Um avanço extraordinário. Após 10 anos de trabalho, cientistas de Cambridge conseguiram criar um embrião sintético de rato com cérebro, coração batendo e a fundação de todos os outros órgãos do corpo, usando células-tronco. A pesquisa foi publicada na Nature.

Os pesquisadores consideram o feito “um sonho tornado realidade”, e afirmam que será possível a partir de agora entender melhor por que algumas gestações não vão adiante em estágios iniciais, como também será possível desenvolver novos tratamentos para anomalias, para cicatrizar/regenerar órgãos, além da criação de órgãos humanos sintéticos para transplante.

A equipe da Universidade de Cambridge, liderada por Magdalena Zernicka-Goetz, desenvolveu o modelo de embrião utilizando células-tronco – células mestras do nosso corpo, que dão origem a todos os tecidos e suas posteriores especializações – simulando os processos naturais em laboratório. Magdalena é professora de desenvolvimento de mamíferos e biologia de células-tronco no Departamento de Fisiologia, Desenvolvimento e Neurociência.

Usando proporções e ambiente corretos, as células-tronco cultivadas representavam cada um dos três tipos de tecido encontrados no desenvolvimento inicial dos mamíferos. Elas foram guiadas para crescer e interagir umas com as outras, até que finalmente se autoformassem em um embrião.

“É inacreditável que chegamos tão longe. Tem sido o sonho da nossa comunidade há anos e o foco principal do nosso trabalho e finalmente conseguimos.” – Magdalena Zernicka-Goetz.

Desencorajada por seus mentores a realizar esse trabalho durante seu doutorado, temendo que fosse difícil explicar para a comunidade científica, mesmo assim, Prof. Magdalena formou sua própria equipe de pesquisa em Cambridge. “Fiquei tão impressionada de como o embrião se auto-organiza que não desisti e, centímetro a centímetro, avançamos”, diz ela.

Os embriões sintéticos

Em suas pesquisas, a equipe induziu a expressão de um conjunto específico de genes e criou um ambiente customizado para que as células-tronco interagissem e se comunicassem umas com as outras.

Elas se auto-organizaram em estruturas que evoluíram por sucessivos estágios de desenvolvimento até formar corações batendo, bases do cérebro e o saco vitelino onde o embrião se desenvolve e obtém seus nutrientes em suas primeiras semanas.

Embriões sintéticos já tinham sido criados pela equipe ao longo de seus estudos entre 2018 e 2021, mas os novos modelos de Cambridge chegaram a um estágio em que todo o cérebro, inclusive a parte anterior, começou a se desenvolver.

Ao progredir no desenvolvimento do embrião apenas em um dia, a equipe provou que seu modelo é o primeiro no mundo a sinalizar o desenvolvimento de todo o cérebro. “Isso abre novas possibilidades para estudar os mecanismos de neurodesenvolvimento em um modelo experimental”, vislumbra Prof. Magdalena.

Embriões naturais (acima) e sintéticos (abaixo) lado a lado para mostrar a formação comparável do cérebro e do coração. (Crédito da imagem: Amadei e Handford)

“Pegamos um gene essencial para a formação do tubo neural, precursor do sistema nervoso, e para o desenvolvimento do cérebro e dos olhos. Na ausência desse gene, os embriões sintéticos apresentam exatamente as anomalias conhecidas no desenvolvimento cerebral. Isso significa que podemos começar a aplicar esse tipo de abordagem aos genes com função desconhecida no desenvolvimento do cérebro”.

O desenvolvimento bem-sucedido de um embrião humano

Para que o embrião humano se desenvolva bem, deve haver um diálogo entre os tecidos que o formarão e os tecidos que o conectarão à mãe.

Na semana após a fertilização, três tipos de células-tronco se desenvolvem – uma que formará os tecidos do corpo e duas que apoiam o desenvolvimento embrionário. Um desses tipos de células-tronco “extraembrionárias” se tornará a placenta que conecta o feto à mãe para fornecer oxigênio e nutrientes. O outro é o saco vitelino onde o embrião cresce.

Muitas gestações não prosseguem quando os três tipos de células-tronco começam a enviar seus sinais mecânicos e químicos uns para os outros. “Esse é o momento em que a maioria das mulheres percebe que está grávida”, explica Prof. Magdalena. “Este período é a base para tudo o que se segue na gravidez. Se der errado, a gravidez não seguirá em frente.”

Por uma década, a equipe em Cambridge explorou esses estágios iniciais para entender por que algumas gestações são bem-sucedidas e outras não. Utilizando o modelo de embrião de células-tronco, é possível visualizar a estrutura em desenvolvimento em um estágio que normalmente é imperceptível quando ocorre a implantação do pequeno embrião no útero da mãe, e assim, com essa visibilidade, manipular os genes para entender seus papéis de desenvolvimento em um sistema experimental.

“Esse período da vida humana é tão misterioso, então podermos ver como isso acontece – ter acesso a essas células-tronco individuais, entender por que tantas gestações não vão adiante e como podemos evitar que isso aconteça – é muito especial.”

Os pesquisadores descobriram que as células extraembrionárias sinalizam para as células embrionárias não apenas por sinais químicos, mas também mecanicamente, ou através do toque, orientando o desenvolvimento do embrião.

A maioria dos estudos de modelos embrionários se concentra em células-tronco embrionárias, mas não considera o papel significativo das células extraembrionárias. “Nossa equipe criou as proporções certas de células-tronco embrionárias e extraembrionárias. Conseguimos entender como os tecidos extraembrionários direcionam as células-tronco embrionárias ao longo dos caminhos corretos para sinalizar a formação das estruturas; como as células se movem entre os compartimentos à medida que surge o plano corporal de várias camadas; e como isso define corretamente o cenário para a neurulação – o processo em que o tecido se dobra para formar o tubo neural e, por sua vez, o cérebro e a medula espinhal”, explica Prof. Magdalena.

Sua experiência pessoal impulsionou a determinação em descobrir os segredos do desenvolvimento fetal. Ela lembra que durante sua gravidez, ficou abalada quando uma amostra de células extraembrionárias revelou anormalidades. Para seu alívio, a amniocentese – análise de células fetais do líquido amniótico, placenta – as células eram normais.

Esse fato a levou a estudar a aneuploidia em mosaico – uma condição em que o embrião tem células com o número errado de cromossomos lado a lado com células cromossomicamente normais. “Incrivelmente, descobrimos que essas células anormais podem ser eliminadas, e as células normais e saudáveis ​​compensam essa ausência. Por alguma razão, esse mecanismo não funciona nos tecidos que constroem a placenta, e ainda estamos tentando entender por que e como”.

Próximos passos

A lei do Reino Unido permite que embriões humanos sejam estudados em laboratório até o décimo quarto dia de desenvolvimento.

Ao desenvolver modelos humanos, estes poderiam potencialmente ser direcionados para a geração de tipos específicos de órgãos para entender os mecanismos por trás de processos cruciais que seriam impossíveis de estudar em embriões reais.

A partir de agora, os pesquisadores estão desenvolvendo um modelo análogo ao embrião humano enquanto investigam a “caixa preta do desenvolvimento” – o período de desenvolvimento embrionário que ocorre no momento da implantação no útero.

Se o trabalho for bem-sucedido com células-tronco humanas, também poderá levar ao desenvolvimento de órgãos sintéticos para pacientes que aguardam transplantes.

“Há tantas pessoas no mundo que esperam anos por um transplante de órgão. O conhecimento criado pelo nosso trabalho pode ser direcionado para o cultivo de órgãos humanos sintéticos que salvem vidas. E, também, para a cura de órgãos em pessoas adultas, com o conhecimento que temos sobre como eles são feitos.”

Prof. Magdalena cresceu na Polônia, em uma época de proibições. Não havia encorajamento para pensar diferente. “Havia imensa pressão social para as pessoas se conformarem, e muitos de nós nos rebelamos. O lado positivo foi o desejo de pensar de forma independente e perseverar apesar do desânimo e da falta de incentivo.”

Fonte: Cambridge Independent

Foto da capa: Zernicka-Goetz lab

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