“Pratico atividade física regularmente há anos, mantenho uma dieta equilibrada, e nada disso foi suficiente para impedir que eu tivesse uma crise de pânico no trabalho e ficasse afastada do cargo por alguns meses. Até hoje ainda lido com algumas consequências deste transtorno.” A indignação na voz da participante do evento sobre saúde mental deixava claro que algo parecia muito errado naquele cenário. Se ela seguia corretamente todas as principais recomendações de saúde, como era possível ter ficado tão doente?
Ao longo dos últimos anos, relatos como esse foram tornando evidente que o cuidado com a saúde vai muito além daquilo que fazemos para manter um corpo saudável. Inicialmente, nossa conscientização a respeito de como viver uma vida mais saudável passava pela inclusão de práticas de atividade física como parte da nossa rotina. Pouco tempo depois, somaram-se a esses esforços um maior cuidado com relação aos aspectos nutricionais dos alimentos. Mas apesar de todos esses investimentos, é certo dizer que estamos entrando em uma nova era dos cuidados com a saúde e que, a partir de agora, além da ginástica laboral, da academia e dos lanches saudáveis, precisamos aprender a lidar com a nossa saúde mental.
O aumento crescente no número de evidências mostrando a importância da saúde mental e seu impacto na vida das pessoas e no mercado de trabalho fez com que o assunto ganhasse cada vez mais relevância nos últimos anos. Mesmo antes da pandemia da COVID-19, esse tema já começava a ocupar um lugar de destaque na pauta de grandes empresas, principalmente no Brasil.
De acordo com a International Stress Management Association (ISMA), o Brasil é considerado o segundo país com maior índice de estresse relacionado ao trabalho (Burnout) no mundo e, em 2019, o Fórum Econômico Mundial considerou o bem-estar psicológico e a ansiedade como fatores de ameaça a economia global, trazendo uma estimativa de que até 2030 os gastos com doenças emocionais poderiam chegar a 6 trilhões de dólares em todo o mundo, mais do que a soma das despesas com diabetes, câncer e doenças respiratórias.
Mas apesar dessa maior conscientização, as iniciativas discutidas pela grande maioria das empresas ainda são consideradas muito incipientes e a verdade é que essas ações estavam apenas engatinhando quando a pandemia atingiu a todos. Como previsto, essa crise trouxe um agravamento da situação, tornando esta discussão ainda mais urgente.
Uma pesquisa recente da Talenses em parceria com a Fundação Dom Cabral (FDC) entrevistou 573 profissionais de diversas áreas de atuação, mostrando que 73,8% dos entrevistados reconhecem que a pandemia prejudicou de maneira significativa a sua saúde mental. Dentre os grupos avaliados, líderes, mulheres e as gerações mais novas compõem alguns dos grupos mais impactados.
Entre o medo da doença, uma visão de futuro interrompida e uma rotina cada vez mais sobrecarregada, a expectativa é que a pandemia gere, dentre outras consequências, uma nova onda de enfermidades associadas à saúde mental, que poderá ter desdobramentos bastante graves nos próximos anos. Estima-se que faltarão profissionais especializados para lidar com a demanda que surgirá, e que as despesas com a piora na saúde mental da população chegue a $1.6 trilhões de dólares nos próximos 10 anos, isso considerando-se apenas os Estados Unidos.
Em meio a tantas mudanças e ameaças, como lidar com o estresse?
Considero que o conhecimento tem o poder de transformar a nossa realidade e que o primeiro passo é reconhecer o estresse como parte da nossa rotina. Não com o intuito de negligenciar sua importância, mas sim com a expectativa de aprendermos a dar o devido valor a esta resposta emocional que atualmente impacta a vida de tantas pessoas.
A resposta ao estresse é um mecanismo importante de defesa do nosso corpo, que acontece naturalmente sempre que nos sentimos desafiados, ameaçados ou vulneráveis. O objetivo desta resposta é garantir que tenhamos os recursos necessários para lidar com diferentes situações negativas, mas nem sempre ela ocorre de forma adaptativa, ou seja, saudável. Quanto maior sua intensidade e duração, maior será o impacto sobre o nosso organismo.
Uma das grandes diferenças entre a resposta de estresse em humanos e outras espécies, é que os seres humanos possuem uma habilidade diferenciada de antecipar o futuro. Esta simples diferença, faz com que tenhamos uma resposta de estresse psicológico que pode durar por longos períodos, criando padrões de estresse crônico. Ao pensar antecipadamente em problemas que ainda não surgiram, as pessoas ativam (sem saber) a resposta ao estresse em seu cérebro, mas diferente da zebra na savana que corre do predador para salvar sua vida, e assim utiliza de forma eficiente os recursos fisiológicos gerados pela resposta ao estresse, os seres humanos que se mantém ansiosos dentro de casa, ou do escritório, simplesmente não têm para onde correr. O acúmulo dessa resposta acaba gerando um desgaste no organismo, que dá origem a uma série de problemas de saúde, inclusive doenças como hipertensão, gastrite, diabetes, depressão e ansiedade.
Ainda que você não esteja lidando com um grande problema no momento, o simples receio de que algo ruim venha a acontecer, muitas vezes já é suficiente para gerar uma resposta ao estresse. Será que alguém da minha família vai ficar doente? Meus filhos terão atrasos na escola? Meu trabalho será bem avaliado? Conseguirei dar conta de tudo? Sou capaz de bater a meta? Terei que assumir riscos para manter o emprego? Tenho quase certeza de que em algum momento, todos já se viram presos em pensamentos como esses.
Esse padrão de pensamento é o que faz com que seres humanos sejam mais susceptíveis à resposta causada por estressores de origem psicológica, incluindo aí conflitos, medos, anseios, dentro outros. Situações que envolvem imprevisibilidade, a sensação de perda de controle, sobrecarga, excesso de cobranças e a percepção de avaliação ou julgamento social costumam gerar uma resposta ainda maior de estresse e, por isso, é importante compreender quais são as características desta resposta, para que possamos identificar melhor a origem do estresse na nossa rotina.
Um segundo ponto fundamental é aprender a perceber quando esta resposta está ocorrendo. Como você se sente quando está estressado? Insônia, dores de cabeça, irritabilidade, dores musculares, cansaço, perda de interesse, são todos sinais que o corpo nos dá de que algo não vai bem. Saber identificar quando esta resposta está ocorrendo é fundamental, para que possamos criar estratégias mais eficientes em busca da saúde mental, agindo de forma preventiva.
Conversar e ler a respeito de questões ligadas à saúde mental nos permite normalizar o tema e aprender a partir de nossas próprias experiências. No caso de líderes e de áreas de RH das organizações, é importante lembrar que além de lidarem com a sua própria gestão emocional, devem ser capacitados para cuidar também das equipes. Neste caso, pesquisas com foco em saúde mental podem ajudar as empresas a monitorar de perto a saúde de seus colaboradores. Precisamos adquirir novas habilidades, um novo olhar sobre a saúde e a partir daí, tomar novas decisões.
Mas em que momento faremos isso? Em meio a uma rotina cada vez mais intensa, como encontrar tempo para saúde mental?
Na minha opinião, todas as ações investidas até o momento alcançam um número pequeno de pessoas ou acabam servindo para mascarar um problema que já não é mais novidade. Consultas, oficinas, aulas de pilates, ioga, happy hour virtual, palestras sobre como é importante equilibrar vida pessoal e profissional, como devemos organizar a rotina com pequenas pausas ao longo do dia… mas a verdade é que poucos conseguem participar dessas ações.
Dia após dia a meta aumenta, a equipe diminui, e o homeschooling continua. O que nos falta não é mais informação, é tempo. Tempo para colocar tudo isso em prática, se não, de nada adiantará a melhor estrutura organizacional ou o melhor dos mentores. A saúde mental é construída preventivamente, no investimento em ações diárias que favorecem o bem-estar. O equilíbrio emocional vem do tempo no qual nos dedicamos às atividades de maneira focada, ou seja, quando fazemos uma coisa de cada vez. Não essa eterna corrida para responder e-mails e entregar relatórios em meio às horas ininterruptas de reunião. Um cenário que se tornou evidente nas novas rotinas de trabalho remoto da pandemia, mas que guardam velhos hábitos que se iniciaram muito antes disso. Precisamos mudar a maneira como nos relacionamos com o trabalho, ou não haverá espaço para a saúde mental.
O futuro da saúde mental depende hoje de três fatores:
1. Flexibilidade. Rotinas de trabalho flexíveis, associadas ao desenvolvimento das equipes, para que estas sejam capazes de assumir com autonomia suas entregas. Apenas com uma real autonomia técnica e de tempo as pessoas terão liberdade para gerir sua própria agenda de trabalho, garantindo sua performance e um maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional;
2. Confiança. Uma gestão focada na construção de ambientes de segurança psicológica e não ameaças, para que as pessoas tenham abertura para negociar suas demandas, interesses e comunicar-se livremente;
3. Foco realista. Aprender a priorizar (de verdade). Precisamos aprender a dizer “não”, reconhecer nossos limites e aceitar que não será possível dar conta de tudo. Quais são suas maiores habilidades? O que você mais gosta de fazer? Qual a coisa mais importante que você deve fazer neste exato momento? O que poderia deixar de fazer? Talvez estas sejam boas perguntas para começar uma reflexão.
Todos esses fatores são fundamentais para construção de um ambiente organizacional e uma rotina que, de fato, prioriza a saúde mental. No fundo, as pessoas não precisam de mais regras e dicas do que fazer, mas sim aprender a negociar suas prioridades, recursos e metas, garantindo que possam atuar de forma dedicada às suas atividades tanto pessoais quanto profissionais.
Devemos ouvir mais os colaboradores, atuando como interlocutores entre os seus desejos e as necessidades da organização. Oferecer aula de pilates e não ouvir as queixas das equipes com relação aos desafios que enfrentam na sua rotina, realizar palestras e não investigar os motivos do baixo quórum, é o mesmo que ter pufes e piscinas de bolinha, sem ninguém usando. Ambientes positivos e estimulantes são ótimos, mas não serão a salvação de uma equipe sobrecarregada.
Cuidar da saúde mental exige tempo para si e para os demais. Identificar a resposta ao estresse ainda em seu início permite que tenhamos mais alternativas para cuidar da nossa saúde física e mental. Permite ainda que líderes e empresas criem estratégias mais eficientes para amenizar os impactos negativos do estresse, antes mesmo das pessoas ficarem doentes.
Agir de forma preventiva é a grande mudança que devemos ver a partir de agora, buscando formas mais eficientes de promover mais qualidade de vida e saúde para todos. Devemos sofisticar nossas estratégias para gestão do estresse, indo além da oferta de experiências hedônicas. Que tal perguntar às equipes, o que poderíamos fazer para que elas tivessem maior qualidade de vida no trabalho?
Ou melhor, retomando a pergunta que deu nome ao artigo: no seu universo pessoal e profissional, você será capaz de aprender a criar limites a partir de hoje?
Crédito da imagem da capa: Liza Rusalskaya
Parabéns pelo texto! Excelente, bem contemporâneo. Algumas bem-sucedidas empresas estrangeiras, fora do Brasil, já possuem orientação semelhante e o resultado é: funcionários felizes e produtividade alta. Foi bom pra todo mundo!
Pedi demissão por conta de tanto estresse no trabalho, eu não aguentei.