Só tenho tempo pras manchetes no metrô
E o que acontece na novela
Alguém me conta no corredor

[…]

Conheço quase o mundo inteiro por cartão postal
Eu sei de quase tudo um pouco e quase tudo mal

Eu tenho pressa
E tanta coisa me interessa
Mas nada tanto assim

O ano é 1984. TVs eram artigos de luxo em muitas casas. Telefone fixo então, nem se fala. Computadores conectados no mundo todo, no máximo uma maluquice futurista do desenho “Os Jetsons”

Mesmo assim, pela letra da música do Kid Abelha que inicia esse artigo, podemos crer que a sensação (angústia?) dos tempos atuais em relação à velocidade do tempo, necessidade (real ou ilusória?) de estar informado sobre os assuntos do momento e superficialidade das coisas parecem não ser exclusividade dos tempos atuais.

Passados quase quarenta anos, os canais produtores de comunicação – antes dominados por grandes conglomerados de mídia, como TV e mídia impressa – passam a dividir espaço com as mídias digitais, multiplicando as possibilidades de acesso, produção e compartilhamento de informação.

Nesse ambiente, a separação entre produtor / consumidor não existe. Somos todos – pessoas comuns, empresas, empreendedores, organizações, figuras públicas – produtores e consumidores ao mesmo tempo, multiplicando-se as vozes, as mensagens, os discursos, todos lutando para ter um minutinho (ou uns segundos que sejam) de atenção.

Atenção. Não é de hoje que ter a atenção das pessoas (que para determinados fins podem ser intituladas de público, audiência, seguidores, usuários, espectadores, consumidores, dentre tantos outros nomes, mas no fim todas falam de pessoas) é motivo de direcionamento de esforços e… atenção.

Tanto que, na década de 1970, o economista, psicólogo e cientista americano Herbert Alexander Simon cria o termo “Economia da Atenção” para se referir aos estudos sobre a capitalização e monetização da atenção como mercadoria.

Se naquela época, com os limites muito bem estabelecidos entre produtores e consumidores de informação, a atenção das pessoas já era considerada uma moeda, hoje, com essas barreiras desfeitas, passou a valer ouro.

Cercados por todo tipo de conteúdo por todos os lados e diferentes meios, uma das maneiras de captar a atenção das pessoas e gerar receita é o chamado marketing de conteúdo.

Apesar de popularizada a partir do momento que as redes sociais passaram a ser uma vitrine de negócios para empreendedores e empresas, o conceito de marketing de conteúdo surgiu bem antes da Internet.

Um exemplo pioneiro dessa estratégia foi quando a Nestlé passou a inserir receitas nos rótulos de um de seus produtos. Na época, muitas donas de casa compravam  justamente para alimentar seus cadernos de receitas, criando uma retroalimentação de compra.

Agora, esse conceito se aperfeiçoou e adquiriu peculiaridades mais complexas. Quando acessar informação já não depende mais de obter um produto (seja uma lata de leite condensado ou a coleção da enciclopédia Barsa) porque está disponível a um clique, o desafio agora é ser relevante.  

Na era digital, não basta somente produzir e publicar, é preciso solucionar problemas reais, ensinar algo significativo – e de forma clara, leve, rápida (o mais rápido possível, se possível!) e se for divertido então, completou com a cereja do bolo um conteúdo com possibilidade de sucesso nas redes.

Nessa lógica, informação, consumo, entretenimento e aprendizagem se entrelaçam, rompendo com as estruturas tradicionais de Educação como conhecemos.

A ruptura já começa no acesso ao saber. Na estrutura tradicional, o saber está detido nas instituições educadoras por excelência, as quais definem os objetivos, as teorias e os temas que merecem ser apresentados dentro de limites de espaço e tempo.

No ambiente digital, o processo inverte. Somos nós que, ativamente, definimos e buscamos o saber necessário para aquele momento. E não há limites ou estruturação espaço temporal: posso aprender o que quiser, onde quiser, como quiser e quando quiser.

Essa autonomia, atrelada à lógica do conhecimento como produto, se não utilizada com discernimento, nos faz consumir num looping acumulativo infinito, formando, segundo Jean Piaget infinitas assimilações, ou seja, processando infinitos estímulos que já nos são familiares, mas sem chegar à acomodação – ou seja, sem confrontar as novas informações com informações prévias e, por consequência, não produzindo novas relações e novos conhecimentos.

O ambiente virtual possibilita compartilhar com o mundo ideias que até então não tinham por onde ser expressas em escala (ao menos não na dimensão que as redes permitem). Pesquisas científicas, visões (fundamentadas ou não) sobre os assuntos mais triviais, soluções para as mais peculiares situações.

As soluções podem até estar a um clique, mas quem define as questões somos nós. E na era da complexidade, elas não são tão cartesianas como 2+2=4. Ao contrário, são influenciadas por diferentes fatores e subjetividades.

Na era do lifelong learning (ou aprendizado ao longo da vida), talvez a aula introdutória dessa jornada devesse ser sobre reflexão. Ou, como diz um texto viral de Internet: “desconectar para se conectar”.

Reflexão sobre a importância de identificar nossas reais necessidades de aprendizagem para aquele momento e direcionar nossa atenção para o que de fato cria provocações ou aponta possíveis respostas, conectando informações com nossos conhecimentos prévios, intuição e vida real e produzindo algo que faça sentido. Desde que sem se perder entre memes e frases de efeito no caminho.

Ilustração da capa: Sara Ariel Wong

Vanessa Yosioka Collacio

Vanessa é Pedagoga e Comunicadora. Procura contribuir com pessoas e com o mundo desenvolvendo projetos educacionais para desafios reais.

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