Uma das questões que me move na vida para desempenhar meu papel nesse mundo, como ser (demasiado!) humano e profissional, é a ambiental. Considerando meio ambiente na sua concepção integral – que presume a interdependência de seus aspectos natural, socioeconômico, histórico, político, cultural e territorial – e pode ser sintetizada naquele termo que virou tããão comum nas nossas vidas, embora ainda levado à prática em escala mais reduzida do que precisamos: a sus-ten-ta-bi-li-da-de.

Isso vem lá da infância, vivida em meio ao que resultou do impacto causado pela obra mais gigantesca que a humanidade havia produzido até então para gerar energia: Itaipu. Tenho ainda bem clara a lembrança da primeira visita ao refúgio biológico da usina, o que entenderíamos por zoológico e que abrigava os exemplares salvos no processo de formação do reservatório da hidrelétrica – aquela que também levou uma das maravilhas naturais que esse mundo já teve, as Sete Quedas, que se transformaram em lembrança antes mesmo que eu nascesse (suspiro!).

Voltando à visita à nova casa dos bichinhos, misturou o maravilhamento que crianças pequenas sentem em contato com os animais e a tristeza por saber que as famílias dos que ali estavam não teve o mesmo destino e, quase como mágica, desapareceram no alagamento da área. Éramos crianças de 5 ou 6 anos… Muitas de nós moravam à beira do rio Paraná e descíamos de bicicleta todos os dias para brincar e explorar plantas, peixes e pedras na sua margem, uma das características naturais daquele território que faziam nossos grupinhos de crianças se sentirem grandes caçadores de aventuras.

Esta vivência ficou latente na minha memória, a ponto da enxurrada de matérias abordando as questões que levaram à convocação da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como Rio 92, me inspirar a decidir por “arquitetura e urbanismo” nas inscrições para o vestibular no ano seguinte. Isto porque me trouxeram o entendimento e o reconhecimento das nossas cidades como grande oportunidade e campo fértil de experiências para reverter o impacto negativo que a humanidade e sua demanda por recursos na vida urbana conseguiram causar ao nosso “pequeno planeta”.

“Pequeno planeta” é como um dos meus grandes colegas, Richard Rogers, intitula a Terra no seu manifesto extremamente didático sobre sustentabilidade urbana e a (re)criação de cidades que respeitem tanto o ambiente em que se inserem quanto as pessoas que as habitam. E me parece um termo bastante didático e apropriado ao tratar sustentabilidade por passar a  ideia da finitude de tudo o que existe aqui no mundo em que vivemos. Mais um ponto para a arquitetura!

Mas, o que isso tem a ver com educação em espectro amplo? E com o futuro?

Bom, já ouviu alguém falar, em meio ao debate vivido em 2017, sobre a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que uma boa base para uma educação que prepare as crianças, jovens e mesmo (e mais ainda!) os adultos para o mundo de hoje e o futuro que viveremos deveria ser a Carta da Terra[1] ou os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável[2]?

Eu já! Algumas vezes. Menos do que gostaria e mais do que esperava. E a frequência foi aumentando conforme se aproximava a homologação do documento, em dezembro do último ano, partindo de profissionais da educação, não de ambientalistas e afins, profissionais que respeito, imensamente. E respeitei ainda mais pela posição de tomar a nossa realidade e as possibilidades de futuro do mundo em que a gente vive como base para a educação.

São compromissos bastante semelhantes em conteúdo – guardadas as singularidades do contexto de elaboração de cada um – tratando os desafios que a humanidade precisa enfrentar no presente para garantir o acesso futuro aos recursos que a Terra nos oferece sob a perspectiva da responsabilidade compartilhada, do combate às desigualdades, do desenvolvimento sustentável e da cultura de paz. Enquanto a Carta da Terra traz como princípio 9 “Erradicar a pobreza como princípio ético, social e ambiental”, o ODS 1 é “Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todo os lugares”.

É claro que a Educação tem seu lugar específico neste processo colaborativo, já que o ODS 4 trata de “Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. Assim, dialogando com a visão estratégica conferida ao tema na Carta desde “Integrar, na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida, os conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida sustentável” em seu 14º princípio dedicado especificamente ao tema, passando por “… assegurar o acesso universal à educação…” ao discutir igualdade de gênero. Ou “Avançar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover a troca aberta e a ampla aplicação do conhecimento adquirido”, que se aproxima do que conhecemos por educação ambiental.

Sintetizando a estrutura, a Carta da Terra traz 16 princípios com uma abordagem mais diretiva e que se aproxima, numa leitura rápida, da ética do cuidado e da política do comum, enquanto os ODS oferecem, além dos 17 objetivos (como o próprio nome já revela), metas e indicadores pragmáticos para alcançá-los. E imagino que ambos os compromissos sejam fonte inspiradora para inúmeras oportunidades de adaptar ações à realidade local visando à conquista de metas globais (seguimos na lógica do “pense globalmente, aja localmente”).

Realidade e ação ausentes no método educacional tradicional, cujo enfrentamento é extremamente urgente para garantir a formação de seres mais conectados com o mundo e consigo mesmos e, oportunamente, tão presentes nestes dois compromissos globais pactuados para garantir um futuro. Para quem já está ocupando este espaço e para os que ainda virão.

Conceber a educação com base em sustentabilidade implica na valorização da experiência de mundo de cada um, do conhecimento e das habilidades construídos nessa experiência total de vida, independente de quanto tempo uma vida tenha levado, e em cada micro experiência que compõe este quebra-cabeça. Porque parte dos problemas e das oportunidades reais, perceptíveis e vivenciadas no cotidiano de qualquer habitante de qualquer lugar do planeta, ainda que em ordem de prioridade diferente.

Como ilustração da ideia, podemos tomar a própria “educação de qualidade”. Enquanto a questão é uma urgência a ser solucionada aqui no Brasil – até para a reflexão sobre questões básicas que levam a uma vida insustentável (como hábitos de consumo, desenvolvimento urbano, desigualdades, entre tantas outras) – acredito que há um consenso sobre parâmetros mínimos de qualidade no ensino básico não serem o principal problema enfrentado pela Finlândia, tomando como parâmetro a experiência educacional mais comentada na atualidade – e que não para de evoluir.

Implica também em romper muros e construir pontes ligando os pontos entre os ambientes educacionais formais e o mundo e a sociedade. E isto serve para t-o-d-a-s as etapas da aprendizagem, deixando aqui um recadinho e um convite para a nossa amiga universidade que fica tão escondidinha em si mesma: venha fazer parte da realidade, especialmente você que é custeada com recursos públicos, e voltar toda a sua competência científica para o mundo aqui fora. Este mundo que é real e tem problemas reais que se beneficiariam verdadeiramente de uma aproximação deliberada das questões relevantes para a coletividade.

Parece um cenário em que todos ganham? Cada parte cedendo um pouquinho, sim! Porque envolve também aquele “ente” que vive no dia a dia o problema de pesquisa sem o “glamour” da academia, “sentindo a dor” como se diz nos “ambientes de inovação” e, numa escuta atenta e ativa, pode trazer pistas preciosas para soluções simples, envolvendo poucos recursos – e locais! Olha a sustentabilidade aí, gente! – e que sejam eficazes e efetivas no enfrentamento do problema real e com endereço.

Sem querer e inevitavelmente, estamos tratando de um ODS, 17, “parcerias e fortalecimento dos meios de implementação”, um primeiro passo para colaboração intersetorial, passo que mesmo pequeno, mas que faz a gente sair do lugar e seguir caminhando. Partindo de outro, 9, “fomentar a inovação”, “fortalecer a pesquisa científica, melhorar as capacidades tecnológicas”, “apoiar o desenvolvimento tecnológico, a pesquisa e a inovação nacionais”. Faz sentido?

Conceber educação a partir da sustentabilidade, com propositura de soluções para problemas reais tirando partido do conhecimento já produzido e por vir também traz uma “baita” e significativa lição de empreendedorismo. Na prática, mão na massa raiz! Ou ainda vamos ficar nas conversas (ou, numa aproximação um passo atrás e mais realista, em escritas e leituras?) sobre o tema nas salas fechadas enquanto existe, literalmente, um mundo de oportunidades aqui fora para detectar problemas (e nos apaixonarmos por eles!), encontrar quem “sofre deles”, mapear esta clientela, entender quais soluções possíveis e como e com quem viabilizá-las, como e onde comunicar, como, quanto e se essa solução traz retorno financeiro e impacto social positivo (sim, precisamos falar disso! Educação é uma área intrinsecamente portadora de impacto. E bastante poderosa!)?

Vivenciar este processo de aprendizagem pautado em experiências reais e atividades práticas no mundo real traz a oportunidade de internalizar tanto conceitos teóricos abstratos enquanto palavras, porém muito concretos enquanto ações e movimento, quanto de transformá-los em insumo para práticas “curativas” das “dores do mundo”, seja ele entendido como a casa, a rua, a quadra, o bairro e daí por diante. Conforme o espírito e o indivíduo empreendedor nascente delineie seu campo de atuação em colaboração com quem vive ali e vive o problema gerador de todo este processo.

E cada um lançando mão do método mais interessante para a realidade que impacta sua vida e chama para a ação. Quem sabe criando um método ainda não identificado, costurando as partes aplicáveis das metodologias já disponíveis, produzindo e praticando inovação social e ativando a cidadania ao despertar e empoderar o fazedor e o protagonismo talvez adormecidos. ODS 11, cidades e comunidades resilientes e sustentáveis transformadas por cidadãos ativos no meio requalificado, de maneira inteligente resultando em cidades e territórios inteligentes (ou “menos burros”) que aprendem com seus habitantes (agora cidadãos mais inteligentes!) a reconfigurar, manejar e/ou conservar seus espaços e sua estrutura para melhorar a oferta para os seres vivos.

Aproveitando a questão do território para voltar a 2018, ao Brasil, à educação de base e ao seu novo curriculum comum, conceber a educação a partir da sustentabilidade nos dá de presente a oportunidade de injetar doses gigantes de realidade e significado ao processo de aprendizagem, se abrirmos os olhos e a mente para percebermos a oferta de saberes que emana do lado de fora de cada escola. E de dentro também, se considerarmos todos os atores no processo de aprendizagem! Imagina se a escola, a instituição mais presente no território, se reconhecer no papel de protagonista na descoberta e na formação de contextos e comunidades mais sustentáveis! E tirar proveito da potência resultante da soma de realidades, experiências, saberes transformando o seu contexto em material de estudo.

E, ao provocar colisões e reflexões sobre a realidade vigente e ampliar o olhar para todas as realidades possíveis, a escola e as experiências promovidas na educação com a vida, teria o poder catalisador do encontro de cada um com o que lhe move e é inspiração para acordar todos os dias. Poderemos começar a sonhar com um futuro a partir deste presente. E que presente!

[1] Ratificada entre 12 e 14 de março de 2000, seu processo de elaboração remonta à Rio 92.
[2] Também conhecidos como ODS (ou SDGs, sigla de Sustainable Development Goals em inglês), foram lançados na assembleia da ONU em 25 de setembro de 2015, após um discurso do Papa Francisco.

Crédito da imagem da capa: HD Wallpaper

Paola Bernardi

Paola Bernardi é fundadora da Caraminhola – (re) projeto de escola, iniciativa de cocriação de projetos de aprendizagem pela experiência com base nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, cidades educadoras, escuta infantil e comunidades de aprendizagem. Arquiteta e urbanista, mestre em projeto sustentável e especialista em planejamento urbano e regional e gestão socioambiental. Tem experiência no Brasil e na Espanha em educação, sustentabilidade, planejamento urbano, gerenciamento de projetos e articulação entre sociedade civil organizada, iniciativa privada e poder público. Atuou como docente de graduação nos cursos de arquitetura e urbanismo, turismo e gestão pública. Ama gente (especialmente crianças!), aprender, cidades, artes, viajar, conhecer outras culturas, caminhar e correr.

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