Pensar um pouco mais à frente daquilo que já é previsível é uma questão de desenvolver um olhar sobre o futuro das coisas, considerando diversas possibilidades.

Pensar como um futurista ajuda a antecipar situações que podem afetar diretamente a sua vida profissional e o seu negócio, levando a tomada de decisões mais acertadas. Por isso, hoje para o mercado de trabalho, essa é uma habilidade que pode ser decisiva para carreiras em qualquer setor de atuação.

Mas, o que faz um futurista?

Na definição de Rosa Alegria, esse profissional auxilia pessoas e organizações a se prepararem para mudanças repentinas e a gerenciarem incertezas; ela ou ele facilita a expansão do pensamento criativo na busca de alternativas inovadoras.

Veja que aqui fala-se de expandir o pensamento criativo. Isso pode significar desafiar o presente e o status quo; fazer perguntas que você jamais pensou ou ousou perguntar; também pode significar usar a intuição e a imaginação.

Mas, infelizmente, percebo que a visão que a maioria das empresas tem sobre o futuro ainda está muito arraigada aos planos de negócios, fluxos de caixas, DREs e outras projeções financeiras.

Precisamos expandir o vocabulário comum de eficiência, produtividade e lucratividade com novas definições do que significa fazer negócios juntos, adotar uma perspectiva radicalmente humanista nos ambientes de trabalho e criar projetos e inovações significativas para as pessoas.

A Singularity University (cuja missão é “resolver os grandes desafios da humanidade”) tem promovido o conceito de Organizações Exponenciais: organizações que crescem exponencialmente porque são alimentadas pela “tecnologia exponencial”. Em seu núcleo está a crença na inteligência artificial ou na super-inteligência superando a tomada de decisão humana. Um de seus evangelistas argumenta que a automação marcará o fim de trabalhos sem significado, pois nos libertará das tarefas monótonas e tediosas. Eu acho isso ingênuo. Não precisamos de mais “organizações exponenciais”, precisamos de organizações que sejam exponencialmente mais humanas.” – Tim Leberecht.

As crescentes preocupações com o impacto disruptivo da tecnologia no trabalho, nos negócios e na sociedade, começa a responder com um cenário alternativo: uma economia mais humana e sustentável, impulsionada por líderes e colaboradores mais empáticos, em uma missão para encontrar um significado real no trabalho.

Aguardem. Num futuro próximo, veremos o “jogo ficar mais estimulante” entre a necessidade de eficiência das empresas e o desejo delas de criar uma cultura rica em significado. Por um lado, a pressão por “lean and mean” aumentará; por outro, cada vez mais pessoas – principalmente os Millennials – buscarão um trabalho mais significativo e não se contentarão mais com as definições convencionais de trabalho e de carreira. Além disso, os líderes reconhecerão a importância de aspectos mais “sutis”, como percepções e emoções, como fatores críticos de sucesso nos negócios.

A intuição e a imaginação

O futuro “orbita” em um amplo conjunto de possibilidades, as quais podem se desdobrar de forma surpreendentemente rápida.

Futuros podem ser criados ou evitados e o papel do futurista, ao traçar cenários, é oferecer visões e possibilidades que permitam a criação de estratégias. Por isso que estudar o futuro requer habilidade especial com diferentes matizes temporais.

Utilizando diversos métodos, como Foresight, Prospectiva Estratégica e Delphi, os futuristas analisam, investigam e projetam sistematicamente o futuro para além do que pensamos intuitivamente ser possível.

Fonte: Prospectiva estratégica e visão de futuro – PUC-SP

Então, qual o papel da intuição e da imaginação?

Daniel Kahneman, um dos mais importantes pensadores do século XXI, Nobel de Economia e um dos maiores especialistas sobre economia comportamental, coloca em xeque a ideia de que a nossa tomada de decisão é essencialmente racional.

Em seu livro Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar, Kahneman refere-se a partes do nosso cérebro, onde sugere que há duas inteligências concorrentes em jogo. O livro apresenta uma visão tão inovadora quanto inquietante sobre como a mente funciona e como as nossas decisões são tomadas.

Nesse livro – considerado um dos melhores de 2011 pelo The New York Times Book Review – Kahneman explica duas formas de como se desenvolve o pensamento humano: uma que é rápida, intuitiva e emocional; a outra, que é mais lenta, deliberativa e lógica. Ele aborda as extraordinárias capacidades – e também problemas e vícios – do pensamento rápido e mostra o peso da intuição no nosso processo de tomada de decisão.

Mas, Kahneman investigou também quando deveríamos ou não confiar na intuição. No livro, ele dá insights práticos e esclarecedores sobre como tomamos decisões nos negócios e na vida pessoal, e como podemos usar diferentes técnicas para nos proteger contra o que ele chama de “armadilhas cognitivas” que, muitas vezes, nos colocam em situações de apuro.

dois sistemas de processamento cerebral propostos por Kahneman: o “sistema 1”, que é rápido, paralelo, automático, inconsciente e dirigido por emoções e associações. Esse sistema baseia-se, em grande parte, no nosso instinto e intuição, inconscientemente armazenados por experiências passadas, e que podem ser acessados rapidamente na memória.

Já o “sistema 2”, é conhecido por ser uma área de tomada de decisão mais demorada, deliberada e mais racional na percepção de informações. Essa área recebe informações baseadas em nossa avaliação consciente dos eventos atuais e de nossas memórias armazenadas de longo prazo, que podem ser acessadas de forma mais lenta.

É o sistema 1 que nos faz, por exemplo, lembrar do número 4 quando vemos a operação 2+2 = ?. Já o sistema 2 assume o comando quando nossa memória não tem recursos suficientes para dar uma resposta automática. É um sistema mais lento, que nos demanda maior concentração. Por exemplo, quando deparamos com a conta 19×26 = ?

É o sistema 2 que nos possibilita chegar ao resultado correto, porém como exige esforço e concentração, em alguns casos delegamos ao sistema 1 a tarefa de resolver situações de conflito.

Enquanto nosso cérebro racional nos permite sintetizar grandes volumes de dados quantitativos para buscar insights, nosso cérebro intuitivo nos permite pegar todos esses dados, combiná-los com nossas descobertas qualitativas e nos levar à ação.

Uma recente pesquisa da Fortune mostrou que 62% dos executivos acreditam que a tomada de decisão puramente racional e pragmática não é mais suficiente, dada a complexidade sem precedentes dos atuais ambientes de negócios. Há uma percepção cada vez maior de que, embora nos sintamos mais seguros quando estamos baseados em fatos concretos, fatores mais sutis, como a intuição podem, na verdade, ser mais decisivos na determinação do sucesso de um projeto ou de toda uma organização.

A imaginação é mais importante que o conhecimento.” – Albert Einstein

Nessa relação simbiótica entre nossos dois cérebros, para analisar e tomar decisões, nos deparamos hoje com um mundo particularmente desafiador. Ao longo de toda a história humana, nunca tivemos tanta imprevisibilidade, incerteza e volatilidade e nunca vivenciamos um ritmo tão acelerado de mudanças e nem tantos problemas complexos, prioridades e desejos conflitantes. Ao mesmo tempo, nunca tivemos tantas ferramentas e oportunidades para melhorar nossas vidas, nossas equipes, nossas organizações e nosso mundo.

É possível pensar e decidir de forma mais holística. E a intuição e a imaginação podem nos ajudar.

Vamos voltar ao trabalho do futurista. Seu papel não é prever ou revelar o futuro – como se fosse algo predeterminado – e sim ajudar a construí-lo. O futurista nos convida a considerar o futuro como algo que podemos criar e/ou moldar.

Do ponto de vista científico, o foresight (ou futurismo) tem duas facetas: a primeira é uma representação mental e sensorial das coisas que ainda não estão presentes ou um sentimento ou sensação do que pode ser ou do que pode vir a ser e, a segunda faceta, uma memória que conecta o passado e o que nós sabemos fazer com esse futuro que se apresenta.

De uma perspectiva prática, a arte de liderar pode ser considerada como uma capacidade de meta-análise do passado, presente e futuro. Por exemplo, se não entendermos nosso passado, podemos não saber o que fazer com as diversas probabilidades e possibilidades apresentadas. Se ficarmos muito tempo focados no passado, podemos facilmente perder de vista o que está por vir. Já se não estivermos suficientemente atentos ao presente, podemos passar batido pelas coisas que mais merecem nossa atenção hoje. Ao mesmo tempo, devemos relacionar de forma ativa a experiência de hoje com o passado.

O Triângulo de Futuros é um dos seis pilares utilizados pelo pesquisador e estudioso de futuros Sohail Inayatullah. Esse triângulo determina as visões atuais do futuro através de três dimensões. Ao analisarmos a interação dessas três forças, o triângulo nos ajuda a desenvolver um futuro mais confiável. As estratégias podem ser definidas de acordo com as necessidades de cada empresa ou organização: colocar maior ênfase no impulso (pull) do futuro, no peso/importância (weight) do passado ou no empurrão (push) do presente. Enquanto muitas empresas recorrem a estudos do futuro para reduzir riscos e evitar futuros negativos, outras buscam criar ativamente futuros desejados, com visões positivas do amanhã.

Para Tim Leberecht, cofundador da The Business Romantic Society,  a principal característica de um grande líder é um grande coração; é a capacidade de ouvir, ser empático e agir mesmo contrariando dados e contra a ilusão do “conhecimento objetivo”, confiando em “insights subjetivos”, como a imaginação, a intuição e a empatia.

Em um de seus artigos, Tim argumenta que “só prosperaremos se continuarmos investindo naquilo que nos torna inerentemente humanos: vulnerabilidade, empatia, intuição, emoção e imaginação”.

Talvez a melhor forma de exercitar o foresight seja manter o coração e a mente abertos; é ter a coragem de muitas vezes “dançar no escuro”; é explorar o desconhecido, e depende muito da nossa capacidade de saber ouvir os outros da forma que eles gostariam de ser ouvidos. Uma vez que desenvolvemos essa habilidade, podemos então ter a oportunidade de ajudar pessoas, organizações e comunidades a se prepararem para um futuro melhor.

Em um contexto organizacional, o foresight é diferente do pensamento estratégico, porque é mais imaginativo e inovador, considerando uma variedade de futuros. No foresight, há uma orientação para agirmos, coisa que o pensamento estratégico não exige, além de incitar uma participação maior das pessoas para que considerem diversos futuros.

O exercício de foresight tem um impacto imenso nos resultados dos negócios. Em 2018, Rohrbeck e Kum desenvolveram um modelo para entender e avaliar o quanto uma empresa está “preparada para o futuro” (FP). Eles descobriram que a FP está altamente correlacionada à composição científica do foresight. Com essa fórmula, eles combinaram megadados de 2008 e desempenho em 2015. Descobriram que empresas preparadas para o futuro superaram a média com uma lucratividade 33% maior e um crescimento de 200%.

De certa forma, isso não deveria nos surpreender, já que quando temos a oportunidade de aprender com o passado e antecipar, imaginar e experimentar possibilidades, estaríamos melhor preparados para o futuro.

O foresight hoje pode não ser uma ciência, e pode nunca se tornar, mas continua a ser um exercício crítico para o futuro do trabalho e da liderança. Imaginação e intuição são habilidades que as máquinas ainda não podem nos copiar.

Se você pode sonhar você pode realizar” – Walt Disney

Embora muitos acreditem que não são tão imaginativos, todos nós sonhamos acordados de vez em quando. Há um lugar dentro de nossas mentes em que deixamos nossa imaginação correr solta. E é nesse lugar onde nossas melhores ideias vivem. Temos apenas que encontrá-las.

À medida que enfrentamos o desafio de um tempo de rápidas inovações, com a transformação digital das empresas, com um maior volume de dados e de decisões mais complexas, talvez mudemos definitivamente para uma combinação mais equilibrada de ciência, empirismo e arte.

Crédito da imagem da capa: Catello Gragnaniello

Lilia Porto

Economista, fundadora e CEO do O Futuro das Coisas. Como pensadora e estudiosa de futuros tem contribuído para acelerar os próximos passos para organizações e para uma sociedade mais justa e equitativa.

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