Pense na última boa ideia que você teve. Será que ela poderia ter sido melhor se você tivesse dedicado mais tempo para formular, em primeiro lugar, uma boa pergunta?

Boas ideias, na maioria das vezes, vêm de questionamentos que fazemos acerca do mundo que nos rodeia. Entretanto, a maioria das pessoas formula perguntas básicas, ou até óbvias, mesmo quando as respostas estão logo à sua frente.

Fazer perguntas superficiais nos ajuda a navegar pela vida cotidiana, é verdade. Muitas vezes é só isso que queremos saber, e está tudo bem. “Qual a previsão do tempo para amanhã?”, ou “Qual é o endereço do restaurante italiano que sua amiga recomendou?”. Mas também precisamos de perguntas que nos dê profundidade. No livro Ignorância: como ela Impulsiona a Ciência, o neurocientista Stuart Firestein explica que quanto mais sabemos sobre algum assunto, maior nossa capacidade de fazer boas perguntas, porque conseguimos ir além do óbvio e superficial.

“Importante não é ver o que ninguém nunca viu, mas sim, pensar o que ninguém nunca pensou sobre algo que todo mundo vê.” – Schopenhauer

Já presenciei reuniões onde perdeu-se um tempo precioso discutindo, em plena pandemia, qual era a pronuncia correta do nome de um produto da empresa, como se isso fosse fazer alguma diferença. As prioridades foram completamente negligenciadas, principalmente num momento de crise, sem contar a total falta de respeito com o tempo das outras pessoas. Fica até difícil discordar do historiador Yuval Harari quando ele diz que no futuro existirá a “classe dos inúteis”. Em 1996, quando questionado sobre o impacto da internet na sociedade, Steve Jobs, fundador da Apple, já nos alertava para esse mesmo cenário:

“Vivemos em uma economia da informação, mas não acredito que vivamos em uma sociedadeda informação. As pessoas estão pensando menos do que antes. É principalmente por causa da televisão. As pessoas estão lendo menos e certamente pensando menos. Portanto, não vejo a maioria das pessoas usando a internet para obter mais informações. Já estamos em sobrecarga de informações. Não importa quanta informação a internet possa distribuir, a maioria das pessoas obtém muito mais informações do que pode assimilar de qualquer maneira.”

Qual seria então uma boa solução para o excesso de informação?

Fascina-me um conceito que tem ganhado força: a curadoria – seja a de conteúdo ou a de conhecimento – é cada vez mais fundamental o papel de filtrar conteúdos de qualidade. Num mar de informações e hashtags, curadores são um farol que nos guiam rumo ao porto do conhecimento, encurtando distâncias. O maravilhoso é que, de certa forma, todos nós podemos ser curadores. Cada pessoa se torna uma lente pela qual pode enxergar o mundo, democratizando e humanizando o conhecimento.

“Não importa o quão inteligente você é a menos que pare e pense.” – Thomas Sowell

Porém, complexo como o mundo é, dificilmente teremos boas ideias se não tivermos a capacidade de olhar a nossa volta e nos questionarmos sobre o que está acontecendo e formular melhor os nossos problemas. Temos muito que caminhar nesse sentido e, para mim, tudo começa com a nossa educação. Quando entrei no mestrado, uma das coisas curiosas que aprendi foi sobre a tal “pergunta de partida”. Pensei: como é possível que algo tão essencial como saber formular uma pergunta não seja ensinado na escola?

Como professor, vi o ensino como um todo levar um dos maiores baques da história com a pandemia da COVID-19. Milhares de alunos e professores confinados em suas casas, do dia para a noite. O impacto foi tamanho que foi necessário algumas semanas de pausa forçada só para entender o que estava acontecendo. Desorientados com a pancada, não havia protocolos para seguir ou referências do que podia ser feito numa situação dessas. Nada parecido constava nas apostilas de estudo, usadas para “preparar os alunos para o futuro”.

Neste cenário, muitas escolas simplesmente se perguntaram “podemos manter as aulas em formato online para não comprometer o ano letivo?”. Observe a pergunta: o foco não estava nos alunos e nem nos professores, e sim em salvar a linha de montagem que chamamos de ano letivo. A primeira e óbvia resposta, como de costume, serviu: uma reprodução digital da realidade, onde o professor fala e os alunos ouvem, só que à distância. O resultado disso já era de se esperar: aulas que já eram desestimulantes e monótonas no presencial, só que agora com a possibilidade do aluno desligar a câmera, desativar o microfone e continuar dormindo enquanto o professor falava sozinho.

Agora, imagine outro cenário, onde a pergunta fosse: “como podemos aproveitar essa oportunidade para mudar, trabalhar outras competências dos alunos e transformar as aulas num ambiente mais estimulante?”. Mudando o foco para o aluno e o aprendizado, as possibilidades para solucionar essa questão são completamente diferentes. A meu ver, responder essa pergunta não só soluciona o problema como deixa os alunos felizes e os professores mais motivados. Todo mundo ganha.

A curiosidade como sua maior aliada

Com computadores cada vez melhores em dar respostas, precisamos de pessoas que saibam fazer boas perguntas. Talvez em breve, ouvir de seu filho que ele quer ser filósofo não será mais motivo de preocupação profissional, já que computadores só respondem aquilo que lhes foi perguntado, e a Filosofia pode vir a ser uma das profissões mais necessárias num futuro próximo. Com sociedades cada vez mais plurais e complexas, teremos urgência em responder questões filosóficas, como moralidade, consciência e o sentido da vida. Não tenho dúvidas de que os computadores nos ajudarão a encontrar essas respostas, mas cabe a nós formular boas perguntas.

O mundo precisa de pessoas mais curiosas. A curiosidade constrói conhecimento; você precisa saber um pouco sobre algo para querer aprender mais. Se queremos nos tornar uma sociedade que acredita na criatividade como matéria-prima para o progresso e inovação, precisamos cultivar e reconhecer que uma mente questionadora constitui seu bem mais valioso. Por isso, como podemos deixar mais pessoas com fome de aprender, questionar e criar?

Vidas inteiras podem ser guiadas pela curiosidade. A pergunta é degustada, momento a momento. É preciso um compromisso apaixonado para entender algo a fundo, mastigar com calma ao invés de apenas engolir por inteiro.

E então, vem a surpresa: a resposta para uma boa pergunta, muitas vezes, pode parecer um tanto que óbvia. “Não é possível que ninguém nunca tenha pensado nisso antes”, indagamos. Mas dificilmente será óbvia para a maioria das pessoas, simplesmente porque não estavam pensando na pergunta.

Temos que aprender a dedicar esforços, durante um longo período de tempo, para ponderar questões difíceis e gerar soluções alternativas para problemas complicados. Sermos capazes de conectar experiências e sintetizar coisas novas. Neste sentido, explorar perguntas como “o que poderia ser?” nos ajuda a pensar no futuro que desejamos, enquanto “o que poderia ter sido?” proporciona uma leitura para não repetirmos os mesmos erros do passado.

“Não tenho nenhum talento especial. Sou apenas apaixonadamente curioso.” – Albert Einstein

Fazer perguntas é uma forma de pensar. Só que, da próxima vez que fizer uma, reflita sobre que tipo de pergunta está fazendo. A diferença é clara: perguntas óbvias tem esse caráter imediatista e normalmente a primeira resposta satisfaz. Por outro lado, perguntas por curiosidade geram novos questionamentos ao serem respondidas; crescem dentro da sua cabeça, insaciáveis, transformando o que ingerem em conhecimento e aprendizado.

Com todo o conhecimento que acumulamos, as fronteiras do desconhecido se expandem para lugares inimagináveis: de galáxias a milhares de anos luz de distância até partículas subatômicas; de questões como “de onde viemos?” até “para onde estamos indo?”. Agora, mais do que nunca, precisamos de todas as boas perguntas que pudermos formular se quisermos solucionar os problemas complexos da nossa sociedade e construir um futuro melhor para todos.

Se não formos capazes de fazer boas perguntas, o que será das nossas boas ideias?

P.S.: Ficou curioso e quer saber mais? Ótimo! Deixo aqui uma curadoria de conteúdos para você se aprofundar no assunto.

Livros:

Berger, W. (2019). Uma Pergunta mais Bonita: As perguntas dos criadores de Airbnb, Netflix e Google. São Paulo, Goya.

Firestein, S. (2012). Ignorância: como ela Impulsiona a Ciência. São Paulo, Companhia das Letras.

Leslie, I. (2014). Curious: The Desire to Know and Why Your Future Depends On It. New York, Basic Books.

Nixon, N. (2020). The Creativity Leap: unleash curiosity, improvisation, and intuition at work. Oakland, Berrett-Koehler Publishers.

TEDx:

Steven Johnson – De onde vêm as boas ideias?

Mike Vaughan – Como fazer melhores perguntas

Dan Moulthrop – A arte de fazer perguntas

Giovanni Corazza – Mudanças rápidas exigem pensamento lento

Ilustração da capa: Liza Rusalskaya


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Felipe Zamana

Felipe Zamana é Professor, Pesquisador e Consultor de Criatividade, dedicado a explorar a Criatividade Aplicada ao Desenvolvimento Educacional, Cultural, Social e Organizacional. É Mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa em Portugal e fundador do Criatividade a Sério, onde assessora organizações, líderes e equipes aplicando o pensamento criativo e trazendo um entendimento mais claro e prático da Criatividade para ampliar o crescimento e o valor do negócio.

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