Prever o futuro sempre foi uma ambição humana. Por essa razão, em diversos momentos da nossa História, nós tentamos predizer o que acontecerá no amanhã. Essas tentativas podem ser de cunho religioso, ou a partir de lentes sociológicas, tecnológicas (como no caso das inteligências artificiais e algoritmos), assim como puramente técnicas ou mesmo subjetivas. Sobre essa capacidade humana, nós já abordamos aqui ao falar dos superprevisores, pessoas que costumam ser contratadas por empresas e equipes de assessoria política face às suas habilidades de antecipar fatos ainda por acontecer.
Porém, se a Teoria do Universo em Bloco apontou que o tempo como compreendemos é mera ilusão, uma vez que passado, presente e futuro ocorrem simultaneamente, não é assim que as pessoas o percebem em suas vidas cotidianas. Para a maioria de nós, o passado costuma ser uma narrativa, o presente é incerto e o futuro é completamente desconhecido.
Pouco importa para nossa percepção se, segundo a Neurociência, o livre-arbítrio não existe. Aliás, contestando essa afirmação, Dr. Uri Maoz, neurocientista computacional da Chapman University, e um dos mais renomados líderes de pensamento em volição e tomada de decisão, acredita que não há evidências convincentes de que não temos livre-arbítrio. Independente disso, contanto que a suposta ilusão de que a capacidade de escolha existe e seja permanente e coletiva, esta é a nossa verdade, ainda que seja diferente da realidade (um antigo tema filosófico sobre a verdade de cada um não necessariamente corresponder à realidade).
Uma hipotética assimilação coletiva de que o livre-arbítrio não existe (o que comunga com a ideia de simultaneidade temporal, se você parar para pensar), significaria mudanças sociais profundas demais para serem realizadas, a começar pelos campos do Direito. Como determinar, por exemplo, que uma pessoa é culpada de um crime se ela não optou por cometê-lo, mas agiu de forma determinística? Como balizar se as ações do próximo foram boas ou más se ele não foi dotado de livre-arbítrio? Essas são questões que apenas apontam para uma minúscula parcela do problema, levando em conta a complexidade da sociedade contemporânea.
A dicotomia acima entre ausência real de livre-arbítrio e afirmação da capacidade de escolha – sendo ilusória ou não – é um perfeito exemplo do que, em algumas correntes da Filosofia, entende-se respectivamente como substância e forma. Pois enquanto a substância é o que dita a essência de um conceito (sua existência no sentido abstrato), a forma é o que se percebe de um conceito no mundo material.
Compreender a existência entre essas duas propriedades e suas diferenças é essencial para qualquer pessoa que busque, com base nas narrativas sobre passado, a partir de um presente incerto, determinar os prováveis caminhos que levarão ao futuro.
Para olharmos para futuros possíveis ou desejáveis de forma estruturada, precisamos antes interpretar e dar sentido aos eventos que estão ocorrendo na realidade presente, como também olhar para o passado. O exercício do pensamento futuro, a partir da compreensão das forças de mudanças do presente, é essencial para artistas, políticos, pensadores livres, filósofos e principalmente empresários e gestores. Do contrário, suas obras serão fadadas a não se tornarem longevas. Afinal, num mundo cada vez mais globalizado e excedendo informações enquanto acelera exponencialmente o ritmo das mudanças, saber se orientar é mais do que demonstração de capacidade de análise de conjuntura, mas também de sobrevivência.
Há quem, nesses momentos, olhe para a arte a fim de captar o imaginário comum, o qual é responsável por boa parte da especulação social e, consequentemente, de mercado. Afinal, se a arte é sempre um produto de seu tempo, ela sintetiza temas dos anseios e esperanças vigentes, levando-os então ao público, que os retroalimenta. Isso ocorre especialmente no gênero de Ficção Científica, que, ao apresentar visões de futuro, está na realidade falando sobre o momento presente.
Isso não quer dizer que narrativas de Ficção Científica falem sobre possíveis futuros, mas indicam claramente o imaginário que eles exercem sobre a sociedade no presente; ao mesmo tempo, outros gêneros da literatura frequentemente trabalham temas diversos de nossa realidade concreta, como o Terror ao ter o monstro (do latim, “aquele que revela”) como alegoria a problemas sociais atuais, o Romance Erótico ao falar dos fetiches, o Romance “Água com Açúcar” ao expor as expectativas de dinâmicas amorosas (bem como receios por trás das mesmas), o Suspense Policial ao apresentar incertezas coletivas que derivam da Segurança Pública, e assim por diante.
É por essa (e outras razões) que se aponta a arte como indissociável da política, uma vez que “política” trata essencialmente das relações humanas, e não necessariamente em quem cada pessoa votará nas próximas eleições. Assumir o segundo quadro é um frequente engano inclusive de renomados (em seus próprios nichos) pensadores livres.
Portanto, artistas, filósofos, pensadores livres, gestores, empresários ou políticos que não consomem arte podem jamais compreender premissas essenciais ao mundo que o cerca, e, uma vez que não o compreendem, como então ele ou ela pode se propor a destacar entre a concorrência aquilo que oferece ao seu público? Se muito, repetirá fórmulas de mercado, discurso e arte que serão meros ecos de seus predecessores.
Alvin Tofler dizia que, quando falamos de futuro, é muito mais importante ser imaginativo do que estar certo. A arte da antecipação é justamente o processo de gerar futuros imaginários possíveis com base na compreensão dos caminhos de mudanças atuais com o objetivo de gerar ações no presente. Nem tudo que é possível antecipar de fato ocorrerá. Porém, o exercício de imaginar possibilidades nos torna mais preparados para lidar com mudanças e mais capazes de tomar decisões assertivas a médio e longo prazo.
E, em tempos de machine learning, metaverso, singularidade informacional, pós-verdade e tantas outras ferramentas de produção de informação e desinformação, temos a internet como fonte inesgotável de informações úteis e de conhecimento e que pode nos ajudar a compreender como e porque as coisas estão mudando.
Voltando ao passado, especula-se que, quando a Biblioteca de Alexandria foi incendiada, armazenava entre trinta mil a setecentos mil livros, tendo em seu auge cerca de quatrocentos mil rolos de papiro e aproximadamente um milhão de obras. A Library of Congress, nos EUA, guarda aproximadamente cento e cinquenta e cinco milhões de exemplares, sendo a maior biblioteca do mundo (em termos de espaço físico ocupado). Por outro lado, em 2021, já existiam 1,88 bilhões de sites na internet, fora suas páginas internas, como essa em que você lê este artigo.
A cuidadosa seleção de conteúdos, com base em interesses pessoais e também em oposições a esses interesses a fim de se produzir uma síntese, pode ser a mais acessível ferramenta em mãos humanas para saber o que fazer do presente e planejar os próximos passos. O futuro é construído pelas nossas ações hoje, e ninguém quer ser o sujeito que, à revelia, é a figura do ditado: “Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”.
E você, para onde quer ir hoje e onde deseja estar amanhã?
Ilustração da capa: Ana Juan