Na disruptura da saúde, o verdadeiro diferencial competitivo do médico é a sua capacidade de ser humano.

Quando falamos de futurismo, dividimos o futuro didaticamente em 3 períodos, ou blocos de tempo: Futuro emergente, o qual está relacionado com os acontecimentos nos próximos 5 anos; Futuro pós-emergente relacionado com os acontecimentos  que irão ocorrer entre 5  e 10 anos e o terceiro período conhecido como Futuro propriamente dito, que estaria relacionado aos eventos que irão ocorrer  a partir dos próximos 10 anos.

Uma das experiências mais marcantes da minha vida foi poder fazer esse exercício de Futurismo, imaginando qual seria o impacto das tecnologias exponenciais na área de saúde nos três blocos de tempo. Fiz esse exercício  no último dia do FutureMed, em fevereiro de 2013, com um grupo de pessoas que naquela época, pelo menos para mim, eram ilustres desconhecidos. Confesso que depois terminei essa experiência fui pesquisar sobre meus colegas de turma e professores. Só hoje, alguns anos depois eu consigo ter a dimensão do que foi aquele momento.

Entre meus colegas de turma e professores no FutureMed, estavam: Ray Kurzweil, Peter Diamandis, Dan Kraft, Andrew Hessel, Anne Woicjik, Salim Ismail, Jack Andraka, Bertlan Mesko, Manessh Juneja, entre outros….

Foi uma experiência incrivelmente atordoante e hoje, acredito, tenho um pouco de maturidade para entender o que realmente aconteceu e o impacto que aqueles dias  causaram em minha vida.

No FutureMed apresentando o projeto “Cocriação do Conceito de Saúde”, que coloca o paciente como principal agente da própria saúde e busca também uma maior empatia do profissional pelos problemas deste paciente.

As previsões do futuro da saúde realizadas durante aquele momento, hoje podem ser agrupadas em 3 grandes tendências.

1- A “moda” é ser saudável e cuidar de sua saúde. Demonstrar ser saudável, confere status.

2- A utilização da tecnologia para a digitalização e aprimoramento dos processos de consumo de saúde, possuem o objetivo final de melhorar a qualidade da experiência dos pacientes e dos prestadores de serviços de saúde melhorando os resultados e diminuindo os custos.

3- A convergência de novas tecnologias, como a Genética, a Nanotecnologia, a Robótica, a Impressão 3D, a Inteligência Artificial e a Tecnologia do Cuidado, tecnologias conhecidas como exponenciais, irão aumentar a nossa longevidade, ao mesmo tempo, proporcionando uma maior qualidade de vida.

Primeira tendência

A moda hoje é ser saudável e a saúde é percebida como símbolo de status. Por exemplo, participar de um grupo de corrida ou de yoga, fazer Pilates, ter o seu próprio personal trainer, entender sobre alimentação saudável virou sinônimo de disciplina, sofisticação e consciência que são valores semelhantes aos praticados pela indústria do luxo.

Segundo o Global Wellnes Institute o potencial de faturamento da indústria do bem estar pode chegar a mais de 3,7 bilhões de dólares em 2017.

Essa é a grande tendência atual da saúde e que deve se manter no futuro emergente  pelos próximos 5 anos, pelo menos.

Segunda tendência

A segunda grande tendência iniciou nos anos de 2012-2013  e está crescendo fortemente no Brasil: é o que chamamos de Digitalização da Saúde.

Da mesma forma que a digitalização de processos mudou a forma como organizamos e planejamos nossas viagens, como também mudou a nossa relação com os bancos, diminuindo cada vez mais a necessidade da nossa presença física para efetuar algum pagamento ou transação financeira, esses conceitos de digitalização estão chegando na experiência de consumo da saúde.

A experiência de consumo, ou melhor, a jornada de saúde, inicia no momento em que sentimos algo fora do normal e pesquisamos por uma solução até o momento em que esta situação está resolvida. As experiências de consumo em saúde são muito mais sensíveis, pois o medo, a angústia, a dor e questões familiares estão sempre presentes.

Até pouco tempo atrás, o único ponto de contato digital dessa jornada era o Google, onde o paciente  podia pesquisar seus sintomas e suas queixas. A partir daí, todo o restante da experiencia/jornada ocorria de uma forma tradicional.

São nesses novos pontos de contato digital que estão surgindo diversas startups com objetivo de melhorar essa experiência.

Empresas de tecnologia estão criando pulseiras, relógios, adesivos, chips e uma série de dispositivos que estimulam o paciente a colaborar no monitoramento de seus  indicadores de saúde em tempo real, assumindo de forma proativa as rédeas da sua vida em busca de uma melhor qualidade de vida.

Essa participação ativa do paciente é uma ruptura de mentalidade, transferindo as decisões que antes estavam centralizadas nos médicos, para decisões em conjunto, em que a palavra final é a do paciente.

Muitos dos avanços realizados até aqui têm como foco a medicina que continua baseada somente na doença, uma medicina reativa e um sistema de saúde com seus modelos de negócios focados em volume e procedimentos. Já começamos a questionar se o sistema seria mesmo de saúde ou se seria um sistema de doença, pois literalmente a doença é o elo de ligação mais forte entre os profissionais e os pacientes.

Como deveria ser um verdadeiro sistema de saúde onde a saúde  fosse o principal e mais forte elo de ligação? onde os profissionais seriam remunerados por manterem seus pacientes verdadeiramente saudáveis, e as doenças  fossem diagnosticadas e tratadas em seus estágios pré-clínicos?

Para que isso realmente aconteça, precisamos ressignificar o conceito de saúde.

Qual o verdadeiro significado de saúde para você? Estar saudável é um conceito muito mais amplo do que simplesmente não estar doente, e também é algo além do completo bem estar biológico, psicológico social, ecológico e, ouso acrescentar, bem estar digital.

É preciso entrar em uma nova era de cuidados clínicos e pré clínicos e também inovar a forma de relacionamento médico-paciente. Justamente por já ter integrado a equipe de Ivo Pitanguy e hoje, estar no comando de uma empresa focada em futurismo através da inovação e do empreendedorismo nas áreas da saúde, insisto que é necessário trazer o paciente para o centro dos cuidados novamente, pois a medicina do futuro resgata atitudes extremamente valiosas que ficaram esquecidas no passado.

Terceira tendência

A terceira tendência é a convergência de novas tecnologias. É preciso, sim, incorporar as novas tecnologias na prática da profissão, no tratamento das doenças  e na gestão de saúde, mas, acima de tudo, ouvir mais o paciente, olhar nos olhos dele  e pegar na sua mão. Essa é a principal função da tecnologia: favorecer o contato humano.

Na co-criação em saúde, o paciente é estimulado a agir ativamente em busca de escolhas conscientes e saudáveis, graças a uma equipe multidisciplinar que atua na retaguarda.

No futuro, os pacientes se tornarão os gestores, programadores e co-criadores de seus índices em tempo real. E os médicos terão que ressignificar a essência de sua profissão, pois serão vistos pelos pacientes como novos parceiros e como curadores das novas camadas de informação que irão emergir com a convergência dos novos dados de saúde obtidos.

Com a internet das Coisas – conceito tecnológico em que todos os objetos da vida cotidiana estarão conectados à internet, agindo de modo inteligente e sensorial – nosso vaso sanitário se conectará com a nossa geladeira, que por sua vez receberá informação de nosso aparelho celular e, conforme for a alimentação nesse dia ou a quantidade de exercícios que executarmos, a geladeira poderá abrir ou não.

Os avanços tecnológicos chegaram ‘com tudo’ não apenas nas cirurgias robóticas, nos transplantes e nas microcâmeras que operam cérebros. Se o paciente precisar de uma dessas operações, certamente, ele desejará receber estes cuidados ultramodernos, certo?

E, caso você não quisesse  ser submetido a uma cirurgia, como a tecnologia poderia te ajudar?

Com essa nova mentalidade, pacientes já perguntam: o que devo fazer hoje para estar melhor de saúde daqui a dez anos?

Avançamos muito, mas há tempos estamos à deriva, convivendo com mortes que seriam facilmente evitáveis, como por exemplo, por pressão alta. Outro ponto, é que o hi-tech da saúde excluiu a prevenção genuína.

Nos últimos 100 anos, praticamente  todos os cuidados padronizados de saúde do Ocidente foram baseados nas doenças e nos remédios. Com o avanço da tecnologia, começa a surgir um modelo de cuidado focado na monitorização dos dados de saúde. As novas tecnologias estão ajudando a criar um novo modelo padronizável, escalável e verdadeiramente baseado em evidências científicas, onde o monitoramento das pessoas conectado com algum tipo de tecnologia, como a inteligência artificial, começa a substituir o uso de medicações. A medicina, como toda indústria, não tem como fugir dessa transição.

Uma grande parte da inovação disruptiva na área da saúde está se baseando no conceito conhecido como Quadruple Aim, ou “meta quádrupla”, que aponta ser necessário perseguir os seguintes objetivos:

– Melhorar a experiência do cuidado;

– Melhorar a saúde das populações;

– Reduzir os custos per capita nos cuidados de saúde.

– Melhorar a experiência dos médicos (objetivo incluído recentemente em razão das dificuldades vividas pelos profissionais de saúde).

É possível aplicar estes conceitos no dia a dia dos planos de saúde por meio de workshops e oficinas com apoio de metodologias ágeis e inovadoras como o Design Thinking e o Exponential Organization Canvas envolvendo todos os membros da cadeia de saúde.

Incentivar diálogos é algo primordial para pensar e realizar as mudanças necessárias. A pluralidade da cadeia de valor da saúde e a união com o ecossistema empreendedor nesse novo contexto tem despertado o interesse dos governos, dos hospitais, planos de saúde, instituições de ensino, sendo estes o grupo de clientes que mais tem se interessado pelo assunto no último ano.

Tecnologia como diferencial

Vive-se um período de transição na área da saúde: do analógico para o digital, e do digital para a convergência das tecnologias exponenciais. Já e possível monitorar o corpo humano, medindo os passos, o sono, as calorias, os batimentos do coração, as ondas cerebrais e muito mais. As pessoas terão dados, e esses dados serão os indicadores de saúde.  Já sabemos que tudo que pode ser medido pode ser monitorado, e tudo que pode ser monitorado pode ser melhorado. Este é o novo paradigma.

O futuro já bate à nossa porta por meio de máquinas multifuncionais para detectar doenças, antes de aparecerem os primeiros sintomas. Já existem testes genéticos mais baratos do que uma consulta médica. Computadores, dispositivos e robôs já são utilizados no diagnóstico e no tratamento e consulta à distância e aplicativos como aliados para otimizar a saúde.

A inovação na área da medicina não precisa necessariamente estar relacionada à tecnologia e aos novos equipamentos. Mas sim, na forma de relacionar-se com o paciente. Todos os profissionais que trabalham como máquina, serão substituídos por uma máquina. Os avanços tecnológicos na área da saúde evidenciam: cada vez mais o fator humano é preponderante na missão médica.

A medicina do futuro é aquela que mistura os conceitos da medicina tradicional com a medicina alternativa e complementar, e faz do paciente o centro das decisões, autônomo no autocuidado e na busca pelo seu bem-estar, que pode não ser perfeito, mas é seu.

Imagem da capa: extraída da capa do livro The Guide to the Future of Medicine de Bertalan Meskó.

Dr. Leonardo Aguiar

Médico e cirurgião plástico, Dr. Léo Aguiar é fundador da Laduo, sendo um defensor da união entre a saúde integrativa e seu uso potencializado pelas tecnologias exponenciais. Adora pesquisar como a tecnologia pode ser uma excelente aliada da saúde, capaz de transformar enredos e mudar destinos.

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