Hoje em dia os direitos civis são restritos àqueles que nascem com vida. Talvez em breve isso seja modificado.

Imaginar, atualmente, uma máquina detentora de direitos pode parecer loucura, porém o avanço da inteligência artificial pode mudar esta percepção. Faz-se necessária uma discussão até mesmo do que é o direito e o papel que a consciência tem nesta equação.

Uma pessoa que nasce com vida, segundo o Código Civil Brasileiro, passa a ter uma personalidade civil. A personalidade civil reveste a pessoa de direitos e deveres, tal como receber uma herança. O critério do nascimento com vida não distingue se o nascido vier a falecer poucas horas após o parto ou se ele tem ou não consciência do mundo à sua volta.  A consciência, entretanto, encontra diversos outros campos: é a consciência do ato que pode modificar diversos fatores na penalização, que altera um ato para um crime civil e que atribui peso às consequências.

O avanço tecnológico permite imaginar um novo (e cada vez mais próximo) momento em que a tecnologia terá consciência própria e poderá entender ela própria o seu papel no mundo. O que essa consciência poderá gerar?

O principal ponto de uma ofensa a um direito envolve os valores representados e que foram abalados. Ao sofrer um dano patrimonial,  uma pessoa detentora de direitos percebe em seu patrimônio um abalo. O dano moral, por sua vez, protege os valores intrínsecos dessa pessoa, avaliados por sua própria consciência.

Ter a consciência seria um diferencial em relação à própria identificação do ser. “Penso, logo existo”, já diria René Descartes. Se existo, detenho direitos? E deveres?

Se em outros momentos atribuir direitos a uma máquina poderia ser considerado obra de ficção científica, atualmente já temos um robô com cidadania: a androide Sophia, criação da Hanson Robotics, já possui a cidadania da Arábia Saudita. Assim, diversos questionamentos surgem:

Se Sophia é uma cidadã saudita, aplicam-se a ela os direitos e deveres que outra cidadã tem? E se a robô é identificada com o gênero feminino (ainda que não tenha, de fato, gênero), deverá utilizar o hijab, o véu característico da cultura islâmica?

Isaac Azimov, famoso escritor de ficção científica que muito trabalhou a ideia de um futuro repleto de máquinas pensantes imaginou aos robôs três leis que seriam inerentes em sua programação. Em tese, não seria sequer possível a violação. As conhecidas Três Leis da Robótica teriam uma só função: a preservação humana. Porém, é necessário pensar em um futuro onde este ser mecânico e pensante seria, na verdade, detentor de direitos. Mais do que mero objeto, seria alguém.

Passar a barreira do “algo” para se tornar “alguém” é uma discussão que a própria humanidade ainda não está alcançando a consensualidade. A própria barreira do início da vida (seria no momento da concepção? Após um marco na gestação? Após o nascimento?) não é definida ao humano. Quiçá ao robô.

Se a ideia de considerar algo mecânico como pessoa possa parecer ao leitor como irreal, façamos um pequeno exercício: se conseguirmos transferir integralmente nossa consciência a uma máquina, perderemos a humanidade? E perderemos direitos?

Cada dia mais se aproxima o momento em que os humanos cederão direitos aos robôs. O movimento me parece óbvio e aos poucos se atribuiria, por afeto, aproximação e identificação, proteções aos seres mecânicos. E isso será manifestação de nossa inteligência natural.

Shaiala Araujo Marques

Shaiala é advogada, especializada em Direito dos Contratos e Responsabilidade Civil pela Unisinos e Mestre em Direito pela PUCRS. Sua pesquisa de mestrado foi elaborada no campo do Direito, Ciência, Tecnologia e Inovação, obtendo grau máximo. Ela faz parte do Jurídico da Under.

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