Imagine o seguinte cenário: todos os dias, você começa a trabalhar às 9h da manhã, mas não sabe exatamente que horas vai terminar. Você até planeja seu dia, suas atividades, mas sabe que ao iniciar o expediente, tudo pode mudar, pois seu gestor ou gestora vai trazer uma série de demandas urgentes que precisam ser encaixadas ainda hoje. Você entra e sai de reuniões intermináveis e improdutivas, que te impedem de cumprir suas prioridades, que acabam sendo empurradas para o final do dia. Você precisava parar de trabalhar no seu horário (por volta de 18h) para cuidar de alguns assuntos pessoais, mas não sente que pode abrir essa questão com sua liderança e nem com alguns dos seus colegas, pois tem receio que eles julguem sua capacidade de priorizar o trabalho. Você termina mais um dia se sentindo exausto (por volta das 20h), pouco produtivo e irritado com a equipe da área vizinha, cuja comunicação tem diversas falhas, o que gera um enorme retrabalho. Você se pergunta frequentemente se poderia encontrar um lugar melhor para trabalhar, se seu salário está valendo a pena e se sua vida poderia ser mais equilibrada.

Talvez você não viva exatamente este cenário completo. Mas eu acredito fortemente que você vive ou já viveu diversas dessas situações listadas acima, que ajudam a tangibilizar o que eu chamo de ambientes de trabalho disfuncionais. Nesse simples exemplo, podemos extrair alguns ingredientes bastante tóxicos e que contribuem para essa disfunção: pouca autonomia, baixa previsibilidade, estresse, conflitos, baixa confiança, pouca segurança psicológica, perda de performance, frustração, desengajamento, ausência de bem-estar e equilíbrio de vida.

As pesquisas não deixam dúvidas a respeito de como os ambientes de trabalho estão disfuncionais. Segundo dados da Gallup, estamos enfrentando uma crise na confiança, especialmente em relação às lideranças. Em pesquisa realizada em 2023, apenas 21% dos entrevistados afirmaram confiar em suas lideranças dentro da empresa, índice inferior ao observado em períodos críticos da pandemia da covid-19.

A confiança e a segurança psicológica são elementos essenciais para um ambiente de trabalho saudável e verdadeiramente produtivo. Segundo pesquisa realizada pela Universidade da Carolina do Norte, a rotina de trabalho da maioria dos profissionais é considerada ineficiente, visto que 71% dos entrevistados afirmam que suas reuniões são improdutivas, enquanto 65% consideram que o tempo perdido em reuniões os impede de concluir seu trabalho. Essa ineficiência acaba gerando sentimentos de frustração e sobrecarga, além de uma perda do equilíbrio de vida. Por último, não posso deixar de mencionar o quanto esses ambientes disfuncionais estão impactando negativamente a saúde mental das pessoas. De acordo com dados recentes da consultoria Deloitte, publicados em matéria da Forbes, 62% dos líderes entrevistados no Brasil, em cargos de C-levels, afirmaram ter sofrido um burnout.

Esses ambientes disfuncionais trazem consequências negativas que transbordam e muito o ambiente corporativo. Uma pesquisa recente, destacada no livroWork Matters: How Parents’ Jobs Shape a Child’s Wellbeing“, revelou um elo intrigante entre as experiências profissionais dos pais e o bem-estar de seus filhos. Surpreendentemente, descobriu-se que a autonomia, a flexibilidade e uma liderança empática não só moldam a dinâmica no escritório, mas também têm um impacto profundo na interação entre pais e filhos. Profissionais que vivem em ambientes de trabalho mais saudáveis tendem a nutrir relações mais calorosas com seus filhos, cultivando laços emocionais que são fundamentais para um desenvolvimento saudável na infância.

A relevância do vínculo emocional na primeira infância é amplamente conhecida e reverbera na vida adulta, interferindo em vários aspectos como saúde emocional, desempenho intelectual e habilidades socioemocionais. Dessa forma, este estudo sugere que a qualidade das relações e do ambiente de trabalho impacta a sociedade não apenas de forma direta, no resultado empresarial, mas também na vida pessoal dos profissionais e de suas famílias, afetando de forma importante as futuras gerações. Fica evidente a necessidade de buscarmos novas formas de lidarmos com o trabalho e com a produtividade, respeitando limites importantes que esbarram na construção de uma sociedade mais sustentável e próspera.

A Neurociência Organizacional pode solucionar problemas de gestão

Há muitas formas de analisarmos os ambientes organizacionais. Hoje, eu gostaria de compartilhar com você a perspectiva da Neurociência Organizacional, uma área que tem como objetivo solucionar dilemas comuns dos ambientes de trabalho e da gestão de pessoas à luz dos aprendizados da Neurociência. E como esta área enxerga os ambientes de trabalho disfuncionais?

A Neurociência parte do entendimento de que o comportamento humano é influenciado por aspectos inconscientes e emocionais, e que muitas das disfunções organizacionais têm suas raízes no processamento cerebral e nas consequências decorrentes da resposta de estresse e da ativação do chamado sistema motivacional defensivo. Parece complexo? Eu explico.

Nosso comportamento e tomada de decisão são governados pelo cérebro, a partir da ativação de dois sistemas neurais principais, conhecidos como Sistemas Motivacionais. O sistema apetitivo é acionado em contextos positivos e agradáveis, que favorecem nossa sobrevivência e bem-estar. Já o sistema defensivo é ativado em contextos negativos e de ameaça à integridade e ao bem-estar físico e psicológico do indivíduo. A ativação do sistema defensivo gera comportamentos de afastamento e evitação. Nosso cérebro está programado para evitar ativamente tudo que possa parecer prejudicial ao indivíduo, como forma de potencializar sua sobrevivência. A falta de autonomia e de controle da própria rotina, a sensação de insegurança e de desconfiança com a equipe e liderança, a sensação de julgamento, conflitos e até a sobrecarga de trabalho são estímulos percebidos pelo cérebro como ameaçadores e que acabam por deixar o indivíduo em estado de alerta. A consequência é o aumento dos níveis de estresse, que disparam uma cascata de eventos fisiológicos que contribuem para lidar física e emocionalmente com este cenário negativo. O estresse pontual é contornável, mas se esses elementos estão presentes na rotina, o estresse deixa de ser pontual e passa a ser crônico, causando um grande desgaste e esgotamento. Não é surpreendente que problemas de saúde mental e casos de burnout sejam cada vez mais comuns nas empresas.

E como fica a performance das pessoas nesse cenário, segundo a Neurociência? A Motivação negativa e os altos níveis de estresse são elementos conhecidos por prejudicarem a performance. As pessoas podem até estar entregando resultados, por necessidade, mas certamente não estão dando o seu melhor. Em ambientes disfuncionais, as pessoas trabalham imersas em emoções negativas como medo, frustração, desconfiança e necessidade de autopreservação, o que reduz drasticamente a capacidade de colaboração, inovação, empatia com os colegas e clientes, melhoria de processos, aprendizado e desenvolvimento. Percebe como os ambientes disfuncionais geram um ciclo tóxico, que gera uma motivação negativa, aumenta o estresse e prejudica a performance das equipes? Será que esse quadro de disfunção é sustentável? Faz sentido continuar alimentando esse modelo de ambiente de trabalho?

A Neurociência Organizacional também nos guia no caminho inverso, na busca por um ambiente de trabalho que seja produtivo, de alta performance, mas que possa ser saudável ao mesmo tempo. Isso seria possível?

Para atingirmos esse objetivo precisamos entender o conceito de equilíbrio, bastante comum nos sistemas biológicos. Estamos falando de ajustarmos parâmetros críticos de funcionamento de um sistema, para que ele possa manter-se funcionando de forma saudável, mas principalmente, para que ele possa se autorregular.

Utilizo o termo Homeostase Organizacional (HO), para descrever esse mesmo tipo de equilíbrio, porém no contexto específico das Organizações. Nos organismos vivos, a homeostase é entendida como a manutenção dos parâmetros de sobrevivência em equilíbrio. Ou seja, o organismo faz de tudo para manter esses parâmetros bem ajustados, evitando assim o colapso do sistema. E, nesse sentido, empresas também podem ser vistas como organismos vivos e autorreguláveis. Vou explicar mais a fundo.

Para mantermos a HO, é importante ajustarmos os parâmetros básicos, tornando o ambiente de trabalho saudável o suficiente para se autorregular. Se uma empresa atinge essa HO, significa que mesmo quando eventos estressores ocorrerem – e eles certamente ocorrerão —, serão todos gradativamente amortecidos ou neutralizados por sua capacidade interna de autorregulação e manutenção do equilíbrio.

Em outras palavras, uma equipe com alto nível de confiança, boa comunicação, engajada e saudável mentalmente terá muito mais sucesso na resolução de problemas cujo as soluções dependam de criatividade, agilidade e adaptabilidade, do que uma equipe estressada e conflituosa, que tende somente a reagir com mais estresse frente aos mesmos tipos de adversidade.

Atingir a Homeostase Organizacional significa ter equipes mais resilientes e preparadas para os desafios impostos pelo mundo atual. Por isso, a Neurociência Organizacional nos orienta a identificar e a corrigir de maneira mais eficiente os aspectos básicos que estão em desequilíbrio nas equipes. Ao ajustarmos esses parâmetros, ficamos mais próximos de um modelo sustentável de empresa, no qual performance e saúde andam juntas, e não em direções opostas.

Os desafios do nosso tempo exigem um novo olhar para a gestão das organizações. O mundo VUCA/BANI demanda novas habilidades, como resiliência e agilidade. No entanto, ainda é comum que elas tragam em suas culturas, reminiscências de uma época em que entendíamos a boa gestão como algo semelhante a um relógio suíço. Ou seja, a ideia de que, como em um grande mecanismo perfeito, se as engrenagens estiverem bem posicionadas, cada uma cumprindo sua função de forma precisa, tudo dará certo.

Porém, quanto mais a ciência avança, melhor enxergamos que, diferente de máquinas e engrenagens, as empresas são mais parecidas com organismos vivos, feitos e movidos por pessoas. E que, justamente por conta disso, um modelo de gestão otimizado precisa ser biodirecionado. Ou seja, precisamos levar em consideração as dinâmicas fisiológicas e psicológicas dos seres humanos por trás dos processos de trabalho, para que assim tais processos possam se tornar funcionais, flexíveis e humanamente sustentáveis.

Deixo então o convite à reflexão: o quão próximo sua empresa está desse modelo de pensamento? Como andam os sinais vitais do seu negócio?”

Thais Gameiro

Thaís Gameiros é Mestre e Doutora em Neurociência, especializada em Neurobiologia do estresse e bem-estar e sócia da Nêmesis Neurociência Organizacional.

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