“A leitura traz ao homem plenitude;

o discurso, segurança;

e a escrita, precisão.”

Francis Bacon

A escrita é o recurso mais poderoso para o desenvolvimento profissional. Em todas as áreas e em todos os momentos de carreira.

Costumo dizer que, se você está em dúvida em quem contratar, contrate quem escreve melhor. Saber escrever bem já é uma habilidade cada vez mais valorizada e é essencial para fortalecer as demais habilidades humanas. Escrever fomenta a sua antifragilidade!

A escrita é, também, um antídoto poderoso para o excesso de reuniões e o retrabalho infinito que nos ameaçam nesta infância do home office em escala. Para conseguir colaborar de forma assíncrona, escrever bem é essencial.

Além disso, o processo da escrita pode ser uma ferramenta de autoconhecimento e planejamento, pois desenvolve o foco e dimensiona os desafios profissionais em uma perspectiva objetiva e analítica, revelando sua real complexidade e eventuais lacunas. Para esta que vos escreve, escrever é uma maneira de acalmar a ansiedade em fases nebulosas de projetos de inovação.

Tamanho foi o insight que tive sobre a importância da escrita para todos os profissionais – e o quanto ela é negligenciada – que eu poderia fazer um texto inteiro para explicar a você, leitora ou leitor, por que escrever mais. (Aliás, eu fiz isso neste texto aqui: A Habilidade Esquecida)

E não sou só eu, “de humanas”, que estou falando. Neste vídeo (em inglês), David Heinemeier Hansson, da 37signals (Basecamp e HEY), também argumenta a favor da escrita, dizendo que ela é um “superpoder” na sua empresa de desenvolvimento de software: essencial à gestão e à produtividade. Sem levar a escrita a sério, diz ele, a empresa não teria chegado aonde chegou. “Escrita primeiro, reuniões depois” (estou quase escrevendo na pele essa frase).

A nossa motivação inicial em escrever pode resultar em muito mais benefícios do que o que imaginávamos antes de tira a tampa da caneta. É um investimento de tempo que vale a pena – porque economiza, inclusive, tempo futuro.

Por diversos motivos, porém, a escrita assumiu para muitos de nós um lugar inalcançável ou invisível. Ou ela mora no Olimpo dos autores geniais, ou na falta de cuidado com que escrevemos nossos e-mails e mensagens rápidas. É uma situação verdadeiramente peculiar, ainda mais se pensarmos que praticar a escrita está ao nosso alcance, não custa nada, envolve riscos controláveis (publicar não é obrigatório) e qualquer pessoa leitora pode apoiar seu desenvolvimento.

Por isso, eu preparei, no melhor estilo laboratório de garagem, 3 dicas simples que você pode colocar em prática hoje mesmo. E o melhor: usando apenas aquilo que você já tem em casa! Pode fazer sem a presença de um adulto. 🙂

1. Ame seus rascunhos

“Tenha paciência em relação a tudo que não está resolvido em seu coração e ame as próprias perguntas, como quartos fechados e como livros escritos em uma língua estrangeira. Não investigue agora as respostas que não lhe podem ser dadas, porque não poderia vivê-las. E é disto que se trata, de viver tudo. Viva agora as perguntas. Talvez passe, gradativamente, em um belo dia, sem perceber, a viver as respostas”.

Rainer Maria Rilke

O livro Cartas a um jovem poeta reúne as cartas de Rilke ao jovem poeta Franz Kappus escritas ente 1903 e 1908. Muito diferente do que ansiamos hoje, Rilke não dava “dicas práticas” de escrita: buscava mostrar os caminhos do mundo interior do escritor.

O trecho que escolhi reproduzir aqui eu sei de cor. Foi o que mais me marcou no livro, que li na época da faculdade de teatro (há quase 20 anos, mas continuo achando que o tal belo dia de viver as respostas ainda não chegou). 

O elemento mais essencial do laboratório de escrita é amar os rascunhos de forma concreta. Sem platonismo. Criar espaços para eles, entender onde eles se sentem mais confortáveis (cadernos digitais ou físicos), desenvolver seus próprios métodos de organizá-los e recuperá-los. Acolhê-los como parte de sua atividade de escritor.

O laboratório de escrita da sua garagem é o lugar onde aqueles textos que não nasceram para ser publicados ou lidos por outra pessoa cumprem o papel essencial de revelar a você mesmo sua forma de pensar e interesses. Tratando-os com o devido carinho, você vai organizando de forma orgânica o seu próprio processo de escrita. Primeiro joga as ideias e depois edita? Já escreve editando? Estrutura primeiro ou extrai a estrutura do fluxo intuitivo?

Amar os rascunhos também é um jeito delicioso de entender uma das grandes verdades da vida: nenhum texto nasce em sua versão final. Melhor aceitar. E, se você não revisa seus textos antes de enviar – melhor começar.

2. Faça da leitura um exercício intencional de escrita (do CTA ao CTW)

Uma vez, eu estava entrando com a minha mãe em um dos meus restaurantes preferidos em São Paulo, e disse para ela: “Se eu tivesse um restaurante, seria assim”. Pelo silêncio e pelo olhar, percebi aquele medinho – minha mãe teve um restaurante na minha infância e, olha, legal não foi.

Não, não pretendo ter um restaurante. É só um jogo mental que gosto de fazer, em especial quando alguma experiência é positiva. Sabe aquele clássico querer morar em todas as cidades que conhece de férias? Acontece comigo com frequência.

Transpondo para as leituras, um exercício útil quando nos deparamos com textos que nos chamam a atenção é pensar: “eu escreveria isso?”. Ou, como acontece comigo mais frequentemente: “uau, eu jamais pensaria nisso! Será que consigo aprender?”

A maioria de nós lê todos os dias – timeline, e-mails e mensagens. Exercitar o olhar para esse tipo de texto já é valioso, mas melhor ainda é ampliar o universo para o jornalismo e a literatura. Não precisa estragar o fluxo da leitura tentando sempre “aprender alguma coisa” – mas, quando um texto se destacar aos seus olhos, tente entender o porquê e experimentar aplicar nos seus exercícios de escrita.

Vem comigo: leia as aspas com olhar de escritor.

“O poente na espinha de suas montanhas quase arromba a retina de quem vê”

Música Carioca do Chico Buarque

Esse verso me ensinou que criar uma imagem sem descrever literalmente é um jeito de marcar para sempre o leitor – confiando na sua inteligência. Nunca achei o Rio de Janeiro tão maravilhoso quanto ouvindo esta música.

“Então para isso servem os influenciadores, digo, influencers, em português – para vender produtos e serviços. Bem, menos mal. É só mais um ramo da publicidade.

Mas há influenciadores que operam também na área do pensamento. São os que usam esses canais para vender o ódio, a mentira, jogar irmãos contra irmãos, cupinizar a democracia e promover a morte”

Texto 500 mil influenciadores, do Ruy Castro.

Esse trecho é tão bom que não sei nem por onde começar. A ruptura do tom irônico para o tom assertivo (aquela sensação de “não acredito que eu estava rindo disso há 1 segundo, socorro!”). A coragem de dizer objetivamente verdades, sem meias palavras. O ritmo, a pontuação, a síntese. Cada texto do Ruy Castro é um elemento a ser investigado no seu laboratório.

“Procurava imaginar-me tomando a simples decisão de continuar a andar sempre para frente pelos caminhos que já começavam a substituir as estradas, brincava com essa ideia… Ser só, sem bens, sem prestígio, sem nenhum dos benefícios de uma cultura, expor-me a um meio de homens novos, por entre riscos nunca experimentados… É evidente que tudo isso não passava de um sonho, o mais breve dos sonhos. A liberdade que eu idealizava só existia a distância; bem depressa teria recriado tudo o que acabava de renunciar. E mais: não teria sido em todos esses lugares se não um Romano ausente de Roma. (…) Contudo, esse sonho fabuloso, que teria feito estremecer os nossos antepassados prudentemente confinados em sua terra do Lácio, eu o sonhei e, por havê-lo sonhado, embora por um instante, tornei-me para sempre diferente de todos eles.” 

Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar.

Como pode uma mulher francesa na década de 1950 conseguir imaginar com essa riqueza como se sentia o Imperador Adriano, de Roma, ao ampliar as fronteiras do mundo como ele conhecia? Que exercício absurdo de imaginação – e que convite à escrita empática.

Como o laboratório de escrita da minha garagem não tem aspirações puristas, eu marco livros mesmo. E vou colecionando os trechos para usar nos meus próprios textos e espalhar a palavra. Mas você pode fazer como achar melhor – só a atitude mental de ler intencionalmente como quem escreve já vale. Sem perder o prazer na leitura claro.

E CTA CTW o que é?! Também vale observar o que te irrita nos textos. Por exemplo, siglas e termos que demandam conhecimento específico anterior como se fosse óbvio – me tiram do sério. CTA é o call to action, muito usado em copywriting para engajamento.

O que você acha? E você, como faria? Me conta como isso é para você? Que quando usado como fórmula me irritam demais. Prefiro o call to writing.

E você, o que prefere? (desculpa a ironia pobre, Ruy Castro, ainda estou aprendendo).  

3. Cultive cúmplices

Escrever é um ato essencialmente individual – mas não precisa ser solitário. Ter bons cúmplices que apreciem acompanhar o processo (e não se comportem como jurados) é um dos recursos mais efetivos que você pode colocar no seu laboratório de garagem.

E, como você escreve para ser entendido, seus cúmplices não precisam ser exímios escritores ou leitores obstinados. Basta que sejam generosos e consigam expressar suas impressões de forma construtiva. Você pode ajudar nesse processo pedindo feedbacks concretos e específicos. Tal trecho faz sentido? Começo assim ou assado? O que você entendeu de tal passagem? Como soa esse título? Elogios genéricos são tão inúteis quanto críticas difusas – embora bem mais gostosos.

Se uma comunicação é crítica, ou uma publicação é sensível, teste sempre antes com quem estará presente o suficiente para dedicar atenção à leitura e comentar. E, claro: cumplicidade não existe sem reciprocidade. Leia e comente com cuidado sempre que tiver oportunidade. (Aí você também estará exercitando o item 2, ler como quem escreve).

Amar os rascunhos, ler como quem escreve e ganhar cúmplices. São os três recursos fundamentais para você começar a desenvolver a sua habilidade de escrita de forma autônoma. Mil outros vieram à minha mente aqui – mas sabemos que mil e três coisas não cabem em um artigo.

O laboratório na garagem é para que você mantenha a leveza da experimentação, a abertura à imperfeição e a alegria da evolução constante e da descoberta. Nesta internet, sabemos que a palavra não volta. Mas como a escrita está presente em muitos aspectos do nosso dia a dia, você pode abrir espaços de experimentação em textos menos críticos. Extrair aprendizados de mal-entendidos de textos próprios ou dos outros. Ousar na forma em um conteúdo que domina – e vice-versa.

Parafraseando o texto sobre aprendizagem intencional da McKinsey: se você usar intencionalmente cada texto que escreve ou lê como uma oportunidade de aprender, você escreverá muito melhor investindo só um pouco mais de tempo e energia. Seu desenvolvimento pessoal, profissional e sua produtividade agradecem.

A gente se escreve. <3

Você gostou das ideias do laboratório de garagem, mas gostaria de mais apoio no seu desenvolvimento como escritora ou escritor?

Pois então conheça o Clube da Escrita CC.

O Clube é uma comunidade pioneira na escrita de não ficção, que nasceu da percepção de que muitas pessoas gostariam de escrever mais e melhor sobre o trabalho que realizam – mas, por algum motivo, não conseguem colocar esse desejo em prática. Funciona como uma jornada coletiva totalmente online, em que os participantes aprendem técnicas de escrita, trabalham a voz autoral e praticam a escrita de posts e artigos relacionados ao trabalho. A Turma 1 começa em Outubro! Saiba mais aqui.

Ilustração: Ka Young Lee

Clara Cecchini

Clara Cecchini é coautora do livro Aprendiz Ágil (com Alexandre Teixeira, Arquipélago Editorial, 2020). É apaixonada por aprendizagem contínua e pela construção de sentido que ela proporciona. Especialista em estratégias de aprendizagem, inovação e curadoria de conteúdo. Formada em Artes Cênicas pela Unicamp, com MBA em Bens Culturais pela FGV e cursos complementares na Schumacher College (Inglaterra) e na Kaospilot (realizado no Brasil pela escola dinamarquesa). Trabalhou com educação sob diversas perspectivas, desde a formulação de políticas públicas até a criação de universidades corporativas, passando também por ONGs e escolas de negócios. Hoje, atua como consultora, escritora e mentora, com o propósito de reconectar a aprendizagem à vida e ao trabalho.

Ver todos os artigos