A escola ensina a recordar fatos para depois testar o quanto você conhece sobre aquele assunto. Se você responde errado, provavelmente será reprovado. Esse método deu origem à cultura do acerto, a busca pela resposta correta.

Crianças em geral sentem-se livres em fazer perguntas absurdas; adultos costumam perguntar aquilo que lá no fundo eles já sabem.

Identificar qual será a próxima tendência é um efeito colateral de uma mente linear que ainda roda em um sistema que foi bastante eficiente na era industrial.

Relatórios de tendências são vistos como ‘bala de prata’ da inovação. Por esse motivo, convido a reflexão sobre o cuidado que precisamos ter com as tendências, inspirado no texto da futurista Leah Zaidi:

– Elas incentivam a extrapolação do futuro a partir de dados históricos do que aconteceu no passado, ao invés de criar uma nova visão a partir da imaginação;

– São simples e lineares. Não consideram o olhar sistemático (tendemos a seguir um único fio e não como eles se entrelaçam);

– Quanto mais distante você olha, mais nebulosa é a prospecção, portanto eventos imprevisíveis ficam fora do radar;

– Elas podem ser superficiais e ilusórias, especialmente quando elas são baseadas em tendências do momento;

– Apoiam um mindset orientado por tecnologia e economia (o que investir em seguida?), não considerando aspectos culturais, políticos, sociais, etc.  

Tendências apresentam um recorte limitado do que está realmente acontecendo no mundo. Seria como ver o resumo do filme na visão de um crítico, em vez de assistir o próprio filme.

O mundo pós-normal é o período intermediário, em que antigas ortodoxas estão morrendo, novas ainda não surgiram, e nada realmente faz sentido.” – Ziauddin Sardar

A noção de mundo conectado globalmente fica evidente quando um ‘stories’ ou um ‘tweet’ podem causar uma revolução do dia para noite.

Foi o caso da primavera árabe, e mais recentemente os protestos em torno das mudanças climáticas liderados por uma jovem sueca de 16 anos, Greta Thunberg, que convenceu crianças de centenas de países ir às ruas em período escolar.

Vou contar um acontecimento que me deparei no Twitter antes de ganhar repercussão na mídia:

A Dr. Laura Boykin faz um trabalho de sequenciamento do DNA, em regiões pobres da África, por meio de um aparelho acoplado ao smartphone. Meses depois que eu comecei a segui-la no Twitter, o seu trabalho foi publicado nas mídias.

Esse foi um exemplo de lógica invertida: a origem da mudança não está na capa dos grandes jornais, mas está oculta nas margens, seja no fundo dos laboratórios, nas periferias, nas ruas.

O Twitter é um espaço onde os trendsetters sentem-se a vontade para compartilhar uma ideia antes dela se tornar tendência, e estar circulando na mídia. Seja o tweet de um inovador no momento dos testes da sua tecnologia ou de um artista ditando um novo comportamento.

Aprendi que é bastante ineficiente e limitado, passar horas navegando por vários sites, ‘caçando’ sinais que façam sentido dentro da estratégia que se está construindo.

Percebi que as redes sociais não são apenas para interagir com os meus amigos e compartilhar fotos de ‘gatinhos’, mas elas podem ser usadas também como ferramenta de pesquisa.

Eduquei o algoritmo das redes que frequento, principalmente o Twitter, para entender o meu perfil de conteúdo. Centralizei o meu esforço em explorações diárias nas redes sociais (principalmente o Twitter), tornando minhas redes meio que ‘imã de sinais’.

Esse hábito me ajuda a perceber os sinais fracos que surgem na margem; facilita conhecer aqueles atores que geralmente são menos prestigiados e me deparar com eventos que não são veiculados na grande mídia hoje.

Esses acontecimentos podem ser uma nova tecnologia, um novo produto ou serviço, uma aquisição ou falência de empresa, a criação de uma nova política pública, um novo movimento social, um comportamento ou situação que viralizou.

Os sinais estão falando, não percebemos pois, não fomos ensinados a ouvir eles.”Amy Webb, futurista, bestseller com o livro “The signals are talking”.

Se no momento que você se deparou com um acontecimento, você começou com a frase: “Putz, isso pode mudar… ter impacto…”. Muita atenção, pois pode ser indício de um sinal fraco.

Investir tempo na coleta de sinais é importante para ter evidências do que está acontecendo no mundo, ou na sua indústria. Entretanto, sinais isolados, sem o trabalho de interconexão podem ser interpretados como ruído no processo.

Sabe o quadro do detetive, onde um emaranhado de linhas apontam o panorama de um caso? Agora, imagine que você foi contratado para investigar as grandes mudanças da sociedade. Diariamente você insere sinais dentro do seu quadro que trazem pistas para ‘solucionar’ o caso. O ‘pulo do gato’ é quando nota que existe uma recorrência de alguns eventos, o que significa que você está diante de uma tendência.

Encontrar sentido no meio do caos, ligar pontos entre eventos que aparentemente não possuem relação direta é uma habilidade conhecida como “sensemaking” ou “criando sentido”.

A diferença de se mover pelo os sinais ao invés das tendências é que onde as pessoas vêem eventos isolados e reagem a eles, você percebe padrões que formam-se dentro da complexidade do mundo.

Sinais fracos são a matéria prima do processo de foresight. Eles ajudam a construir argumentos e estratégias, ampliando o olhar crítico sobre decisões importantes.

Veja se você consegue encontrar sentido no meio desses três eventos abaixo. Qual padrão se manifesta?

1- Relatório do HSBC aponta que ninguém está preparado para os efeitos da mudança climática.

2 – Poluição do ar vira oportunidade para o mercado de moda com máscaras “fashion”.  

3- Movimento de mulheres que não querem ter filhos na era das mudanças climáticas.

Essa visão do futurista Frank Spencer mostra o que estamos deixando de ver quando consideramos apenas as tendências:

Tendências ajudam a perceber as ameaças que estão à nossa volta, mas falham em ampliar o nosso campo de visão para ver o que está emergindo. Perceber o mundo pelos sinais é reconhecer um novo mundo movido por narrativas, valores, sistemas, implicações e aspirações. Se as tendências têm sido o coração da estratégia de futuros, está na hora de fazer um transplante.”

Crédito da imagem da capa: Sitra.fi

Bruno Macedo

Bruno é futurista e designer de Experiências de Futuro na Rito, empresa em que é co-fundador. Também é game-designer e principalmente um curioso nato que estuda desde neurociência à gamificação. Tudo o que faz procura alinhar 3 coisas: Empatia, Subversão e Diversão.

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