Dentre a pluralidade de papéis que nossos filhos podem assumir no futuro, há dois possíveis: assim como a maioria de nós, eles podem continuar seguindo “voluntariamente” as regras de grandes corporações e consumindo seus produtos. Ou, eles terão algo de original para oferecer ao mundo.

Sabemos que a pesquisa e a ciência no Brasil variam entre o descaso e o amadorismo. Rafael Barros de Oliveira compara o pesquisador brasileiro ao atleta de qualquer esporte que não o futebol: há um senso de incompletude, de subclasse: “o cientista nacional volta seus anseios de reconhecimento para a comunidade científica internacional, onde somos muito bem recebidos, desde que mantenhamos nossa condição coadjuvante e subserviente.”

Que se manifestem os cientistas brasileiros sobre tal impressão. Talvez Rafael tenha alguma razão, afinal, por que então são raros os brasileiros que entram na universidade e geram algo significante para a nossa sociedade?

Acredito que o Brasil não irá virar “colônia dos vencedores, como mercado do consumo, aceitando os quadrados ou bolhas nos quais os algoritmos americanos e chineses nos colocam” como alerta o antropólogo Hermano Vianna, em um dos melhores artigos já escritos aqui no país sobre Inteligência Artificial.

Mas, o que o mundo tem feito de diferente? Por que o Brasil está comendo poeira?

Em 2016, os Estados Unidos lançaram um chamado de “nação de fazedores”, com o objetivo de gerar novos empregos e indústrias nos próximos anos.

Em algumas antigas cidades fabris norte-americanas estão surgindo negócios ligados à cultura do FAZER: na cidade de Pittsburgh, foram instalados espaços abertos para o desenvolvimento de projetos tecnológicos e de pesquisas de engenharia robótica em parceria com universidades locais. Isso está dinamizando o setor econômico e expandindo as oportunidades de empregos.

Vou dar outro exemplo que não seja o de um país desenvolvido:

O continente africano está criando, em suas principais cidades, espaços makers para atrair a participação cívica na criação e na construção de coisas, promovendo a inclusão no desenvolvimento tecnológico e no empreendedorismo comunitário. Os “Afrimakers”, como eles gostam de ser chamados, estão criando soluções inovadoras para problemas locais.

Matou a charada para o futuro? F.A.Z.E.D.O.R.E.S. Pessoas que fazem. Que criam soluções.

Como curadora de conteúdos sobre Futurismo, constato que a habilidade mais importante para o futuro seja essa: saber solucionar problemas. Não importa se para isso você contará com os algoritmos da Inteligência Artificial ou com os neurônios da própria cuca.

Mas, para solucionar problemas, é preciso prototipar as soluções, passando por um “ciclo de invenção”: imaginar, construir, testar, errar, aperfeiçoar, até chegar a um protótipo viável (MVP).

Até poucos anos atrás, se você desejasse construir algo, deveria esperar ou adaptar alguns produtos já existentes no mercado, ou seja, você dependia de uma empresa produzir algo para poder consumir ou customizar.

E, falando em consumo, levando para o lado extremo, o consumismo vai virar uma realidade ultrapassada. Segundo a Heloisa Neves, que nos ajudou a montar nosso Fab Lab em Fortaleza, os prosumers, consumidores que fabricam ou codesenham seus próprios produtos, farão cada vez mais sentido:

Vemos cada vez mais o fator personalização como um caminho a ser também incorporado por empresas em seus processos a fim de que o consumidor seja tratado como um parceiro do processo e não somente alguém que escolhe uma marca ou um produto desenhado para um consumidor mediano”.

Isso que a Heloísa fala é o Movimento Maker, com seu modelo aberto e colaborativo que propicia um empoderamento das pessoas comuns, transformando-as em produtoras ativos de suas ideias e acionando a possibilidade de chegarem mais longe do que poderiam individualmente.

Para Jeremy Rifkin, esta nova revolução industrial, provocada por esse Movimento, tem caráter muito mais colaborativo conduzindo a uma partilha da riqueza gerada. Dentro desta ótica, o interesse particular fica em segundo plano em relação ao interesse coletivo: adicionar valor e informação à rede não deprecia o ativo particular, mas sim, beneficia de alguma maneira a todos os participantes conectados.

Isso significa que estamos entrando numa era fantástica, que não existia até então na Economia Industrial: a chance de qualquer um de nós aqui matar a GM, a Gerdau ou até mesmo o Facebook.

Mas, voltando à realidade brasileira, temos uma barreira para que as instituições de ensino levem o empreendedorismo e a atitude maker para dentro da sala de aula, como base para mudarmos as regras do jogo e alcançarmos o protagonismo dos brasileiros na ciência, na tecnologia e na inovação.

A principal barreira é o currículo brasileiro fechado, baseado em competências e habilidades que não precisamos mais e que não são mais suficientes para atuarmos no mundo de hoje, muito menos no futuro.

Por mais inovadora que seja uma escola, ela enfrenta dois desafios: o primeiro por estar amarrada a algumas regras do MEC, não podendo implementar algumas ideias novas. O segundo desafio é que ainda temos uma geração de pais que cobram das escolas o ensino do conteúdo tradicional, já que foi assim que eles aprenderam.

Como observa Paulo Blikstein, professor doutor do Centro Lemann, em Stanford (EUA), habilidades como inovação, colaboração e empreendedorismo não cabem dentro do currículo antigo, e ninguém quer sair da zona de conforto para tirar alguma coisa desse currículo, já que para colocar algo novo, alguma coisa antiga tem de sair.

Para Paulo, o MEC vai completamente contra o que o mundo está fazendo, “porque deixou de lado um componente fundamental para a experimentação: a tecnologia.”

Olhando para o futuro

Considero insignificantes as tentativas das escolas de levar a “atitude fazedora” para dentro da sala de aula. Há esforços isolados, aqui e ali. E não estou falando das aulas de robótica, mas sim de programas que envolvam a prototipagem de ideias e de soluções, colocando a mão na massa.

Recentemente tive uma experiência sensacional com mais de 400 crianças e adolescentes, de 12 a 17 anos, em um colégio em Fortaleza. Eu e minha equipe no Joy Fab Lab, desenvolvemos um programa chamado “Revolução Maker”, o qual, o Colégio Darwin, de forma visionária, acreditou e deixou que implementássemos.

Durante 2 meses passamos por 3 fases, através de um processo de prototipagem ágil, colaborativo e mão na massa.  Aceleramos 68 equipes a desenvolver e validar ideias através de um sprint, tendo como foco o protótipo. Na Semana Interdisciplinar Darwin (SID) as 68 equipes formadas por alunos do 6o ano Fundamental à 2a série do Ensino Médio apresentaram seus protótipos que solucionam diversos problemas nas áreas de saúde, segurança pública, energia, preconceitos, barulho nas salas de aula, dentre outros.

Idealizamos o “Revolução Maker” justamente pensando em desenvolver habilidades fundamentais para o futuro: inspirar nos jovens a confiança, a criatividade e a inovação, mostrando que eles precisam ter autonomia e espírito de colaboração para iniciar e concluir um projeto.

Porém, logo que começamos as imersões, percebemos que os alunos sempre chegavam esperando que nós ditássemos as regras para que eles realizassem algo. E isso é exatamente o oposto da atitude empreendedora que pretendíamos estimular.

Explicamos que não era preciso inventar a roda. Pra isso, disponibilizamos para eles bibliotecas gigantescas de projetos abertos online. Mas, insistimos: queríamos inovação em cima do que já existia, e claro, se criassem soluções completamente novas, que nunca ninguém havia pensado, essas seriam muito bem-vindas!

Procuramos que os alunos entendessem que nem sempre o projeto precisa ser perfeito, e que, ao longo do desenvolvimento, ele dá errado, justamente para que eles não se frustrassem ao se deparar com problemas mais complexos.

Buscamos trabalhar três coisas:

Artur, nosso engenheiro no Joy Fab Lab, acompanha a apresentação de um dos protótipos.
(Crédito: Colégio Darwin)

1- A COLABORAÇÃO:  se os integrantes da equipe não sabiam algo, eles buscavam alguém no mundo que soubesse, porém sempre estávamos disponíveis para responder dúvidas e dar orientações. 

Apresentação do School Interconection protótipo criado pelos alunos da 2a série do Ensino Médio
(Crédito: Colégio Darwin)

2- A AGILIDADE: algo essencial no mercado atual, o que dirá no mercado futuro. Ser ágil faz a diferença quando se quer colocar um produto bastante inovador no mercado. Ser FAZEDOR é encontrar maneiras de encontrar formas de superar sistemas rígidos e hierárquicos.

Apresentação de um protótipo representado por um jogo interativo que estimula consciências.
(Crédito: Colégio Darwin)

3- A PROTOTIPAGEM: a linguagem do FAZEDOR é o protótipo. O “Maker” prototipa para comunicar, agilizar processos e entender os detalhes de cada etapa, prevendo futuros problemas, e validando sua ideia com quem vai usar o produto quando este for lançado.

Apresentação de uma horta coletiva inteligente, com sensores, aplicativo e gamification.
(Crédito: Colégio Darwin)

Apresentação do protótipo que resolve problemas de falta de água em áreas remotas.
(Crédito: Colégio Darwin)

A semente

A cultura do FAZER permite que alunos tomem conta de seus processos de aprendizagem e proponham resoluções. Penso que essa seja a semente que deveria ser plantada pelas escolas para que os alunos crescessem acreditando que podem fazer acontecer.

Pra isso, é muito importante que o Movimento Maker tenha início no ensino fundamental e chegue até a Universidade, afinal, as faculdades precisam desenvolver nos alunos as habilidades essenciais para o futuro.

O Movimento Maker – inovação, criatividade e o empreendedorismo – não é uma onda que vai passar. De certa forma já está presente na vida dos jovens de hoje, quando acessam a Internet, dividem conhecimento e replicam projetos em seus quartos ou garagens.

Porém, temos que evoluir das invenções de garagem e das gambiarras. A inovação está justamente no fato de pessoas, através das máquinas de fabricação digital, poderem trabalhar de forma coletiva. Para isso servem os Fab Labs que são “fábricas alternativas”, com suas máquinas, softwares e sua rede colaborativa, colocando o controle da criação, novamente nas mãos das pessoas.

Criamos um mini ecossistema de inovação onde os alunos puderam projetar soluções apropriadas para problemas reais. As equipes vencedoras vão começar a aprimorar seus protótipos no nosso Fab Lab e acredito que alguns projetos possam virar startups. (Crédito: Colégio Darwin)

Escolas, universidades e empresas deveriam oferecer plataformas para um novo sistema econômico que gere poder intelectual para semear prosperidade compartilhada. Os problemas a serem resolvidos no Brasil são imensos: água limpa, energia, cuidados com a saúde. Os nossos FAZEDORES querem explorar, aprender e criar soluções para esses desafios. E aqui fica o convite:

Escolas e Universidades, vamos FAZER acontecer?

Imagem da capa: cortesia de C.F. Møller + TRANSFORM

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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