Como podemos definir o que seria uma vida boa? Pertencer à uma família unida e feliz? Ter um emprego estável e uma renda confortável? Trabalhar e fazer a diferença na sociedade?

Para Aristóteles, enquanto a felicidade hedônica seria alcançada por meio de experiências de prazer, alegria, conforto, estabilidade e relações sociais, a felicidade eudaimônica aconteceria por meio de experiências de significado e propósito; a sensação de quando você contribui para um bem maior. O antigo filósofo grego delineou essas ideias em sua obra Ética a Nicômaco.

Haveria outras formas de se ter uma vida considerada boa?

Um novo paper, publicado no mês passado na American Psychological Association’s Psychological Review, sugere que sim: não seria focada na felicidade ou no propósito, mas sim em uma vida “psicologicamente rica”.

Os autores do estudo, Shige Oishi, professor de psicologia da Universidade da Virgínia, e Erin Westgate, professora de psicologia da Universidade da Flórida, constataram que uma vida psicologicamente rica seria caracterizada por “experiências nas quais a novidade e/ou a complexidade são acompanhadas por profundas mudanças”.

Estudar no exterior, por exemplo, possibilita que estudantes experimentem a riqueza psicológica em suas vidas. À medida que aprendem novos costumes e a história do país, muitas vezes reconsideram paradigmas e costumes de suas próprias culturas. Embarcar em uma nova carreira também pode fazer uma pessoa sentir que está enriquecendo sua vida psicologicamente.

Para Shige e Erin, uma experiência não precisa ser divertida ou positiva para ser considerada psicologicamente enriquecedora. Pode até ser uma experiência difícil. Eles vão ao extremo: considere uma pessoa que vive em um país que está em guerra ou que tenha vivenciado um desastre natural. É o tipo de experiência traumática, mas mesmo assim, segundo os pesquisadores, “a pessoa pode sair dessa situação mais rica psicologicamente”. Eles também citam situações menos dramáticas – mas ainda assim dolorosas, como uma doença crônica ou desemprego – em que uma pessoa vivencia o sofrimento, mas ainda assim poderá moldar a compreensão de si mesmo e do mundo ao seu redor.

“Quando consideramos a riqueza psicológica à concepção do que seria uma vida boa, abrimos espaço para desafios e dificuldades. Há valor em passar por experiências desconfortáveis”, diz Erin. “Por outro lado”, diz ela, “se temos uma visão estreita do que pode ser uma vida boa, podemos achar que alguém que não tem uma vida hedônica nem eudaimônica vive uma vida ruim, o que seria totalmente presunçoso e desdenhoso para com as experiências e valores dessa pessoa”.

Vidas hedônicas, eudaimônicas e psicologicamente ricas não são mutuamente excludentes, nem uma é melhor que do que a outra: “Alguém cuja vida é boa tende a ser boa em vários aspectos, não apenas em um único. Você pode ter uma vida feliz, cheia de propósito e repleta de experiências transformadoras”, observa Erin.

As pessoas também podem priorizar um tipo de vida em detrimento de outra. Por exemplo, o estudo analisou cinco traços de personalidade entre os participantes do estudo. A metodologia The Big Five, desenvolvida em 1949 por D. W. Fiske (1949) é considerado a mais científica das avaliações de personalidade e avalia a abertura para novas experiências, a extroversão, a agradabilidade, a conscienciosidade e o neuroticismo.

De acordo com o estudo, pessoas com alta pontuação em “abertura à novas experiências” eram mais propensas a levar uma vida psicologicamente rica. Esse traço, explicam Shige e Erin, costuma ser caracterizado por “profundidade de sentimentos, flexibilidade comportamental, curiosidade intelectual, sensibilidade artística e atitudes não convencionais“.

Parece lógico que pessoas não convencionais, possam ser atraídas para uma vida cheia de mudanças. Como observam os pesquisadores, “um motivo significativo pelo qual nem uma vida feliz nem uma vida significativa conseguem captar toda a gama de motivações humana é que tanto uma vida feliz quanto uma vida significativa podem ser monótonas e sem novidades”.

O estudo aponta que “uma vida feliz está mais fortemente associada à extroversão, seguida de conscienciosidade e baixo neuroticismo”, enquanto os Cinco Grandes traços foram divididos de forma bastante uniforme entre aquelas pessoas que buscam vidas significativas. Curiosamente, eles também descobriram que pessoas com vidas psicologicamente ricas eram mais propensas a ser politicamente liberais e abraçar mudanças sociais, enquanto aquelas com vidas felizes ou significativas tinham mais probabilidade de querer manter o status quo.

Uma das grandes preocupações de Shige e Erin foi entender se a busca por uma vida psicologicamente rica seria um fenômeno particular das sociedades WEIRD (ocidentais, educadas, industrializadas, ricas e democráticas) ou algo que apenas uma pessoa privilegiada que tivesse outras necessidades satisfeitas desejaria. Mas o estudo descobriu que a ideia de uma vida psicologicamente rica não prevalecia apenas nos países ocidentais ou mais ricos. Eles não encontraram associações significativas entre renda/ status socioeconômico mais elevado e pessoas com vidas psicologicamente ricas e significativas.

Os pesquisadores também descobriram que a ideia de uma vida psicologicamente rica era mais desejada em certos países. Quando os participantes do estudo, distribuídos em nove países, foram questionados sobre que tipo de vida escolheriam se pudessem escolher apenas um, uma vida feliz foi a vencedora em todas as categorias. Uma vida psicologicamente rica foi a mais escolhida no Japão (16%), Coréia (16%), Índia (16%) e Alemanha (17%).

Erin suspeita que as pessoas, dependendo da idade, conferem maior peso em certas versões da boa vida. “Há momentos em nossa vida em que não ligamos para o desconforto e priorizamos aventuras e descobertas” diz ela, relembrando suas viagens em albergues quando era mais jovem. “E pesquisas mostram que as pessoas tendem a ficar mais felizes à medida que envelhecem, o que está associado ao fato de que em vez de priorizar experiências desafiadoras, elas priorizam coisas familiares que as farão felizes; em vez de conhecer novas pessoas, eles priorizam a família e amigos próximos. Essas coisas aumentam a felicidade, mas podem diminuir a riqueza psicológica”, complementa.

Considere as restrições (hoje, mais brandas) impostas pela pandemia, que pode limitar, para algumas pessoas, o que seria uma vida boa. Alguém que dá muito valor a estar com os amigos provavelmente teve menos oportunidades de se socializar; uma pessoa que adora viajar possivelmente fez muito menos viagens do que nos anos anteriores. “Por outro lado”, diz Erin “para os profissionais de saúde que estão à frente da pandemia, focar no significado e na riqueza psicológica pode ser mais importante. Eles vivem tempos desafiadores e dramáticos, o que está associado à riqueza psicológica, e o que estão fazendo é verdadeiramente significativo.”

E para aquelas pessoas que sentem que não estão vivendo uma vida particularmente boa?

Imaginar possíveis dimensões de uma vida feliz, significativa e psicologicamente rica pode ajudar a vislumbrar mudanças que podem ser feitas. Mas é importante que a ciência psicológica continue expandindo nossas visões sobre o que faz a vida valer a pena.

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Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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