respostas analíticas

Os pesquisadores começaram investigando se os participantes desse estudo estariam pensando intuitivamente ou analiticamente, fazendo perguntas como por exemplo:

“O pai de Ana tem cinco filhas: Lala, Lele, Lili e Lolo. Qual é o nome da quinta filha?”

A resposta que intuitivamente vinha à mente era “Lulu”. Mas se alguém respondesse “Ana”, provavelmente estaria pensando de forma mais analítica, fazendo uma reflexão mais cuidadosa.

As pessoas eram mais propensas a responder intuitivamente – ou seja, a dar uma resposta aparentemente óbvia, mas incorreta – quando ouviam os problemas em comparação quando os liam.

Os pesquisadores observaram isso também em enunciados tipo:

Quantas espécies de animais Moisés levou na arca?”

A pergunta está errada, pois na história bíblica, não foi Moisés, mas Noé quem construiu a arca. Os respondentes eram mais propensos a detectar o erro quando liam o problema do que quando o ouviam.

Eles também eram mais propensos a solucionar corretamente problemas de lógica quando liam do que quando ouviam. Por exemplo, os pesquisadores perguntaram se o seguinte argumento seria logicamente válido:

Algumas plantas são verdes. Todas as gramíneas são plantas. Portanto, algumas gramas são verdes.”

Embora a conclusão seja verdadeira, o argumento é inválido, pois não decorre logicamente das duas premissas.

A intuição, movida pelo sentimento de veracidade da conclusão, entra em conflito com o processo analítico. Quando os participantes ouviam esses quebra-cabeças lógicos em vez de lê-los, pareciam ser mais levados pela intuição e, consequentemente, menos propensos a identificar a falha no argumento.

Mas seria realmente a modalidade – ler versus ouvir – que nos impacta diferentemente?

“Talvez a razão pela qual as pessoas resolvam problemas de forma mais analítica quando leem não seja a modalidade em si, mas sim a apresentação e o detalhamento das informações. Quando leem, podem demorar e, se quiserem, podem voltar; quando ouvem, não conseguem fazer isso, eles dependem da memória do que ouviram”, supuseram os pesquisadores.

Para confirmar essa suposição, eles resolveram apresentar as informações de forma mais consistente e detalhada nas duas modalidades. Imitando a maneira como a informação audível é transmitida, apresentaram a informação escrita em pequenos pedaços, onde cada pedaço desaparecia assim que o próximo surgisse. Isso impossibilitava as pessoas a voltar para reler. Mas os resultados foram os mesmos, independentemente da apresentação das informações.

Por que, então, ouvir e ler podem envolver diferentes processos de pensamento?

Pode haver vários motivos, mas, na opinião dos pesquisadores, está relacionado principalmente à forma como aprendemos a falar a língua nativa: na infância, de forma espontânea e sem esforço. Em outras palavras, intuitivamente.

Diferentemente, aprender a ler é menos espontâneo. Acontece mais tarde, em um ambiente formal, e requer muito mais esforço e prática. Assim, ouvir e ler envolvem diferentes processos mentais desde a infância.

Com a prática da leitura, durante os anos escolares e de formação profissional, podemos ficar ainda mais condicionados a pensar de forma relativamente analítica quando estamos lendo, além de colocar um pouco mais de esforço mental, em comparação com quando ouvimos.

A partir da fase adulta, segundo eles, a intuição pode ser especialmente proeminente quando estamos processando soluções a partir da informação ou problema que ouvimos, enquanto as ferramentas analíticas estão mais disponíveis quando o enunciado do problema está escrito.

Essas descobertas têm implicações práticas para a nossa vida cotidiana, bem como para campos como Direito e a Medicina. “Imagine um juiz que lê ou ouve os argumentos de um caso que precisa julgar. Ele avaliaria o que está escrito de forma diferente do que se ouvisse? Da mesma forma, considere uma paciente lendo na internet sobre os riscos associados a um novo medicamento – ou pedindo a sua assistente de voz para informá-la. Será que os pacientes decidiriam de forma diferente dependendo de lerem ou ouvirem sobre os riscos?” As descobertas sugerem que sim, assegura a dupla.

As descobertas têm implicações importantes para o campo pedagógico e, no nosso caso, para a andragogia: como as modalidades de linguagem que usamos nas experiências de aprendizagem podem sensibilizar e influenciar melhor a absorção de um novo conhecimento, a colocação em prática desse conhecimento e a motivação para compartilhá-lo com outras pessoas?

Em que caso ou momento devemos optar por materiais e recursos escritos e falados, já que essa escolha influencia o pensamento intuitivo e o pensamento analítico?

Se estivermos considerando um tópico complexo e controverso, onde o entendimento para uma criar uma solução ou uma direção seja esperada, estrategicamente a leitura seria melhor?

Em experiências para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, onde queremos deliberadamente deixar a intuição e o sentimento emergirem, vamos optar pela escuta?

Esse estudo joga luz nas experiências de aprendizagem que dependem de materiais linguísticos e em campos onde o pensamento analítico é fundamental, como negócios, dados, letramento digital e pensamento em futuros (aqui também envolve pensamento intuitivo e imaginativo). Ou onde o pensamento intuitivo seja importante, como o desenvolvimento da criatividade, da empatia, da comunicação e da conexão.

Listening speaks to our intuition while reading promotes analytic thought.

Geipel, J., & Keysar, B. (2023). Journal of Experimental Psychology: General, 152(4), 1054 – 1068: https://doi.org/10.1037/xge0001316

Abstract:

É amplamente aceito que o pensamento independe da modalidade de linguagem porque um argumento é logicamente válido ou inválido, independentemente de o lermos ou ouvirmos. Isso é dado como certo em áreas como psicologia, medicina e direito. Em contraste à essa suposição, demonstramos que pensar a partir de informações faladas leva a um desempenho mais intuitivo em comparação com pensar a partir de informações escritas. Consequentemente, propomos que as pessoas pensam mais intuitivamente na modalidade falada e mais analiticamente na modalidade escrita. Esse efeito foi robusto em cinco experimentos (N = 1.243), em uma ampla gama de tarefas que envolveu o pensamento, desde perguntas simples e triviais até silogismos complexos, e observou-se em dois idiomas diferentes, inglês e chinês. Mostramos que esse efeito é consistente com descobertas neurocientíficas e propomos que a dependência de modalidade pode resultar de como as modalidades de linguagem emergem no desenvolvimento humano e são usadas ao longo da vida. Essa descoberta lança uma nova luz sobre a maneira como a linguagem influencia o pensamento e tem implicações importantes para pesquisas que dependem de materiais linguísticos e para domínios em que o pensamento e o raciocínio são centrais, como direito, medicina e negócios. (PsycInfo Database Record (c) 2023 APA, todos os direitos reservados)

Ilustração da capa: Gapingvoid Culture Design Group

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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