Uma plateia chocada, divergente e em combustão. Assim foi o primeiro teatro imersivo no Brasil, dentro do contexto de futuros experienciais, realizado, no último domingo, no Festival Path, em São Paulo.

Mas, por que um teatro imersivo seria importante como imersão dentro de cenários futuros?

Fiz a cobertura dessa primeira imersão no país para O Futuro das Coisas e conto a seguir o que aconteceu durante a experiência.

Antes de adentrarmos nesse “teatro”, que foi incrível, é preciso fazer um paralelo com a educação e a palestra verticalizada, onde “um” ou “uma” fala para muitos.

Existe um consenso, de que esse formato vertical, em que uma pessoa passa o conteúdo e uma ‘platéia’ escuta passivamente, está obsoleta e precisa de mudanças urgentes. Porém, a maior parte das iniciativas nesse contexto ainda são inovações incrementais. Mesmo dentro de um dos maiores festivais de inovação e criatividade do Brasil, o Festival Path, o formato palestra, expositivo é, ainda, predominante.

A dramaturgia seria uma alternativa para intensificar a emoção dos participantes e colocá-los em posição ativa dentro de uma experiência. Assim, o teatro imersivo seria um formato de imersão que “quebra a quarta parede” do teatro e leva a plateia a interagir e influenciar a narrativa dentro da experiência. Afinal, se a memória é emoção, o conteúdo exposto de uma forma que ativa nossa memória emocional potencializa muito mais a aprendizagem.

Fãs de Westworld puderam vivenciar a série no Festival SXSW, que aconteceu em Março desse ano no Texas. (Crédito: HBO)

No Festival SXSW deste ano, as agências de marketing da HBO construíram um teatro imersivo que funcionava como parque temático do Velho Oeste recriando o cenário da série Westworld. Foi uma oportunidade dos participantes se sentirem na pele dos personagens e influenciarem as diversas narrativas que são apresentadas dentro da série.

Sci-fi: o Black Mirror do dia-a-dia

Com a missão de arquitetar um ambiente seguro e imersivo para que as pessoas pudessem sentir e experimentar possíveis “amanhãs”, Bruno MacedoPaulo Renan Lessa e Catarina Papa –fundadores da Rito e todos futuristas experienciais – colocaram a mão na massa para trazer uma experiência inédita de teatro imersivo de futuros para o Festival Path.

Quando os participantes chegavam, era pedido que eles escolhessem entre o cartão branco ou preto, uma referencia ao Black Mirror e White Mirror. Dentro do cartão branco tinha um texto inspiracional mas com um olhar mais voltado para transformação, buscar empoderar a pessoa que está lendo, fazendo uma referencia ao White Mirror. (Foto: Ramon Lessa)

Os três tinham recebido do Path, a seguinte realidade: um palco para palestrar e o tempo de uma hora. O tema da ‘palestra’ escolhido foi “Sci-fi: Black Mirror do Dia a Dia”. Na sinopse, os participantes seriam convidados para – em vez de falar sobre o futuro – experienciar uma ficção científica.

Como seria experienciar futuros?

A tangibilização de cenários futuros, foi proposta por dois futuristas – Stuart Candy e Jake Dunagan – que desenvolveram um método chamado Futuros Experienciais. O método consiste no design de situações imersivas para catalisar insights e gerar mudanças.

No cartão preto o texto buscava gerar choque, urgência, ativar o límbico do cérebro, assim como o Black Mirror faz.  Também havia uma frase “puzzle” que unia o texto branco com o texto preto, uma pista para a imersão. (Foto: Ramon Lessa)

Conversei com o Bruno, que também é parceiro e colunista do O Futuro das Coisas, que me explicou que a criação de ambientes e situações com foco na imersão em possíveis cenários futuros, traz mais profundidade, emocionando, inspirando e levando à reflexão sobre os impactos, as consequências e as novas possibilidades dentro dos cenários que estão sendo explorados.

Imagina, por exemplo, dentro do contexto de mercado que você atua, ser colocado frente a um futuro provável da sua organização que leva você a tomar decisões sobre desafios emergentes que podem influenciar os caminhos estratégicos do seu negócio a longo prazo.

O artefato de futuro

A ideia do trio foi criar um ambiente de discussão sobre uma tecnologia que está sendo desenvolvida pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology): um device que detecta as emoções das pessoas a partir das alterações no batimento cardíaco e na respiração, utilizando sinal Wi-Fi. Exponencializado com a análise inteligente desses dados através de machine learning, o resultado é que é possível captar sentimentos e saber se o outro está feliz, triste ou irritado.

Essa tecnologia, que trará desdobramentos e impactos para o futuro dos relacionamentosinspirou a construção do artefato de futuro utilizado nesse teatro, no caso um bracelete que capta os sentimentos das pessoas.

A melhor ‘treta’ que poderia surgir desse cenário, adicionando camadas de futuros prováveis dessa tecnologia, seria o cofundador da empresa que desenvolveu o bracelete estar lá presente na imersão e ele encontrar uma humanista, defensora do contato real entre humanos. A visão de futuro estaria garantida por uma futurista Sci-fi expert.

A plateia, já em combustão, começa a dialogar e trazer, mimeticamente, pontos de vista pessoais sobre os impactos. É neste momento que as pessoas ali começam a vivenciar memórias de futuros, a sentir, visceralmente, os impactos e possibilidades da tecnologia na sua vida pessoal. (Foto: Ramon Lessa)

No caso desse teatro, o diálogo começa e envolve todos com uma discussão propositalmente cadenciada para chegar ao epicentro da dicotomia de visões: frases como “o compartilhamento de sensações vai acabar com fronteiras, conflitos e guerras” e “estamos usando big data para mapear as sensações para criar um mapa de sentimentos” começam a incomodar a platéia que, depois de 20 minutos, já mostra intenção de participar levantando o braço.

Os argumentos prezam pelo conteúdo, e o ponto alto do equilíbrio acontece quando o cofundador expõe a real motivação que o fez criar o bracelete: uma namorada que sofreu um acidente e que ele não podia mais sentí-la por conta de seu estado. Seu ‘lado humano’ vem à tona e é com essa emoção que a humanista, então, solta: “Você me emocionou aqui e não precisamos usar bracelete algum, percebe…!?

A revelação de que aquilo é um painel do futuro surge no ápice da discussão, quando a realidade temporal nos chama (a.k.a a realidade de 1 hora de duração da palestra!).

Esse seria então, o plot twist: revelar que os participantes convidados para ouvir sobre ficção científica acabaram de vivenciar uma. Uma narrativa que, mesmo que muito provável que aconteça em um futuro próximo, traz camada de futuros: parte roteirizada, parte interpretada pelos atores.

Sim, a segunda revelação foi essa: havia quatro atores ‘infiltrados’ na plateia, responsáveis por lançar, improvisadamente, a chama para potencializar ainda mais a intensidade dessa imersão.

Thiago Vignoli foi um dos quatro atores. Ele representou o papel de cofundador da empresa que desenvolveu o bracelete. Nessa experiência, o bracelete foi um artefato construído a partir de um cenário futuro dos relacionamentos. Apesar da tecnologia já existir, esse artefato não é funcional. (Foto: Patrícia Bernal)

Para que a veracidade do improviso fosse mantida, os atores ‘interpretaram’ eles mesmos, e trouxeram suas opiniões reais para a discussão, equilibrando a discussão e trazendo pessoalidade e intensidade na argumentação.

A presença deles foi uma fagulha para a platéia também participar ativamente e descentralizar a informação que poderia estar vinda só do palco.

Aliás, a plateia se dividiu entre os argumentos, e quando revelado que era um teatro, no plot twist, houve comoção e aplausos. Todos ficaram chocados. Os risos foram incessantes.

Bruno, Paulo Renan e Catarina me explicaram depois que a experiência foi criada para apresentar a ambiguidade da tecnologia, com suas nuances e impactos, para que as pessoas pudessem sentir como seria viver uma situação que ainda não aconteceu, mas que é muito provável que aconteça nos próximos anos.

O ato de pensar nas decisões que você tomaria nessa situação cria memórias de futuros. Essas memórias são poderosas em termos de aprendizagem. Memória é emoção, portanto ativar a emoção nos faz aprender com maior profundidade.

O teatro imersivo foi a interface de aprendizagem mais visceral que os três encontraram para criar as memórias de futuros de possíveis cenários. Em outras palavras, seria como se as pessoas que estavam presentes, estivessem vivenciando um episódio de Black Mirror, por exemplo. Só que nesse caso elas decidem o que vai acontecer

As expectativas

Conversando depois sobre o teatro com o Bruno, Renan e Catarina, descubro que eles esperavam dois principais resultados:

(1) provocar as pessoas a pensarem e questionarem as possibilidades e desdobramentos sobre o cenário criado do futuro dos relacionamentos. Fazer o público experienciar com profundidade os impactos desse cenário e emocionar os participantes, fazendo com que eles, mais do que conversassem sobre futuros alternativos, sentissem na pele como seria estar vivendo em um.

(2) Trabalhar hoje, com aprendizagem, é levantar questionamentos sobre formas de gerar essa aprendizagem. Mesmo em um festival de inovação como o Path, por exemplo, ainda vemos a grande maioria dos expositores passando conteúdo em palestras ou de forma não interativa e, consequentemente, não acessando graus mais profundos de aprendizagem através da emoção. Dentro de uma era cada vez mais automatizada a partir da tecnologia, as experiências serão cada vez mais importantes para desenvolver habilidades cruciais para os futuros que estão por vir. Catarina lembra que a frase do Jim Carrey resume o porque experienciar engaja as pessoas em um nível emocional épico, comparado a formatos expositivos: “Não tem como substituir a foto do copo de água, pela experiência de beber a água.”

Discussão após a experiência imersiva. Da esquerda para a direita: o ator Thiago Vignoli, Bruno Macedo, Lidia Zuin e Angelina Miranda, que interpretou o papel da psicóloga humanista. (Foto: Patrícia Bernal)

Viagem no tempo

O teatro imersivo com fins de aprendizagem, embora seja algo novo no Brasil e no mundo, tem o potencial de transformar a educação e o entretenimento, sendo uma forma inovadora de levar conteúdo com emoção.

Muito mais do que você entender o conteúdo que está sendo apresentado, dentro do teatro você está imerso, portanto você está presente dentro de uma situação que o cérebro interpreta como real. A criação de situações dentro de cenários futuros seria o mais próximo que temos hoje de viagem no tempo. Em outras palavras você não precisa imaginar como seria viver nesse futuro, você já está lá.

O teatro imersivo de futuros também tem o potencial de explorar além dos desdobramentos tecnológicos, os impactos no comportamento humano, por isso pode ser uma experiência enriquecedora tanto para jovens nas escolas ou universidades quanto para trainees e executivos na educação corporativa.  Afinal, é melhor ser surpreendido pela simulação do que estar cego pela realidade e o que vem em breve.

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Para conhecer mais sobre as possibilidades do teatro imersivo de futuros e aplicar na sua empresa ou escola, entre em contato com a gente: futurodascoisas@gmail.com

Patricia Bernal

Patricia é filmmaker criativa, fotógrafa, jornalista e visual storyteller. Graduada em Jornalismo e Comunicação Social, fez um curso intensivo de cinema na Academia Internacional de Cinema (AIC) e Técnica em Audiovisual pela DRC Trainning. Sócia-proprietária da produtora WoW Films Media, especializada em projetos digitais, startups, YouTube, redes sociais e consultoria audiovisual. Criadora do canal Câmera na Mão, do grupo Mulheres Filmmakers, e do blog IH!Criei. Atualmente está também envolvida na produção do seu documentário Cadê a Criatividade.

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