Empatia e altruísmo são traços humanos primordiais. Desenvolvemos o instinto de compartilhar em função da escassez e sazonalidade de recursos que nossos antepassados tiveram que lidar. Esse comportamento não é exclusivo a nós humanos. Um estudo publicado na revista Current Biology, em março, mostra que ratinhos treinados para puxar alavancas e conseguir um torrão de açúcar, se caso uma delas atingir e machucar outro rato, eles escolhem outra alavanca, mesmo que tenha duas vezes menos açúcar.

Essa descoberta levantou a seguinte questão: os ratos estão realmente sendo altruístas, ou estão fazendo isso para amenizar o próprio sofrimento, já que ficam ansiosos quando vêem outro ser machucado com a alavanca? Ao parar, estão ajudando o outro rato, ou estão ajudando a si próprios? Esta é uma pergunta intrigante. O coautor do estudo, Christian Keysers, do Instituto Holandês de Neurociência, concorda que a questão é complexa, embora argumente que as razões pelas quais as pessoas fazem boas ações também são complexas. Qualquer que seja a motivação, Keysers considera fascinante que o impulso de evitar machucar os outros tenha pelo menos 93 milhões de anos, ou seja, quando humanos e ratos começaram a divergir na árvore evolutiva. “Em um mundo tão cheio de conflitos, talvez seja reconfortante que haja algo tão antigo em nossa biologia” que, em última análise, promova a paz.”, comemora.

A aversão ao dano é uma característica humana regulada por uma parte do cérebro chamada córtex cingulado anterior (ACC). Experiências anteriores mostram que o ACC também controla esse comportamento em ratos. Mas, esta é a primeira vez que os cientistas descobrem que o ACC é necessário para a repulsão a danos em espécies não humanas. Essa semelhança entre cérebros humanos e de ratos “é super empolgante” segundo Keysers por sugerir que prevenir danos a outras pessoas está profundamente enraizada na história evolutiva dos mamíferos e que circuitos neurais de empatia e do altruísmo provavelmente existem há milhões de anos.

Quando compartilhamos nossos recursos para ajudar outra pessoa, ela recebe, além da ajuda, um impulso de dopamina de um circuito neural central que recompensa todos os eventos positivos e inesperados. Esse impulso neuroquímico evoca uma boa sensação, um alívio momentâneo da busca. Esse mesmo circuito também recompensa o doador, incentivando-o a repetir esse comportamento em tempos de incerteza vindouros”, explica Peter Sterling, professor de neurociência da escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia e autor de What Is Health?”

E aquelas pessoas para quem compartilhar não é um valor nem um prazer? Elas são numerosas, portanto, “devemos tentar entendê-las em vez de ignorá-las” recomenda Sterling. “Empatia é uma característica complexa. Os traços são parcialmente herdados de nossos genes – com o grau de expressão envolvendo muitos genes com pequenos efeitos.”  Um estudo publicado na Nature, em 2018, já tinha identificado que a empatia tem uma contribuição genética substancial. Algumas pessoas herdam mais genes pró-empatia do que a média. Além disso, como provavelmente nascem de pais empáticos, essas crianças também vivenciam no cotidiano a empatia e são recompensadas por manifestarem comportamentos empáticos. Assim, a aprendizagem e os valores familiares reforçam o circuito neural pró-social. Inevitavelmente, também, alguns indivíduos herdam menos genes pró-empatia do que a média e tendem a ser menos empáticos. Essas crianças provavelmente nascem de pais também com baixa empatia, e assim, elas têm menos probabilidade de testemunhar comportamentos empáticos ou de serem recompensadas por terem empatia.

Era como se fosse a cruz do túmulo do meu filho, que não consegui velar. Uma daquelas cruzes representava ele. Será que se fosse com o filho dele que tivesse acontecido ele faria isso?” indaga o taxista Marcio Antonio do Nascimento Silva que perdeu o filho de 25 anos, vítima da COVID-19. Um homem que passava pela praia, desrespeitou a homenagem às vítimas do coronavírus e derrubou as cruzes. A reação de Silva à falta de empatia foi recolocá-las novamente no lugar. (Fonte: UOL)

Mas, se desenvolvemos circuitos cerebrais para a empatia, por que não podemos todos estar acima da média? “Aparentemente, porque o sucesso de nossa espécie ganha com indivíduos de ambos os lados da curva do sino. Obviamente, nos beneficiamos de pessoas com alta empatia – aquelas que compartilham e cuidam. Mas também nos beneficiamos daquelas com alto desempenho e baixa empatia”, justifica Sterling. Ele acrescenta que líderes e governantes com baixa empatia sabem se conectar com aqueles com empatia abaixo da média. “Para esses, pode ser emocionante observar um líder sem escrúpulos”.

Agora, à sombra de uma crise de saúde pública como essa que estamos atravessando, o coronavírus pode estar trazendo o melhor e também o pior das pessoas. Há milhões de profissionais de saúde enfrentando riscos para salvar vidas ou voluntários que estão sacrificando seu bem-estar pessoal para amenizar o sofrimento de outros, mas um movimento oposto também ocorre: “um tsunami de ódio e xenofobia“, como chamou António Guterres, secretário-geral da ONU.

De fato, discursos de ódio e ataques raciais estão sendo noticiados mundo afora. Além dos estereótipos sociais profundamente arraigados, muitos desses insultos podem estar enraizados na desinformação. Guterres diz que “o posicionamento anti-estrangeiro aumentou no ambiente online e nas ruas e as teorias anti-semitas de conspiração se espalham relacionadas à COVID-19“. Guterres alerta que imigrantes e refugiados “foram difamados como sendo a fonte do vírus – tendo acesso negado a cuidados médicos. Com os idosos entre os mais vulneráveis, surgiram memes desprezíveis, sugerindo que eles são os mais descartáveis“. Ele pede aos líderes políticos que demonstrem solidariedade com todas as pessoas, que as instituições educacionais se concentrem na “alfabetização digital” em um momento em que “extremistas estão buscando atacar pessoas“. Ele também convocou a mídia, para que removesse conteúdos racistas e misóginos. “Peço a todos, em todos os lugares, que se levantem contra o ódio, se tratem com dignidade e aproveitem todas as oportunidades para espalhar bondade“, clama Guterres. “Com o crescente etno-nacionalismo, populismo, autoritarismo e uma reação aos direitos humanos em alguns países, a crise pode dar um pretexto para a adoção de medidas repressivas com propósitos não relacionados à pandemia“, alertou.

A Empatia e a Liderança

Em muitos países, os esforços para conter a COVID-19 podem resultar em recessão econômica. Além de milhões de pessoas infectadas, centenas de milhares já morreram – e vão continuar morrendo. Incertezas, estressores sociais e econômicos já impactam também na saúde mental da população.

A pandemia pode ser o maior teste de liderança política que o mundo já testemunhou. Cada líder está reagindo de maneira diferente. E todos serão julgados pelos resultados.

Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia, se sobressaiu globalmente. O país foi o primeiro a zerar os casos de COVID-19 e muitos atribuem esse feito ao seu estilo empático de liderança. Suas mensagens são consideradas claras e consistentes. Sua abordagem durante a pandemia não apenas ressoou em nível emocional, mas funcionou notavelmente bem. “As pessoas sentiram que Ardern estava ao lado delas“, afirmou Helen Clark, que foi primeira-ministra daquele país entre 1999 a 2008. “Há um alto nível de confiança nela por causa dessa empatia“, complementa.

Uma das inovações de Ardern foram suas aparições frequentes no Facebook Live, que conseguiram ser informais e elucidativas. Ela justificou políticas severas com exemplos práticos, gerenciando expectativas enquanto passava mensagens tranquilizadoras. A mensagem era a de um país se unindo; chamou repetidamente o país de “nossa equipe de cinco milhões”. Ao contar ao público em detalhes as regras do confinamento e a trajetória dos novos casos, concluía sempre com a mesma mensagem: “Seja forte. Seja gentil”.

E os líderes de empresas?

Nestes tempos incertos e altamente estressantes, líderes que assegurem a saúde, o bem-estar e a segurança de sua força de trabalho, são essenciais. No processo de reabertura do comércio e das empresas, empregadores têm o dever de cuidar de cada um de seus colaboradores, sendo legalmente obrigados a tomar todas as medidas necessárias e adequadas para proteger a saúde e o bem-estar deles. Isso deve ser a principal prioridade da empresa. Diversas consultorias globais, como a PWC consideram essa preocupação como sendo moral e ética para todas as empresas e reforça que uma boa estratégia de comunicação é essencial para auxiliar os funcionários que estão retornando à empresa, bem como aqueles que continuam trabalhando remotamente.

Sem a adesão das pessoas, mesmo que o Plano de Retorno ao Trabalho das empresas seja muito bem elaborado, líderes e gestores poderão enfrentar problemas. A KPMG recomenda que devem liderar com senso de empatia e entender que, embora todos tenham passado por essa crise, cada colaborador teve sua própria experiência. Alguns podem ter condições de saúde que aumentem o risco de infecção e podem relutar em retornar ao escritório. Outros podem estar ansiosos para voltar, mas têm responsabilidades (ex: com quem deixar os filhos) que tornam difícil ou impossível esse retorno. Outros podem estar enfrentando um luto. A sensibilidade a essas múltiplas realidades é crucial.

Entendamos a “compassion” como o sentimento que vai da empatia à compaixão em relação às outras pessoas. Com o avanço da Inteligência Artificial, quando as máquinas puderem fazer tudo o que nós podemos fazer hoje, o que significará então ser humano, ser líder e ser colaborador de uma empresa ou de um projeto? (A automação nos forçará a entender que não somos definidos pelo nosso trabalho)

O suporte e a atitude de compreensão de líderes e gestores são ingredientes fundamentais para ajudar a aliviar o estresse e ajustar as expectativas dos colaboradores. É importante que modelem o autocuidado, apoiando e respondendo às necessidades e aos cuidados de saúde mental de suas equipes durante e pós-pandemia. As pessoas devem saber que podem se sentir à vontade para discutir os desafios relacionados ao trabalho e ao não-trabalho. Um líder deve demonstrar que é sensível aos impactos da pandemia na vida pessoal e no trabalho de seus colaboradores. 

A Empatia e a Saúde

De certa forma, a pandemia tem gerado um entendimento de que a saúde está interligada e de que todos nós podemos estar em risco. Há uma sensação de que poderíamos estar no lugar daquelas pessoas infectadas, já que o vírus não é seletivo.

A capacidade de imaginar que também podemos ser afetados, tem sido uma ferramenta poderosa no arsenal da saúde pública”, afirma Sandro Galea em seu artigo Compassion in a time of COVID-19, publicado no The Lancet esse mês. Galea que é médico, epidemiologista e professor e reitor da Robert A. Knox na Escola de Saúde Pública da Universidade de Boston afirma que, em grande parte, é difícil não perceber que nossa empatia costuma acontecer pela constatação do nosso próprio risco pessoal. Ele salienta que aqueles com recursos, dinheiro e poder estão mais aptos a distanciar-se socialmente, trabalhar em casa e manter seu emprego. Esses grupos têm menor risco de infecção ou morte, já que também têm melhor acesso aos cuidados de saúde e menor carga de morbidade subjacente que predispõe a piores resultados da COVID-19. A doença é mais fatal aos grupos mais vulneráveis ​​– pessoas de baixa renda, com menor escolaridade e com menos acesso a alimentos nutritivos e confiáveis. Só no Brasil, mais de 70% das pessoas pretas e pardas enfrentam a pandemia sem reservas financeiras.

Quando imaginamos que também podemos ser infectados, estamos dispostos a tomar as medidas necessárias para nos proteger – e aos outros. Essa força tem sido poderosa e contribuiu para a dramática mudança [durante a quarentena] em nossas rotinas e para o fechamento de grande parte da economia mundial. “Mas e se esses esforços tiverem consequências econômicas que serão inevitavelmente suportadas principalmente por aqueles que são vulneráveis ​​e marginalizados? E se esses esforços resultarem no aumento em longo prazo das desigualdades na saúde, levando muitas pessoas a uma piora na saúde mental e física nos próximos anos?” indaga Galea. Ele responde que esses esforços exigem, em última análise, compaixão como força motora por trás de nosso pensamento sobre saúde e de como devemos tomar decisões para conter uma nova ameaça como a COVID-19. A compaixão se estende além da empatia; motiva a ação não porque podemos ser prejudicados, mas porque os fenômenos que observamos são injustos, não dignos do mundo em que gostaríamos de viver. “Martin Luther King Jr falou muitas vezes de compaixão, nos levando a ver que ela finalmente nos motiva a ver estruturas que precisam ser reestruturadas. A compaixão nos leva a entender como estruturamos o mundo e a perguntar como podemos estruturá-lo melhor, não porque possamos sofrer, mas porque outros estão sofrendo e não é assim que o mundo deve ser”, compara.

Como seria esse mundo? Para Galea seria aquele que se baseia nos princípios da justiça e na distribuição equitativa dos recursos. Uma abordagem à saúde enraizada na compaixão nos ajudaria a enxergar além de nós mesmos e a colocar o bem dos outros em primeiro lugar. Um mundo enraizado na compaixão abraçaria a saúde como um bem público – apoiada por nosso investimento coletivo em benefício de todos.

Galea reconhece que isso pode parecer teórico, mas essa abordagem teria implicações concretas para a saúde que pode moldar todas as nossas ações, sejam elas em tempos de crise ou em outros momentos. “Nosso foco sempre deveria ter sido na construção de um mundo que seja resiliente a esses desafios. Nosso foco deve estar na saúde como um estado de não estar doente, com base em uma abordagem que equilibre a saúde de todos em todas as nossas ações. Devemos reconhecer que, a menos que se invista nas condições preventivas de saúde – como moradias seguras, boas escolas, salários dignos, igualdade de gênero, ar puro, água potável e uma economia mais igualitária – qualquer ação que tomarmos durante esta e qualquer pandemia futura provavelmente ampliará lacunas e desigualdades na saúde. E essa situação deve ser inaceitável para todos nós”, defende.

A abordagem à COVID-19 teria sido diferente se estivéssemos acostumados a ver a saúde através das lentes da compaixão? Galea argumenta que sim. “Primeiro, porque teríamos investido há muito mais tempo nas condições que tornam as pessoas saudáveis, com o objetivo de remover a desproporcional carga subjacente de doenças evitáveis ​​que se acumulam nas populações vulneráveis ​​no mundo todo. Segundo, nossa resposta à COVID-19 buscaria conter a disseminação, mitigando danos desproporcionais àqueles que são excluídos das tomadas de decisão em torno dessa pandemia. Terceiro, nossa resposta reconheceria as diferenças globais que caracterizam um mundo que coloca o ônus da doença diretamente sobre os países com menos recursos, muitas vezes nesta condição por séculos de injustiça internacional, nos pressionando a redobrar nossos esforços para fazer tudo que estiver em nosso poder para ajudar esses países, talvez antes dos nossos.”

Certamente, esse momento exige uma reflexão sobre a compaixão como uma abordagem fundamental à saúde. “Em certo sentido, a COVID-19 nos mostrou que uma pessoa saudável e um mundo saudável são a mesma coisa. E pessoas saudáveis ​​e um mundo saudável são fortalecidos incomensuravelmente por ter a compaixão no coração da saúde”, acredita Galea.

 Como podemos ser mais empáticos?

Num momento em que as pessoas evitam aproximações físicas ou estão distantes socialmente, é muito fácil se voltar para dentro e se concentrar apenas em si ou na família. Porém, pesquisas sugerem que cuidar dos outros é uma das melhores maneiras de combater a sensação de solidão e de isolamento tão comuns agora. Pesquisas também mostram que cuidar de outras pessoas pode reduzir o estresse, aumentar nosso senso de conexão social, o bem estar e a felicidade.

Durante essa pandemia, há enormes demonstrações de comportamento pró-social, com pessoas se ajudando em todos os níveis. (Crédito: Verywell / Alison Czinkota)

Como vimos no começo desse artigo, algumas pessoas são empáticas em função da genética, mas há algumas coisas que podemos fazer para cultivar nossas próprias habilidades de empatia. Estudos mostram que é uma habilidade que pode ser aprendida. Questionar suas próprias suposições e usar a curiosidade – habilidades fundamentais no pensamento crítico – são práticas de construção de empatia. É importante desenvolver a escuta ativa e de captar coisas que não foram ainda verbalizadas ou perceber o sentimento no tom e na intensidade da voz.

Observar as ações empáticas dos outros e imaginar-se na situação de outra pessoa são estratégias que podem ajudar a ampliar a empatia. Praticá-la não só pode abrir nossa mente para imaginar o que outras pessoas estejam sentindo, mas nos permitir uma conexão social que ameniza o sentimento de angústia.

Quando o mundo parece imprevisível e caótico, encontrar maneiras de fazer o bem, dar apoio e melhorar as coisas para outras pessoas pode ser uma fonte de conforto. Boas intenções não são suficientes; precisamos agir se quisermos mudar a realidade. A empatia e a consciência coletiva são um dos grandes legados desta pandemia. Provavelmente, só vão crescer – e sobreviver – líderes, profissionais e empresas que exercerem seu papel na sociedade.

Crédito da imagem da capa: Lee Kyutae, aka Kokooma.

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Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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