Revezando entre o quarto e a sala de estar, fico pensando se ainda vou precisar de um escritório para trabalhar. Às vezes, não encontro a tranquilidade ideal, mas dou um jeito para organizar o “caos normal” de uma casa, conciliando a produção de um estudo ou mesmo ao escrever esse artigo.

Desde março, nosso escritório está fechado com a pandemia e ainda estou avaliando se vale a pena reabrir. A pergunta em mente é: profissionais que lidam com conhecimento – economistas, pesquisadores, financistas, jornalistas, editores, contabilistas, profissionais de marketing, dentre outros – realmente precisam de um escritório?

Empresas que estão reabrindo devem proteger, pela primeira vez na vida, uma força de trabalho que engloba cinco gerações: a Geração Silenciosa, os Baby Boomers, a Geração X, os Millennials e a Geração Z. Essa força de trabalho multigeracional está exposta aos riscos de retorno ao escritório enquanto a pandemia da COVID-19 perdurar ou até que uma vacina seja validada.

Com a reabertura da economia, esse retorno causa ansiedade e gera muitas perguntas e inseguranças para os profissionais que foram convocados e principalmente para o empregador e o RH. Empresas mais cautelosas irão convocar apenas aqueles que realmente precisam estar fisicamente presentes. Aquelas mais bem estruturadas estão criando “planos de retorno” e protocolos para os ajustes de layout, definição de adensamento e de revezamento, tudo levando em consideração medidas de prevenção de contágio e de transmissão da COVID-19 ou de outras doenças infecciosas. Há ferramentas que podem auxiliar: a Gesler, por exemplo, desenvolveu uma ferramenta para simular distanciamento físico, a ReRun™ que usa algoritmos generativos. A partir do layout existente, o ReRun gera rapidamente vários cenários e identifica o plano mais otimizado para uma variedade de condições físicas de distanciamento, independentemente se uma empresa tem dezenas, centenas ou milhares colaboradores.

Os empregadores têm o dever de cuidar de cada um de seus colaboradores, sendo legalmente obrigados a tomar todas as medidas necessárias e adequadas para proteger a saúde e o bem-estar deles. Isso deve ser a principal prioridade da empresa. Diversas consultorias, como a PWC consideram essa preocupação como sendo moral e ética para todas as empresas. Inclusive, conheço alguns escritórios que permaneceram abertos desde março, e isso, de certa forma, me chocou.

O fato é que a maioria das pessoas que experimentou o trabalho remoto, aprovou: 70% dos brasileiros querem continuar em home office, segundo pesquisa da USP.

Embora essa trajetória para o remoto possa parecer repentina, ela vem se acelerando há anos. Um estudo realizado pela Workplace Analytics, consultoria focada no futuro do trabalho, no começo de 2020, mostrou que a quantidade de pessoas que trabalham remotamente cresceu 140% desde 2005. Nos EUA, a parcela da força de trabalho que trabalha em casa triplicou nos últimos 15 anos, segundo o Federal Reserve. Para entender o cenário do trabalho remoto no Brasil, a fintech Husky entrevistou cerca de 700 profissionais que já adotam esse modelo de trabalho: 30,5% deles trabalham remotamente há mais de três anos.

A COVID-19 acelera essa tendência, e por isso precisamos investigar os riscos e os benefícios dos dois lados: escritório e officeless (trabalhar remotamente de qualquer lugar). O ambiente onde o trabalho é realizado pode impactar – positivamente ou negativamente – a produtividade, a colaboração entre colegas, comportamentos e sentimentos. Sabe-se, por exemplo, que escritórios abertos têm consequências não intencionais e que os espaços podem ser projetados para produzir melhoria de desempenho.

Muitas pesquisas evidenciam que o trabalho remoto beneficia a produtividade. Hoje, sabemos que esse modelo afeta desproporcionalmente pessoas que têm filhos e, principalmente as mães. Também tem implicações para a “gigificação” do trabalho de profissionais do conhecimento.

Um estudo que acabou de ser divulgado, coordenado por Ethan Bernstein, professor de comportamento organizacional da Harvard Business School, avaliou como positiva – tanto para funcionários quanto para empresas – a experiência de trabalho remoto durante a pandemia, com ganhos organizacionais e também de aprendizados individuais. Por outro lado, a pesquisa revelou impactos negativos dessa experiência, como a perda do cultivo de relacionamentos paralelos entre colegas e também de inovação à medida que ideias surgem, no corredor ou no café.

Mas há descobertas inesperadas! Utilizando dispositivos de EEG em voluntários, cientistas dos Laboratórios de Fatores Humanos da Microsoft buscaram entender o efeito do trabalho remoto no nosso cérebro. O estudo descobriu que os padrões de ondas cerebrais associados ao estresse e ao excesso de trabalho foram muito mais altos quando as pessoas interagiam e colaboravam remotamente do que pessoalmente. Os pesquisadores descobriram algo inesperado também: se duas pessoas trabalhavam juntas remotamente, suas ondas cerebrais sugeriram que era mais difícil voltarem a trabalhar juntas fisicamente depois. Parece que a conexão social e as estratégias de trabalho criadas ao trabalhar presencialmente se transferem rapidamente para um ambiente remoto, mas o oposto não acontece. Este estudo chegou a dois aprendizados importantes. Em um mundo que está migrando para um novo formato de trabalho, as pessoas consideram a colaboração remota mentalmente mais desafiadora. No entanto, à medida que elas retornam ao escritório, pode parecer mais difícil trabalhar como era antes da pandemia.

O desejo de permanecer em segurança será mais forte do que nunca. Isso criará uma enorme oportunidade para os provedores de soluções para espaços físicos inovarem com produtos e serviços que protejam a saúde dos colaboradores e de clientes. É possível criar espaços mais seguros e acolhedores para as pessoas, inclusive com todo o suporte psicológico.

À medida que as empresas reabrem, gostaria de ouvir especialistas em comportamento organizacional, médicos do trabalho, arquitetos e outros profissionais envolvidos na questão, se realmente precisamos de um escritório ou se um trabalho híbrido ou rotativo seria mais eficaz. O que os profissionais e empresas podem perder ou ganhar? Todas essas possibilidades tem um custo financeiro, claro, mas afetam profundamente as pessoas e a maneira como elas entregam seu trabalho e isso envolve o sucesso da empresa ou de uma carreira.

Crédito da imagem da capa: Jakayla Toney

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Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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