Quem quer ser jornalista hoje em dia? Salários baixos, oportunidades escassas, poucas perspectivas de mudanças e profissionais experientes sem emprego. Quando olho para minhas escolhas – e uma delas foi dar um tempo do Jornalismo e abraçar uma segunda paixão, o audiovisual – me vem à mente a seguinte pergunta: e se eu tivesse insistido no Jornalismo, o que seria de mim no cenário atual?

As respostas ou pensamentos costumam ser um tanto negativos (ou realistas). Até a mídia noticia a não inovação e decadência da própria profissão. Por exemplo, o portal Exame publicou uma pesquisa feita pelo site CareerCast, que revelava a pior profissão do mundo. Sabe quem ganhou? Repórter de jornal. Não bastasse o primeiro lugar no podium, a segunda posição também encontra-se no setor da mídia: apresentadores de televisão e de rádio.

No entanto, esse não é um artigo pessimista que pretende apresentar uma realidade sem esperança para o Jornalismo, ou mesmo, ignorar as possibilidades de mudanças. Muito pelo contrário. Como jornalista e filmmaker, reflito sobre os caminhos dessa profissão, na torcida para que ela continue a existir e contribua ativamente para transformar um mundo onde o excesso de informação e o cansaço mental, unido a um interesse da sociedade em querer aprender mais, deveria ter algum sentido.

Se antes o jornalista filtrava a informação e distribuía aquilo que acreditava ser o mais importante, hoje ele não é o único a fazer isso. Não há mais um gatekeeper – termo criado na década de 1950 para quem ditava o que deveria ser publicado ou não – pois hoje cada pessoa pode ser o seu próprio editor. Quem determina o sucesso ou não das escolhas de conteúdo, não é mais o chefão da redação. É a audiência. Agora ela tem voz e quer escolher o que quer ler, ver, escutar, na hora que bem entende. E eu acho isso muito justo. Mas a função do jornalista, convenhamos, não se resume a isso…

Nas redes sociais, além das pessoas compartilharem informação a todo instante, as plataformas possibilitaram o surgimento de milhares de criadores de conteúdo e de formadores de opinião. Esses novos criadores de conteúdo finalmente provaram que são tão influentes, bem informados e bons contadores de histórias quanto muitos veículos de comunicação ou jornalistas – e, em alguns casos, até mais.

É fato que os jornalistas precisam se reinventar se quiserem ser ouvidos, lidos ou ter o seu espaço na audiência novamente. Audiência transforma, mobiliza, conscientiza, traz mudanças à sociedade. Audiência também gera negócios, conexões, publicidade. E tem mais: se o mundo é cada vez mais colaborativo, cabe aos jornalistas e veículos trabalhar em conjunto com todos os outros criadores, e não partir para a crítica gratuita entre eles. É tempo de se unir, em prol do que o jornalista faz de melhor: comunicar-se com o outro. Compartilhar informação útil, importante, transformadora, utilizando o seu poder de comunicar, organizar as informações e não ter medo de expor sua visão de mundo. Lembrando que eles não serão os únicos a fazerem isso.

As Redações Irão Virar Home-Office?

As redações que ainda existem estão diminuindo drasticamente de tamanho (espaço, equipe e até rodízio de computadores). Ok, fato. A solução que já vem acontecendo – e que não é exclusiva ao Jornalismo – é que as redações virem home office ou se aloquem em espaços de coworking. Inclusive, muitos profissionais da área já têm trabalhado assim.

O futurista Tiago Mattos, em seu livro “Vai Lá e Faz”, diz que uma boa parte dos profissionais do futuro serão freelancers: eles escolherão os projetos nos quais querem estar envolvidos, trabalharão em locais diferentes, como home office ou around the world. Logo, é bem possível a extinção das redações tal como as conhecemos.

Por isso, um dos caminhos para essa crise é entrar nesse mundo novo, compartilhar espaços, obter conhecimentos de outras formas, com outras pessoas em locais de trabalho distintos, e assim, acredito, muitas novas ideias virão para os jornalistas. Inclusive pautas, modelos de negócios, e demandas de habilidades que os jornalistas estudam e desenvolvem ao longo de sua carreira, tais como pesquisa, entrevista, organização de informações, poder da comunicação etc.

A Demanda

Quando pergunto aos meus colegas jornalistas, como estão as coisas, as respostas são algo como “partindo para concurso público” ou “fazendo alguns freelas”. A maioria está insatisfeita com a baixa remuneração e o pequeno fluxo de reportagens. Aqueles mais empreendedores estão buscando novas oportunidades em outras áreas ou mesmo na área da comunicação, mas sem muita ideia se aquilo vai dar certo no longo prazo. Um ou outro está firme e forte nas redações da grande mídia.

Só que tem algo que não se encaixa. Com tanta gente querendo conteúdo bom e de qualidade, porque tem tanto jornalista sem trabalho? Nós, jornalistas, deveríamos estar trabalhando a todo a vapor! Muitos sabem produzir um conteúdo bacana, atrativo, fácil de entender e com profundidade. Então, qual é o X da questão?

Um dos X é que o modelo de jornalismo que sustentava todo o custo operacional, pautado 100% na publicidade, ganhou uma multidão de concorrentes. O acesso à Internet é crescente, e os investimentos nela também não. As possibilidades de comunicação se reinventam. O número de criadores de conteúdo aumenta diariamente. E as redes sociais viraram o maior e melhor distribuidor de notícias – afinal, muita gente não desgruda do mobile. Mas, boa parte das notícias compartilhadas não continua sendo produzida pelos grandes veículos e agências de notícias ao redor do mundo? Sim, é verdade. Mas, até quando?

Hoje em dia não são somente os jornalistas – que trabalham em veículos – que têm acesso a pessoas, locais, eventos e coletivas, e essas “pessoas comuns” querem relatar acontecimentos, fazer denúncias, enfim, fazer coisas que tradicionalmente eram feitas por profissionais. Qualquer um, que tem o mínimo de audiência em um determinado assunto, já tem portas abertas para divulgação de informações e acesso a muitos lugares que, antes, eram restritos aos jornalistas.

Eu mesma já trabalhei para revistas da grande mídia, porém, hoje tenho meus próprios canais, e, através deles, tenho acesso a lugares onde posso explorar e criar conteúdos do meu jeito, e compartilhar para públicos específicos. Não preciso estar em um grande veículo para ser ouvida, apenas preciso produzir um conteúdo de qualidade e fazer as parcerias certas, aplicar estratégias que possam levar o meu conteúdo ao maior número de pessoas, etc. Tenho minha audiência – mesmo que ainda pequena se comparada à dos veículos tradicionais – mas ela está dentro de um nicho… Ah, os nichos! Vamos já falar sobre isso.

O jornalista de hoje devem também aprender outras coisas como marketing, negociação de publicidade, aprender sobre estruturas de modelos de negócios, suporte e feedback com seu público. O artigo publicado na Harvard Magazine cita, dentre as discussões do futuro do Jornalismo, a importância de buscar construir um relacionamento de confiança com os leitores. Afinal, jornalistas nunca precisaram ter esse cuidado, já que costumavam estar por trás de um nome (no caso um veículo) e esse veículo se encarregava de construir tal confiança. Agora, todos os jornalistas têm a oportunidade de eles mesmos se relacionarem com quem os acompanham tornando os laços de confiança mais fortes – e aí está mais uma oportunidade.

Novos Negócios, Novas Habilidades

Os profissionais precisam buscar e começar a entender os possíveis novos modelos de negócios. Por exemplo, um dos atuais modelos são jornalistas que se propõe a formar pessoas que desejam desenvolver uma mente mais crítica. Essas pessoas estão dispostas a pagar por curadorias, conteúdos exclusivos, palestras e workshops. Até cursos online de jornalismo (com uma pegada mais atual e prática) já existem. E essa função, a de educar, tem um alto valor percebido para aquelas pessoas que querem começar a evoluir mais e mais em questões individuais, como novos jeitos de lidar com mudanças, novas formas de viver, ideias de como alterar o seu entorno social quando se deseja partir para ação e causar mudanças sociais.

Assim como os apresentadores de telejornais, o jornalista, para ter o seu espaço, precisa também mostrar a cara. Cada vez mais somos multifuncionais e podemos fazer mais de uma coisa – e com excelência. E a Internet nos possibilita explorar essas habilidades também. É uma realidade. Quantos jornalistas multimídias você conhece que fotografam, produzem vídeos sozinhos, escrevem textos, apuram, aparecem, etc? Talvez poucos. Como essa formação multimídia está atrasada, muitos deles correm o risco de ficarem no anonimato e sofrerem para ganhar algum espaço – mesmo com tanta bagagem e conhecimento.

O Nicho é o Pote de Ouro

“O Jornalismo está numa crise de modelo de negócio e não numa crise de demanda. Não se pode sair pelo motivo errado”. Quem diz é André Almeida, um dos criadores do Projeto Draft.  Segundo ele, a crise de demanda acontece quando as pessoas não estão mais vendo valor naquilo que você entrega, fala, escreve, cria e compartilha.  O jornalista ou criador de conteúdo precisa perceber se o que ele está falando, criando, e compartilhando é de fato o que ele quer comunicar, pra quem ele quer comunicar e se estão o ouvindo.

O mundo do Jornalismo é muito pautado em adivinhar o que os outros querem saber ou aquilo que vai bombar e dar mais audiência, ou então, é pautado em interesse políticos individuais – seja do jornalista, seja do dono do veículo. Indo por esse caminho esse profissional irá produzir a mesmice, omitir muita coisa e não revelar o que se quer revelar ou deveria.

Enquanto os jornalistas quiserem escrever, falar, se expressar para todo mundo, da forma padrão, do mesmo jeito, sem levar em conta os diferentes nichos e pessoas, com foco e coração, mais eles vão ecoar na solidão.

É preciso esquecer essa de ideia de que todo mundo gosta dos mesmos assuntos, quer saber das mesmas coisas “no geral”, e que isso é o senso comum. A internet criou essa comunicação libertária! A maioria não vai mais sustentar o todo, porque a sociedade está cada vez mais cheia de nichos, e é por informação nichada que as pessoas estão pagando e indo atrás.

“O jornalista de hoje e do futuro será uma mistura de curioso, marketeiro, storyteller, persuasivo e que faz e acontece”, me contou Maíra Reis, jornalista e criadora do portal Reversa, de notícias sobre o mundo LGBTQA+. Ela e sua amiga jornalista e escritora Cristina Judar, criaram o blog, pois não encontravam publicações que as representassem. Essa é uma das novas formas de se fazer jornalismo. Criar e compartilhar informações que não estão disponíveis, ou que estão ditas de forma superficial, ou simplesmente de um jeito não satisfatório.

Em 2010, Ken Doctor, autor do livro Newsonomics – 12 Novas Tendências que Moldarão as Notícias e seu Impacto na Economia Mundial, disse: “Os nichos geram maiores taxas de publicidade a mais vendas do que as notícias”. Isso porque o nicho tem um interesse e foco único, não se dispersa na imensidão de escolhas, sabe o que quer, por isso o potencial de consumo e de atenção é muito mais garantido. Por exemplo, se você gosta de comida vegana, você vai ler um blog sobre isso, ou ver um canal do Youtube sobre isso. Um canal especializado passa mais credibilidade, atenção e profundidade.

Logo, como percebemos, por muito tempo, o nicho foi deixado meio de lado e, há 7 anos, na visão de Doctor, já era considerado um verdadeiro pote de ouro. E de lá pra cá, o quanto disso foi colocado em prática pela imprensa?

Avancemos. O jornalista tem vários papéis, mas, o mais importante, como bem definiu Denis Russo Burgierman, jornalista e criador do NEXO JORNAL, “O jornalista tem uma função muito interessante nesse mundo, que é de conversar com todo mundo e, de certa forma, dar uma perspectiva mais multifacetada. É legal que tenha alguém disposto a ouvir tantas versões e de relatar de um jeito mais distanciado, respeitoso e interessado determinado assunto”, disse ele em palestra no Festival Path 2017. “Precisamos de pessoas que tenham atitude de procurar e saber porquê outras pessoas fazem o que fazem. Em vez de ter certezas, perguntar mais. E alguém com honestidade de relatar o que essas pessoas estão falando”, conclui.

Eu quero receber informação de gente assim. E você? 

Habilidades do Futuro: Comunicar e Engajar

Uma habilidade que pode ser muito útil para os jornalistas é saber comunicar-se com o público, sem depender de uma mídia. A maioria desses profissionais sempre viveu atrás dos arbustos, apenas assinando matérias, e isso, já vimos que só os deixaram sem emprego, visibilidade e no limbo. Em vez disso, eles podem ser os comunicadores das histórias ou podem ensinar os outros a serem bons comunicadores, uma das habilidades mais requisitadas na era do empreendedorismo, das startups e da Nova Economia.

O público quer que essa informação venha de jeitos e formatos diferentes – pela razão óbvia de que cada ser humano é diferente – e não naquele “padrão de qualidade” quadrado, onde a voz de todo jornalista parece ser a mesma, o jeito de falar, o jeito de dar a notícia. Autenticidade virou quase que um requisito básico para um criador de conteúdo, e deveria ser para um jornalista em todas as suas funções.

Se você for um comunicador, um bom curador, um bom pesquisador e entender dos diversos formatos de comunicação (e para isso você deverá entender formas de se comunicar, caso você não seja um jornalista), a informação que você cria terá um valor cada vez maior em uma sociedade que usa diariamente as redes sociais para compartilhar coisas que interessam. É preciso provocar e usar o poder da informação e comunicação para instigar o outro a partir para a ação.

E o resultado disso tudo é o engajamento, um dos grandes desafios de quem trabalha com a informação. Engajar pressupõe se relacionar. Se relacionar é se abrir, é trocar, é ouvir, é interagir com cada um que acompanha o que você diz. Uma audiência às escuras, vai embora sem você perceber. Cuidar da audiência e ser capaz de enxergar cada rostinho com curiosidade. Afinal, não existe relacionamento, sem relação. Não existe engajamento, sem dar atenção.

A jornalista Maíra Reis, vai além: “O furo jornalístico hoje se transformou em furo de engajamento. E vai continuar assim por um bom tempo… Não adianta ser mais o primeiro a publicar um conteúdo, mas sim ser aquele que vai noticiar algo que irá gerar uma reação das pessoas e pelo máximo tempo possível”. Agora, vem a pergunta: Quantos jornalistas mostram a cara, falam com seu público, trocam ideias?

Mostrar a cara, quem você é, da forma mais genuína possível nunca foi tão valorizado no meio da comunicação e da produção de conteúdo. Requer coragem falar o que pensa. Mas, coragem é algo que nunca faltou para os jornalistas. Portanto, jornalistas, acabou a Era-Modo-Atrás-do-Arbusto – ou do anonimato. É hora de mostrar quem é você. O mundo quer saber. É sério.

E, Se Nada Der Certo?

Bom, se nada der certo, arrisco dizer que o Jornalismo só continuará a existir se a população continuar confiando, leitores e assinantes continuarem a investir e entenderem a importância de existirem pessoas que estão trabalhando para trazer a melhor informação possível e que exista de fato uma troca constante entre quem cria o conteúdo e quem consome. Essa é a relação da vez. E digo mais: o Jornalismo deveria ser visto e estruturado como um negócio social – que dá lucro, mas que se preocupa mais com a transformação social do que com o lucro em si. Para os que souberem fazer da informação, um negócio – como educação, informação confiável, engajamento e aproximação, e reflexão de valores que gerem mudanças, etc, há muito terreno para ser adubado e explorado. 

Agora, uma observação que considero muito importante. Antes do jornalista ou criador de conteúdo olhar para o mercado, ele tem que olhar pra dentro de si e falar de coisas que façam sentido para ele, e não simplesmente porque aquilo é uma oportunidade. Isso é a Nova Economia que está mudando completamente a forma como pensamos o trabalho e a carreira.

Portanto, é preciso parar, pensar, olhar pra dentro, e acreditar que o Jornalismo vem para o bem, pode mudar, se reinventar, e ser um contribuidor importantíssimo para as sociedades do futuro, como já foi um dia. Nunca é tarde. O site O futuro das Coisas e tantos outros são a prova viva disso.

Imagem da capa: ‘WALL OF THE SUN’ criado pelo designer japonês Tokujin Yoshioka

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Patricia Bernal

Patricia é filmmaker criativa, fotógrafa, jornalista e visual storyteller. Graduada em Jornalismo e Comunicação Social, fez um curso intensivo de cinema na Academia Internacional de Cinema (AIC) e Técnica em Audiovisual pela DRC Trainning. Sócia-proprietária da produtora WoW Films Media, especializada em projetos digitais, startups, YouTube, redes sociais e consultoria audiovisual. Criadora do canal Câmera na Mão, do grupo Mulheres Filmmakers, e do blog IH!Criei. Atualmente está também envolvida na produção do seu documentário Cadê a Criatividade.

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