Me reconheci quando li a matéria da BBC. Desde 2020, trabalhando 100% remotamente, parece que tudo flui melhor agora. Sei que é um privilégio ter um cantinho reservado em casa, e não ter criança invadindo esse espaço. Nem mesmo meu cachorro incomoda.

A matéria mostra que a ascensão do trabalho remoto, impulsionado pela pandemia, foi mais positivo para aquela pessoas mais introvertidas, por possibilitar que trabalhassem em um ambiente mais reservado e sem tanta distração. A comunicação virtual – via plataformas – propiciou aos introvertidos um lugar para que se sentissem mais à vontade para expressar seus pensamentos e ideias – e pudessem sair da invisibilidade que tinham nos escritórios.

“Os extrovertidos são mais empolgados e cheios de atitude. Já os introvertidos se destacam pelo pensamento analítico e pela empatia”, compara Richard Etienne, nessa matéria. Especialista em introvertidos no trabalho, ele diz que, durante a pandemia, essas características tornaram-se imediatamente desejadas: “Os introvertidos são bons em formar conexões pessoais. Isso tem sido muito importante em um momento em que as empresas tentam reter clientes.”

Em uma entrevista à Bloomberg, Patty McCord, ex-diretora de talentos da Netflix, disse que os gestores estão começando a perceber melhor as potencialidades dos colaboradores que não chamavam tanta atenção antes. Ela cita um executivo de uma empresa “Fortune 100” que possuia todas as habilidades características aos bons vendedores, “muita energia, carisma e autoconfiança. Mas com a pandemia, tudo mudou. De repente, as pessoas mais desejadas da empresa eram aquelas mais quietas e caladas, aquelas que atendiam uma ligação de um cliente e o ouviam atentamente”.

Empatia e uma comunicação mais cuidadosa fazem os introvertidos se destacarem no trabalho remoto, observa Beth Buelow, autora de The Introvert Entrepreneur. “É sobre colocar os outros no centro, ser um ouvinte empático.”

A matéria argumenta que o escritório tradicional não é o tipo de lugar que combina com pessoas mais introvertidas. “O escritório foi criado por extrovertidos, para extrovertidos”, diz Etienne. “Aqueles escritórios abertos [sem paredes] são ainda piores. É mais fácil para seus colegas invadirem seu espaço sem convite”, explica.

De fato, sempre achei ambientes de escritórios perturbadores para alguém mais introvertido. Conversas e bate-papos constantes podem sugar as energias. “Enquanto os extrovertidos são energizados pela interação social, ao final do dia, o introvertido está exausto”, compara Etienne.

A neurociência explica. Estudos mostram que pessoas extrovertidas são menos sensíveis à dopamina e, portanto, precisam de poucos estímulos para que se sintam energizadas. Ao contrário, os introvertidos são mais sensíveis à química cerebral, e uma superestimulação torna-se rapidamente cansativa.

Beth acrescenta que, em geral, os introvertidos vão se exaurindo com cada interação social que fazem ao longo do dia. Esse desgaste diminui consideravelmente com o trabalho remoto. “A solidão em casa propicia mais equilíbrio”, diz ela.

Na matéria da BBC, Etienne diz ser uma pessoa mais introvertida e reconhece que sua produtividade aumentou trabalhando em casa. “Me senti mais no controle da gestão do tempo. Por exemplo, você sai de uma reunião, alguém lhe vê e logo puxa uma conversa. Você deixa de processar o que foi discutido na reunião. Isso não acontece mais agora. Posso ter meu momento de reflexão em silêncio, sem perturbações”, relata.

Além de proporcionar mais paz e tranquilidade, o trabalho fora do escritório também abriu espaço para que os introvertidos se destaquem de outras formas. “A mesa [física] de reunião desapareceu e com ela a estrutura hierárquica ocupada pelos extrovertidos no centro e pelos introvertidos sentados nas beiras”, diz Etienne. E, acrescenta que, aqueles que hesitavam em falar ou dar uma opinião em uma reunião presencial sente-se mais encorajados nas videochamadas. “Se alguém tem medo de falar em público, trabalhar remotamente permite que essa pessoa fale com pessoas de todos os níveis, até mesmo para milhares de pessoas”, complementa.

As reuniões virtuais também tendem a ter menos interrupções. “A etiqueta digital é diferente”, ilustra Beth. “Você fica muito mais ciente se está ou não interrompendo ou atropelando a fala de alguém.” Um ritmo de conversa um pouco mais lento dá aos introvertidos o tempo que precisam para organizar seus pensamentos. “Eles têm mais tempo para refletir e, então, quando têm algo a dizer, é algo significativo. Além disso, virtualmente, “existem ferramentas para contribuir melhor na conversa: há o bate-papo, a ‘mão levantada’, reações que você pode demonstrar. Colegas extrovertidos e mais falantes têm menor chance de dominar um espaço virtual. Em torno da mesa [física], elas ocupam mais espaço. Virtualmente, todos ocupam o mesmo espaço. Equilibra a energia”, diz ela.

Com o retorno ao escritório, Beth acredita que as lições aprendidas com o trabalho remoto tornarão os ambientes de trabalho mais flexíveis para os introvertidos. “Normalmente, consideramos como contribuição quando alguém fala alguma coisa. Acho que aprendemos que a contribuição pode assumir muitas formas, e não necessariamente se alguém fala mais”, diz ela. Penso que ela quis dizer algo como fala pouco, mas diz muito.

Gestores e líderes precisam propiciar um ambiente mais acolhedor e inclusivo para que as pessoas mais introvertidas continuem a contribuir, mesmo que retornem ao trabalho presencial. É ter consideração por aqueles que precisam de alguns minutos para pensar em silêncio antes de expressar seus pensamentos. Os líderes devem pensar maneiras e formatos diferentes para as pessoas contribuírem.

Soluções simples, como bate-papos em pequenos grupos antes de se reunir com o grupo todo, é um exemplo. Pode ser que a pessoa queira colocar um aviso em sua mesa ou porta que diga “volte outra hora”. E não é ofensivo. É que essa pessoa não quer se distrair. “Antes da pandemia não tínhamos entendido isso, mas agora sim”, reflete Beth.

Ilustração: Sonny Ross

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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